quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Ma liberté de danser - Cap. 1 - Raqs Sharki


Por Lalitha

AVISO IMPORTANTE:

Então, gente, antes de entrarmos no material relativo ao primeiro capítulo do livro da Dina, quero ressaltar que apenas as partes em itálico e entre aspas são trechos traduzidos do livro (as traduções são minhas e às vezes contem alguma adaptação para facilitar o entendimento do trecho fora do texto completo), e deixo claro que não traduzi o livro inteiro, apenas algumas passagens que julguei importantes ou bonitas. Todo o resto do material é uma compilação de informações contidas no livro e de pesquisa própria minha feita na internet ou na minha biblioteca particular.

O material aqui exposto está todo dividido por capítulo (um capítulo por post, sempre) e cada capítulo está dividido em tópicos para tornar a apresentação mais dinâmica. Adotei essa divisão por pura comodidade e para tornar o material mais didático, o livro não está dividido dessa forma.

1. Raqs Sharki

  • De onde vem a dança do ventre?

Segundo a Dina, dizem que a origem da dança do ventre remonta ao tempo dos faraós, mas também há quem diga que essa dança veio junto com um povo originário das montanhas do norte da Índia, que se estabeleceu no Egito há mil anos. Os ciganos (gawasi).

"Nós a praticamos de pés descalços, para captar as energias da terra, e dizem que ela imita as dores do parto para garantir fertilidade."
 
Como eu disse anteriormente, o livro da Dina não é o seu livro caso você esteja querendo estudar a história da dança do ventre. Um dia ainda vamos tratar desse assunto no blog :-) 

  •  Rotina de uma bailarina no Egito
 Antigamente a agenda da Dina era mais lotada de shows, hoje é mais modesta, mas o seu cachê aumentou consideravelmente. Ela descreve no livro uma noite tranquila, onde ela tem 2 casamentos e um show num hotel marcados. As bailarinas egípcias, ou mesmo as estrangeiras que trabalham no Egito (vejam um exemplo aqui), faziam até 5 ou 6 shows por noite, numa rotina estafante que ia das 10h da noite até às 5h da manhã, sem contar o período de treino diário. Cada show durava mais de uma hora, alguns podiam durar até 3 horas como os da Fifi Abdou e da Nagwa Fouad. Tanto que se dizia que a Fifi Abdou era capaz de dançar a noite inteira (há até uma descrição de um musical com ela que durava 5h - aqui em inglês), a russa Nour chegou a ser internada e quase morreu de estafa. O mesmo aconteceu com a egípcia Lucy. O depoimento da Nour sobre esse evento e como ela foi salva por um cantor sírio com que ela se casou mais tarde pode ser encontrada aqui (em inglês).
"Na entrada luxuosa do hotel eu apresso o passo. Não tenho tempo para olhar os buquês de flores magníficas. Eu conheço de cor o caminho. O elevador que leva aos salões de recepção, aos corredores estreitos que atravessam as salas de serviço. Eu cruzo com garçons, atarefados, com suas bandejas equilibradas, com recepcionistas, com os chefes de equipe. Nós somos parecidos, trabalhamos juntos para oferecer aos outros um sonho, um sonho luxuoso, uma fantasia de mil e uma noites.
A festa já está no seu auge. Sobre as mesas ricamente decoradas com lírios brancos,os pratos transbordam de comida. Os homens, bem vestidos, fumam seus cigarros. As mulheres rivalizam em elegância - vestidos de noite brilhantes, diamantes. A maioria usa um véu combinando. Dependurada no alto de uma grua, uma câmera se fixa na pista de dança, onde um grupo de jovens se requebra ao som da última música da Shakira.
- Madame Dina, ya set el kol (ó dama das damas), sua presença nos ilumina! diz timidamente um empregado. Ao seu lado, uma das suas colegas, ruborizada, saca o seu telefone celular do bolso para me fotografar. Pausa, sorriso, pose, clic-clac. Eu parto.
Dez vezes, até a pequena sala que me serve de camarim, eu vou parar. O tempo é curto. Entretanto, essa noite a minha agenda está razoável: dois casamentos, em hotéis diferentes, depois meu espetáculo semanal na casa noturna do Semiramis. Escuto ao longe o barulho da festa, a música, que me chama como um amante. Eu parto, corro pelo corredor. E entro sob os aplausos e os fiufius de admiração. Eu não vejo ninguém. Estou dentro da música. Não penso em mais nada. Estou num estado alterado de consciência.
A primeira parte acaba, e enquanto os músicos começam uma nova melodia, eu vou procurar a noiva, a felicito, a pego pela mão e a levo comigo até a pista. Ela não oferece nenhuma resistência, e sorri para mim, radiante em seu vestido branco, ela ondula ao meu lado e o seu marido aplaude. Tudo em torno da pista se ilumina, a família e os amigos se aproximam, formando um círculo. Escuto os zaghrouta, as risadas. Eu os sinto receptivos, felizes.
Tudo vai bem.
Uma menininha se aproxima. Ela está com um vestidinho branco, rendado, com presilhas de marfim nos cabelos cacheados. Ela é minúscula, 4 ou 5 anos. A orquestra continua, a música é ensurdecedora, e ela me olha, fascinada. Concentrada em meus movimentos, eu mal a vejo, somente por alguns instantes, mas os seus olhos me tocam. Ela se balança. E começa a dançar, meio sem jeito, mas já no ritmo.
Nós somos feitos para dançar.
Onde está o mal?"
  • Como a sociedade vê a bailarina – ibn el raqa’sa! 
 
Mas a bailarina é muito mal vista na sociedade egípcia, a expressão em árabe “ibn el raqa’sa” – filho de bailarina – é carregada de desprezo, o nosso equivalente a "filho da puta". Dizem que as bailarinas são devoradoras de homens, destruidoras de lares e prostitutas. Elas são o mal, o pecado incarnado. Só porque elas dançam.
"Tudo isso porque nós dançamos, porque usamos o nosso corpo. Porque amamos a música, porque a dança é mais forte que tudo, e também porque nós mostramos como é a mulher em toda a sua liberdade, verdade e sedução."
A bailarina Keti Shariff, por exemplo, conta numa entrevista que ela parou de dançar no Egito porque o dono do hotel onde ela conseguiu o seu primeiro contrato pediu a ela um exame de AIDS, para que ele tivesse segurança para oferecê-la aos fregueses. A entrevista (em inglês), você encontra aqui.
As coisas estão ficando cada vez mais difíceis no Egito, Dina conta que cada vez mais ela vê mais pessoas que a olham torto, homens que se viram de costas quando ela entra em cena, mas que ao mesmo tempo olham para o telão para vê-la dançar.
  • Os extremistas - Ramadã  
Antigamente as mulheres andavam sem véu na rua e eram respeitadas. Dina se ressente. Segundo ela, os extremistas não se ocupam mais de religião, mas de ostentação, querendo quebrar os espíritos e acorrentar as almas. Para eles a dança é haram, proibido, pecado.
No Ramadã é comum que pessoas ricas e grandes empresas financiem grandes banquetes para os necessitados, mas Dina não pode fazer isso. Ela prefere ajudar pessoalmente aqueles que precisam à sua volta, porque dizem que não se deve comer da mesa de uma bailarina, porque o seu dinheiro é sujo, é pecado.
"Por longas horas eu li o Corão. O que eu acho que é haram, pecado, é roubar, usurpar os bens dos outros. Não ganhar o seu dinheiro com o seu esforço, com o suor do seu rosto. Mas eu acredito ainda mais que  é haram, é julgar os outros. Quem somos nós para julgar os outros? Somente Allah pode julgar.
Dançar é um dom de Deus."
"A liberdade custa caro. Minha vida é uma guerra, todo dia recomeçada."
Aguardem o próximo capítulo! 

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