terça-feira, 10 de abril de 2012

Ma liberté de danser - Cap. 5 - A última bailarina do Egito


Por Lalitha

AVISO IMPORTANTE:

Então, gente, antes de entrarmos no material relativo ao quinto capítulo do livro da Dina, quero ressaltar que apenas as partes em itálico e entre aspas são trechos traduzidos do livro (as traduções são minhas e às vezes contem alguma adaptação para facilitar o entendimento do trecho fora do texto completo), e deixo claro que não traduzi o livro inteiro, apenas algumas passagens que julguei importantes ou bonitas. Todo o resto do material é uma compilação de informações contidas no livro e de pesquisa própria minha feita na internet ou na minha biblioteca particular.

O material aqui exposto está todo dividido por capítulo (um capítulo por post, sempre) e cada capítulo está dividido em tópicos para tornar a apresentação mais dinâmica. Adotei essa divisão por pura comodidade e para tornar o material mais didático, o livro não está dividido dessa forma.

5. A última bailarina do Egito

          O Egito hoje



Há alguns anos a revista americana News Week publicou uma matéria sobre a dança no ventre no Egito, dizendo que era uma arte no caminho da extinção, e que Dina era a ultima bailarina do Egito.


"Esse título me faz orgulhosa e triste. Das 5 mil bailarinas profissionais que existiam no Egito em 1957, não têm mais do que algumas dezenas hoje em dia."


Hoje em dia, se um turista quer assistir dança do ventre no Egito, dificilmente verá uma nativa, apenas estrangeiras. E há alguns anos, quando elas começaram a chegar no Egito, elas foram vistas com desprezo pelas egípcias, porque, apesar delas saberem dançar, faltava a elas compreensão da música, da letra, da cultura.


"A dança do ventre é uma linguagem. Você pode copiá-la, pronunciá-la com perfeição, mas se não a conhece profundamente, com tudo o que ela carrega de significado, de história, de cultura, de emoção e tradição, você deixa algo escapar."


Só que hoje em dia, cada mais vez mais estrangeiras sabem disso, e procuram de aprofundar nos seus estudos, estudando o árabe, os ritmos e a cultura, e Dina percebe que cada vez mais elas entendem o que estão dançando. E elas vivem a dança do ventre sem tabu, e não existem mais egípcias para rivalizar com elas.

          Histórias da dança do ventre

Desde que Salomé seduziu o rei Herodes, as bailarinas sofrem com má reputação (você pode ver uma resenha que fiz sobre a famosa peça aqui)


"porque elas representam a feminilidade em todo o seu poder, e isso dá medo. E atrai ao mesmo tempo. A dança oriental, mais de que qualquer outra dança no mundo, encarna todos os aspectos da mulher: a sedução, o abandono, o êxtase carnal, o jogo, o compartilhar, a generosidade, o parto, a liberdade. Ela simboliza a alegria e a tristeza."


No Egito a história da dança se confunde com a história do país. As alméias, mulheres de cultura e intelectuais, eram poderosas, e encantaram por séculos os palácios dos sultões otomanos. Apenas elas podiam entrar nos haréns e ensinar as mulheres os segredos da dança e das artes. Elas povoaram as fantasias dos estrangeiros orientalistas no século XVIII. Foi nessa época também que Napoleão invadiu o Egito, e seus soldados ficaram enfeitiçados pelas ghawazi (invasoras de corações), que eram bailarinas e acrobatas. Mas elas também eram pobres e sem educação, e por isso, eram prostitutas


"E dessa forma a dança que elas praticavam foi taxada de vergonhosa, uma vergonha que persegue as bailarinas até hoje."


Pois numa noite sangrenta, Napoleão, cansado do poder que essas mulheres tinham sob os seus soldados, captura 400 delas e manda decapitá-las e jogar os seus corpos no Nilo. O sultão Mohahmed Ali também as expulsa do Cairo, e elas precisam fugir até Esna, perto de Assuã. Somente em 1886 a proibição foi retirada.


"Em cada casa, para cada casamento, elas eram chamadas, pois sua presença era garantia de fertilidade no futuro."


Mas as bailarinas mudaram nesses anos de perseguição, se misturando com outras artistas vindas de outros lugares, como o Líbano e a Síria. A maior parte simplesmente sumiu.  


"E o espírito das alméias se juntou com a força vital das ghawasi."


Em 1893 houve a Exposição Universal em Chicago, e pela primeira vez as egípcias chegaram nos EUA, causando furor. A mais famosa da época era uma bailarina chamada Little Egypt. A partir de então os cabarés e Hollywood se apaixonaram pela dança do ventre, criando esse nome para a dança oriental e parodiando as suas roupas, até chegarmos no “uniforme” de cinturão e bustiê.

Foi nessa época que o cinema egípcio despontou, que o Cairo ganhou seu apelido de OUM EL DOUNIA - a mãe do mundo, por conta da sua influência em todo o mundo árabe.


"Nós éramos o orgulho do mundo árabe, um farol de cultura, de arte e de liberdade, nós guiávamos toda uma civilização."


    •     Quando Dina começou

Ainda tinha muitas grandes bailarinas na ativa, no topo havia: Nagwa Fouad, Soheir Zaki, Fifi Abdou, Lucy e Zizi Mustafa.

Mas isso não quer dizer que era fácil, há mais de 100 anos que se falam horrores das bailarinas, no início do século XX, por exemplo, elas não podiam nem testemunhar em tribunais. Dizia-se que todas as bailarinas eram antigas moradoras de rua, que conseguiram sair da rua por conta da dança, e que por onde elas passassem você podia sentir o cheiro de enxofre.

Porém, na virada dos anos 80 para os anos 90, o público já tinha um conhecimento maior dessa arte, e sabia reconhecer as verdadeiras artistas.


"As maiores bailarinas eram respeitadas, idolatradas. E paradoxalmente, ninguém queria ver sua filha se tornando bailarina!"


Mas mesmo nessa época as coisas já tinham começado a desandar, a dança havia sido proibida na TV desde a época do Nasser, apesar das emissoras passaram os antigos filmes. E alguns movimentos foram “proibidos” na dança, como movimentos com as pernas abertas ou sugestivos. Proibiram que o umbigo das bailarinas estivesse à mostra, e limitaram a altura das saias, e a altura das fendas.

Em 1977, por exemplo, houve um atentado terrorista, feito por extremistas, onde botaram fogo em todas as casas de dança no Saïd, em Minya e em Assiout. Às vezes homens armados iam a casamentos para impedir que as bailarinas dançassem. Enquanto a polícia fazia batidas surpresa para verificar se as bailarinas estavam de acordo com os códigos de vestimenta.


"Eu não me dei conta que as coisas estavam mudando. Mas, em 1995, quando Nagwa Fouad se aposentou, de repente percebi que não éramos mais do que 3 bailarinas. Pouco a pouco, insidiosamente, a dança do ventre tinha começado a morrer, e eu não tinha reparado."


As bailarinas foram se aposentando, rumores de que homens ricos sauditas estavam pagando para que elas abandonassem os palcos correram soltos, muitas bailarinas passaram a usar véu. Dina não acredita na teoria dos sauditas, porque segundo ela nunca a ofereceram dinheiro para parar de dançar.

          O desaparecimento das bailarinas egípcias

Segundo ela, o que precisa ser entendido é que desde os anos 70 o Egito foi mudando. Os homens saíram do país em busca de novas oportunidades ligadas ao petróleo, e quando voltaram trouxeram com eles uma cultura muito mais rígida. Com isso, as artes também foram mudando. O cinema passou a seguir normais mais rígidas. As bailarinas começaram a aparecer nos filmes apenas como ladras, destruidoras de lares. E segundo a Dina, é por isso que quando ela faz uma vilã num filme ela recusa que a personagem seja uma bailarina. Isso porque os egípcios têm dificuldade de distinguir entre o cinema e a realidade.


"E as jovens ficaram com medo. Elas não queriam mais dançar."


Mesmo a palavra bailarina passou a ser um termo pejorativo. As pessoas a falam baixo, envergonhadas. Ninguém quer essa palavra associada ao seu nome.
 




Para melhor ilustrar essas mudanças e o estado atual da dança no Egito eu sugiro o documentário francês "Les danseuses du Caire", onde vocês vão encontrar a tradução do que é falado nesse post do blog:

Kisses from Kairo - "Les danseuses du Caire"




Aguardem o próximo capítulo! 

Capítulos anteriores:

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