domingo, 28 de outubro de 2012

Livro do mês: Os Versos Satânicos


O livro desse mês é bem diferente do que recomendei até agora. Apesar do autor ser indiano, a sua obra tem forte teor islâmico, e sua estrutura narrativa é bem característica dos escritores orientais. A gente às vezes esquece que na Índia há uma parcela razoavelmente grande da população que é muçulmana, e Salman Rushdie viveu, portanto, numa sociedade que mistura hinduísmo e islamismo, e, como ele ainda por cima estudou na Inglaterra, acrescente o cristianismo no hall de religiões que o influenciaram.

Versos Satânicos é uma obra extremamente polêmica, e foi proibida na maioria dos países muçulmanos. Quando o livro foi lançado, em 1988, os muçulmanos ingleses protestaram queimando exemplares em praça pública. Além disso, o livro ainda rendeu uma sentença de morte ao autor em forma de fatwa dada pelo então aiotalá do Irã, Khomeini. Apesar de Salman Rushdie nunca ter sofrido um atentado (ele viveu durante anos com escolta policial), um dos tradutores do livro foi morto por um extremista.

E tudo isso porque o livro traz uma versão bem polêmica da história de Maomé (chamado no livro por um nome pejorativo fácil de reconhecer), além de fazer alusão a alguns versos no Corão que seriam pagãos, e posteriormente foram retirados do livro sagrado (eles seriam versos que poderiam ser usados para adorar as antigas deusas de Meca: Al-Lat, Al-Uzza e Manat). Não é a toa que o livro causou tanta confusão.

Mas o livro não é feito só de histórias pouco ortodoxas do profeta, a história se passa nos anos 80 e fala sobre a vida de dois indianos que sobrevivem a um atentato terrorista, e a partir de então um deles desenvolve chifres e pés de bode, enquanto o outro ganha uma auréola. Acho que o livro seria banido no mundo islâmico mesmo sem Maomé no meio! E apesar de ser bem fantasioso, o autor aproveita para lidar com assuntos muito mundanos, como os problemas e preconceitos enfrentados pelos imigrantes muçulmanos na Inglaterra e o choque de culturas.

Para bailarinas de dança do ventre a leitura é interessante para começar a entender as críticas feitas ao islamismo, entrar em contato com outros muçulmanos além dos egípcios, e ver como é complicado ser imigrante e muçulmano na Europa. Além, de claro, acrescentar no currículo a leitura de um livro proibido em terras islâmicas!

Além disso, a leitura é recomendada simplesmente porque o livro é muito bom mesmo, literatura de primeira, e isso é sempre bem vindo!

Capa da edição de bolso
No Brasil se encontra a obra em duas versões: a edição normal e caríssima da editora Companhia das Letras (talvez esteja esgotada) e a versão de bolso, da Companhia de Bolso, que é bem mais em conta e fácil de achar em qualquer livraria.

E então, alguém já leu o livro? Deixe o seu comentário!

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Diário de Viagem - TURQUIA – 5° dia – As grandes maravilhas turcas do mundo antigo


Nesse dia acordamos absurdamente cedo, pois a idéia era chegar em Éfeso no máximo às 8h da manhã (dali a alguns dias eu precisaria rever o meu conceito de absurdamente cedo). Tomamos nosso café da manhã no mesmo local que foi servido o jantar, e novamente o serviço e a comida foram ruins. Sério, houve um momento em que o pão tinha acabado, e ficou uma fila imensa para esperar chegar a próxima leva e cada um poder se servir. A pouca variedade de comida simplesmente não combinava com o hotel, apesar de combinar com o cheiro horroroso de cigarro do nosso quarto.

Pegamos então o nosso ônibus (era sempre o mesmo, com o mesmo motorista, Selim – uma simpatia que ainda fornecia água geladinha no ônibus por um preço amigável) e fomos para Éfeso. Agora vou fazer uma pequena pausa, só para explicar que nada se compara a Éfeso. Tudo o que já tínhamos visto até então (e eu havia avisado o maridão disso, pois fui a Éfeso em 97) não chega aos pés de Éfeso. Talvez o Egito, mas o Egito é em outra escala, e mesmo assim não tem uma cidade inteira para visitar. Pois é, é isso mesmo, Éfeso é uma cidade-museu. Ela foi abandonada e ficou escondida debaixo da terra por muitos séculos.

Para melhorar, nela ficava uma das 7 maravilhas do mundo: o Templo de Ártemis, que hoje está completamente destruído, tendo sobrado apenas 1 pilastra de pé e mais nada. Além disso, ela é conhecida por ser mencionada na Bíblia, no livro do Apocalipse, como uma das 7 igrejas da Ásia.

O que sobrou do Templo de Ártemis, uma das 7 maravilhas do mundo antigo
E só para ter uma idéia de como esse sítio arqueológico é grande, Éfeso, no seu auge, chegou a abrigar 250 mil pessoas, sendo a segunda maior cidade do mundo nessa época. Não é pouca coisa! Mas a cidade perdeu importância, conforme o seu porto deixou de existir, ao ser assoreado pelo rio Caístro.

Éfeso é habitada hoje em dia pelos gatos, que são uma atração a parte!
A visita a Éfeso começa por uma larga avenida (até o chão é original), por onde se vê diversos tipos diferentes de templos, e alguns prédios mais diferentes, como um banheiro público, usado pelos nobres. No meio dessa avenida tem um portal que é conhecido como portal de Hércules, pois tem uma estátua da figura mitológica esculpida em suas pilastras. Dizem que quem consegue passar pelo portal colocando as mãos nas suas duas extremidades ao mesmo tempo terá um pedido atendido. Confesso que eu nem tentei, mas o Caike conseguiu facilmente.

A Avenida já quase no final...
Caike no Portal de Hércules
No final dessa avenida tem uma praça, que é onde fica a Biblioteca de Celso, uma das maiores atrações de Éfeso! A fachada ainda está de pé, e é uma das coisas mais lindas do mundo! E de frente para a biblioteca aproveitamos para tirar uma linda foto em grupo com o pessoal do tour! Era na mesma praça também que ficava o bordel da cidade... em uma das outras ruas que chegam lá há até mesmo um anúncio gravado na pedra do calçamento louvando a beleza das suas mulheres... provavelmente o anúncio mais antigo do mundo da profissão mais antiga do mundo (mas infelizmente essa rua estava em restauração e não pudemos ver ao vivo).
A praça com a biblioteca de Celso ao fundo!
Atravessando mais um arco, chegamos numa grande área aberta, onde há mais uma avenida, dessa vez sem prédios visíveis, além do teatro... esse sim é a maior atração da cidade museu! Com espaço para 25 mil espectadores, o teatro é simplesmente gigantesco! Ele é tão grande que é preciso ficar numa boa distância para poder enquadrá-lo numa foto!

O arco que dá para o anfiteatro
A vista do alto da arquibancada do teatro
O tamanho do monstro!
Agora como foi a minha segunda visita a Éfeso, uma das minhas maiores diversões durante a visita (além de me deslumbrar novamente com o lugar e me divertir com os gatinhos que habitam as ruínas) foi ver a cara do Caike! O assombro dele era lindo de ver!

Mas ainda bem que fizemos essa visita de manhã cedo, pois as ruínas de Éfeso ficam lotadas depois de certa hora da manhã, além do calor tornar a visita infernal depois das 10h, pois não há sombra! E como as pedras são todas brancas (incluindo o piso original), o calor todo reflete em cima da gente... a garrafinha de água se mostra essencial! Ainda mais porque não há fontes nem lojinhas no museu a céu aberto.

Mas na lojinha do lado de fora do museu eu me senti na Grécia! Um monte de estátuas gregas lindas... aproveitei para aumentar a minha coleção, é claro.

Saindo de Éfeso, fizemos uma parada numa loja de um dos produtos mais tradicionais da região: o couro. E não é um couro qualquer! Sabe aquelas marcas de alta costura das mais caras que você puder imaginar? Pois bem, elas todas fazem as suas peças de couro nessa região da Turquia, pois é nesse local que se produz um dos couros mais finos leves e resistentes do mundo! Coisa chique mesmo. Só que indo direto na fábrica as coisas saem bem mais baratas. Mas isso é só em comparação com os preços praticados na Europa e nos EUA, porque nada ali é realmente barato não.

A visita foi extremamente divertida, pois fomos recebidos com um DESFILE de moda, com direito a bloquinho para você marcar o número das peças que você gostou para ver melhor na loja depois. O desfile foi bem bonitinho, com direito a coreografia marcada com a trilha sonora e tudo, além da participação especial de turistas escolhidos na hora. Turista para se divertir mesmo precisa saber pagar mico com um sorriso no rosto :-)

Pelo menos a visita foi bem tranqüila, pois eles só recebem um ônibus de turismo por vez...

Pois se Éfeso estava cheio, nada me preparava para a atração seguinte: a casa da virgem Maria. A visita em si é bem chatinha, pois não há nada para ver a não ser uma casa construída em cima do suposto local onde a virgem passou os seus últimos anos, que tem uma capelazinha (a história de como se “descobriu” a localização dessa casa pode ser encontrada na história de AnnaCatarina Emmerich). Tem também uma fonte de água que dizem ser benta (a lojinha do local até vende essa água engarrafada em potinhos fofinhos de diversos tamanhos – nós inclusive compramos um para a mãe do Caike, mas trocamos a água pela água da fonte só para garantir) e uma parede imensa onde as pessoas prendem pedaços de papel com pedidos para a virgem. Para se ter uma idéia da falta do que fazer, o que o Caike mais gostou da visita foi uma cisterna do século I.
A cisterna do século I
Apesar da visita ser sem graça para não-católicos, os cristãos pareceram gostar muito, havia inclusive um grupo acompanhado de um padre que estava fazendo uma missa ao ar livre. Além disso, no local há um restaurante bem legalzinho, com uma comida honesta. E como não tínhamos muito que fazer, aproveitamos para almoçar com calma, o que foi bom.

Nosso almoço na Casa da Virgem
Saindo da Casa da Virgem, fomos para Pamukkale, que também é conhecida como o Castelo de Algodão. Lembra do Hospital de Pérgamo? Os doentes rejeitados pelo hospital peregrinavam para esse local, que é uma grande estrutura gerada por erupções vulcânicas e por fontes termais ricas em cálcio. O nome é auto-explicativo quando se vê o lugar...

O Castelo de Algodão
Com suas rochas extremamente brancas e piscinas naturais que se seguem em cascata, a montanha parece mesmo feita de algodão. Segundo a guia toda a estrutura é natural, mas um engenheiro do grupo duvidou muito disso! Natural ou não, a vista é deslumbrante! E a água das piscinas é uma delícia de quentinha!

Aproveitando a água quentinha...
Agora, Pamukkale é mais uma prova de que a Turquia e o Brasil são muito parecidos, pois no momento a atração está passando por uma revitalização delicadíssima, porque há alguns anos suas fontes e piscinas ameaçaram a secar completamente! Sabe por quê? Porque construíram alguns resorts nessa região que resolveram desviar as nascentes naturais que abasteciam o Castelo de Algodão para usar nas suas piscinas particulares. Triste, né? Quando se descobriu a razão pela qual Pamukkale estava secando foi uma comoção nacional! E os resorts foram devidamente demolidos. Porém o estrago já estava feito, e agora geólogos e engenheiros estão tentando reverter o processo, o que inclui o fechamento de metade das piscinas ao público.

Mas demos sorte, pois pegamos a maioria das piscinas abertas ao público cheias (o que não acontecia desde o ano passado segundo a nossa guia). E pudemos desfrutar das águas termais misturadas com o pó de cálcio, que geram uma espécie de laminha que é muito gostosa de passar na pele (e dizem que ainda faz bem). As primeiras piscinas foram mais difíceis de visitar, pois o chão é cheio de pedrinhas e dói andar descalço (não pode entrar de sapatos, nem chinelo), porém as piscinas seguintes são bem mais fáceis de visitar, pois o chão vão ficando cada vez mais “amigável” conforme se desce a estrutura.

A laminha...
Além disso, em Pamukkale tem as ruínas de outra cidade grega importante: Hierápolis. Não chegamos a visitar as ruínas com calma, apenas passamos por elas para chegar ao Castelo de Algodão, vimos o anfiteatro de longe, mas demos um pulinho da Antique Pool, que é uma piscina pública, onde se paga entre 20 e 30 liras turcas (entre 20 e 30 reais) para entrar na água. O legal dessa piscina é que ela foi construída em cima das ruínas, então você pode simplesmente nadar entre as colunas gregas... não é o máximo?

As colunas dentro da Antique Pool...
O teatro de Hierápolis ao fundo
Outra coisa interessante sobre Hierápolis é que é nessa cidade que se encontra a maior necrópole do mundo antigo! O que é bastante óbvio, dado que todos os doentes terminais iam para lá em busca de um milagre nas fontes termais.

Depois de visitar a Antique Pool, saímos correndo para tentar chegar a tempo no ônibus (não queríamos ser os últimos a chegar de novo), e nos perdemos. Acabamos por pegar um caminho muito maior do que o previsto, mas ainda assim não fomos os últimos, ufa!

Fomos então para o nosso hotel do dia, um hotel com uma estrutura bastante simples (parecia um hotel fazenda brasileiro), mas com um mini parque aquático com piscinas termais que jamais se encontraria por aqui. As piscinas termais na verdade era uma sucessão de piscinas ligadas a uma piscina do tamanho de uma jacuzzi, essa sim alimentada pela fonte termal, e conforme se distanciava da fonte mais fresca ficava a água. Uma delícia no final de um dia estafante e tão cheio de visitas. Mas como em toda piscina termal, só pudemos ficar no máximo 20 minutos, pois senão o corpo começa a reclamar do excesso de calor.

Além da piscina, aproveitamos para experimentar um novo conceito de limpeza de pele: o doctor fish! São peixes bem pequenos que se alimentam de pele morta, eles são colocados num aquário onde você põe os seus pés e deixa-os fazer um trabalho melhor do que qualquer pedólogo. A sensação é muito engraçada, pois no início você sente muita cosquinha com os peixes te mordiscando, mas depois de um tempo nos acostumamos e a sensação passa a ser gostosa. E como ficamos de papo com a moça responsável pelos peixes, ainda ganhamos uns minutinhos extras de presente pela nossa lua de mel. Se alguém souber de um lugar no Rio de Janeiro onde tem esse peixe (por um preço razoável!) me avise! Nunca vi o meu pé tão bonito...

Doctor Fish em ação!
Depois de toda a bagunça, voltamos para as águas, mas dessa vez para tomar banho! E novamente nos divertimos, pois no banheiro havia uma plaquinha com as políticas do hotel com relação ao uso da água e das toalhas... só que o inglês não fazia o menor sentido! O Caike riu até não agüentar mais! Só paramos de rir quando vimos o preço do frigobar, acho que era o mais caro de toda a viagem!

A plaquinha em "ingrish"
Para fechar o dia com chave de ouro, o jantar foi servido ao ar livre, com direito a violão ao vivo! Uma delícia! Um dos pontos altos do jantar foi um tipo de panqueca grossinha (parecia quase um pão) recheada de queijo e ervas... uma delícia! E aproveitamos para levar uma garrafa de 2 litros de água para o quarto, pois ela saía mais barata do que as garrafinhas de 500ml do frigobar.

O ambiente estava tão agradável que nos deixamos ficar até sermos expulsos pelos garçons e a comida ser toda retirada do Buffet. Por conta disso, fomos dormir muito mais tarde do que prevíamos, e o dia seguinte prometia ser muito cansativo, pois passaríamos a maior parte do dia no ônibus em direção à Konya...

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Kisses from Kairo - O público do Cairo



Sábado, 31 de março de 2012

Por Luna do Cairo
Traduzido por Lalitha    

Uma das vantagens de ser uma bailarina contratada no Cairo é que você pode se apresentar bem regularmente. Algumas de nós trabalham várias vezes na semana. Outras, várias vezes por dia, dependendo do local, da popularidade da bailarina, e, hoje em dia, se há movimento o suficiente. E o que poderia ser melhor do que isso? Fazer o que você ama todo santo dia. Parece a situação ideal de trabalho. E é. Exceto que eu não estava tão certa disso quando eu fui contratada. E essa é a razão:

Toda vez que a arte se torna um emprego, você corre o risco de perder a sua paixão. Isso porque o “emprego” inclui obrigações, rotinas, e dinheiro, e há alguma coisa na arte que é contrária a tudo isso. Arte é um presente de Deus (ou do universo ou do que quer que você queira chamar). Não é algo que podemos nos forçar a fazer a qualquer momento. E é por isso que ouvimos tantas vezes a palavra “inspiração” associada à arte. O artista busca e espera pela inspiração. E quando ela vem, o artista se torna apaixonado e produz o seu melhor trabalho. E como a inspiração não pode ser forçada nem apressada, parece ridículo fazer da arte nosso emprego, da mesma forma que faríamos da medicina, do direito ou lavar roupa. Mesmo assim, de alguma forma, depois de um ano me apresentando toda noite, eu não perdi nem um grama da paixão pela dança. Ao contrário, o que eu notei é que a minha paixão pela dança aumentou, e é altamente dependente do entusiasmo do público.

O público é realmente muito importante na dança oriental. E isso porque a dinâmica bailarina-público é muito mais íntima do que em outras danças. Ela é também mais interativa. Diferente do ballet e de outras danças de palco, nós realmente vemos o nosso público e fazemos contato visual com ele. Nós sabemos quem está feliz, quem está interessado, quem se emocionou, quem está de saco cheio, quem está inseguro, quem está sem graça, quem está imaginando coisas inapropriadas, quem está nos julgando, etc. Nós podemos puxá-los dos seus lugares e fazê-los dançar, podemos tirar fotos, e até brincar com eles. E tudo isso afeta o nosso humor, e tem impacto na nossa apresentação. Dançar para um público que já está aplaudindo antes mesmo de você entrar no palco faz a apresentação ficar melhor do que entrar num ambiente cheio de turistas sonolentos e religiosos de cara amarrada.

Provavelmente eu já me apresentei para todo o tipo de público imaginável. Egípcios, árabes, turistas, colegas bailarinas, amigos, inimigos, ricos, pobres, religiosos, não religiosos, políticos, celebridades, Irmandade Muçulmana, somente mulheres (e uma vez, somente homens), educados, apreciativos, rudes, agressivos, engraçados, loucos, sonolentos, pessoas de visão limitada e arrogantes, nojentos. Eu já tive (não)platéia religiosa saindo antes e durante o meu show, e turistas cansados e com fuso-horário trocado literalmente dormindo durante toda a apresentação. Eu também já tive públicos aplaudindo, fazendo zagharouta (N.T.: o famoso lilililililiiiii) e gritando de alegria. E públicos lançando flores em mim, me beijando, e me cobrindo de elogios enquanto eu estava no palco! :) Apesar de eu (obviamente) preferir alguns públicos a outros, cada um me ensinou alguma coisa sobre mim mesma, sobre a natureza humana, e mais do que tudo, sobre a dança.

Sem dúvida, a coisa mais importante que eu aprendi é que a dança do ventre é uma dança social (e eu sou uma pessoa “social”, por mais que eu pensei que não sou). É uma dança que acontece em ocasiões festivas como casamentos, hinnas (despedidas de solteira), festas de aniversário, subuas (uma espécie de batizado), etc. Eu já “sabia” disso desde que era iniciante, lá em Nova Iorque. Mas eu sabia disso num nível intelectual, abstrato. Agora, eu sinto esse conhecimento diariamente. E eu sinto de uma forma diferente também. Como o público e a bailarina são, enquanto durar o show, as suas respectivas “sociedades”, eles se alimentam da energia um do outro. Dito isso, eu pensei que seria interessante mapear os tipos de público que já encontrei, os seus requisitos, e explicar como cada um afeta o meu humor e a minha dança de forma diferente.

Vou começar pelo público egípcio. O público egípcio é sem sombra de dúvida o melhor para dança do ventre. Ninguém gosta mais e entende melhor a música e a dança egípcias do que os egípcios. Na maioria das vezes, os egípcios ficam ansiosos para ver a bailarina e dançar com ela. Eles aplaudem antes, durante e depois do show. Homens e mulheres se convidam para dançar com ela. Alguns nem pensam duas vezes sobre o assunto. Outros, especialmente mulheres de véu, sabem que “não deveriam”, mas não conseguem resistir. Eu adoro vê-los se soltando na pista de dança. E eu adoro ver a reação de outras pessoas da platéia, especialmente dos turistas que acham que mulheres de véu não dançam. :)

Eu faço minhas melhores apresentações para públicos egípcios. Ou pelo menos acho que faço. Eu sei que eles entendem o que estou fazendo, então me sinto livre para apenas dançar. Eu fico livre para me emocionar, e para ser eu mesma. Não preciso me preocupar se estou fazendo muito pouco, do jeito como me preocupo quando danço para públicos estrangeiros. Se me preocupo com alguma coisa, é se estou fazendo demais. A dança do ventre egípcia é mais sutil e relaxada do que as versões mais acrobáticas que vemos no Ocidente. É sobre sentimento e emoção. Egípcios não precisam ver você se contorcer toda, ficar de ponta cabeça, ou fazer todos os movimentos que você já aprendeu o mais rápido possível, só porque você consegue. Eles precisam saber que você entende a música, que sabe o que está fazendo e, o mais importante, que você está se divertindo. Eles também querem ver uma mulher bonita na frente deles, mas essa é outra história.

Entretanto, a coisa que mais gosto do público egípcio é o fato de que eles estão interessados. Eles usualmente te dão algum tipo de feedback, e, se necessário, críticas construtivas. Eles te dizem se gostaram ou não da sua apresentação, da sua roupa, do seu cabelo. Eles te dizem se você precisa ir mais devagar, se acalmar, ou marcar algum detalhe. Eles te dizem se você precisa ganhar ou perder peso, e que você não deveria usar aquela cor. E se eles realmente gostarem de você, eles vão te comparar a bailarinas egípcias lendárias e te contratar para dançar no casamento dos seus filhos. :) Em resumo, os egípcios querem te ver como a melhor bailarina que você pode ser. E isso é algo que eu aprecio muito, assim como críticas construtivas estão em falta na nossa comunidade de dança. As bailarinas enaltecem as suas amigas e descascam as inimigas sem realmente pensar na qualidade do seu trabalho, então é bom ouvir um retorno objetivo de observadores desinteressados que não tem um machado para afiar.

Por mais que eu ame dançar para os egípcios, eu estaria mentindo se dissesse que eles são todos tão entusiásticos como acabei de descrever. Tem alguns que simplesmente não gostam nem de música nem de dança. E tem alguns que gostam, mas não se sentem a vontade de demonstrar isso em público. Eu vejo muito disso com os que eu chamo de “nouveau riche” egípcios – a nova classe egípcia com dinheiro e profissões de verdade, carros bacanas, roupas ocidentais e jeito pretensioso. São pessoas que se acham importantes que ficam com vergonha de tudo o que é egípcio, especialmente dança do ventre (como se no Ocidente não tivéssemos garotas seminuas que dançam por dinheiro). Esses são os egípcios que fingem que não estão te assistindo dançar, e que fingem que não querem levantar para dançar com você.

E também tem a turma religiosa. Com exceção de um grupo da Irmandade Muçulmana que encontrei há um mês, praticamente todo o público religioso sai do recinto quando eu danço, ou então eles ficam sentados de cara amarrada durante o show inteiro. Na verdade, esse é o pior público para se apresentar. Como se dançar publicamente com uma roupa reduzida não precisasse de coragem o bastante, essas pessoas fazem eu me sentir como uma puta pecadora de baixo nível.

Toda vez que danço para um grupo desse tipo, acabo me pegando sendo toda psicanalítica (E como não seria assim? Eles invadem o meu espaço mental). Eu imagino todas as coisas que eles estão pensando sobre mim. Como eu provavelmente irei para o inferno porque sou bailarina. Eu começo a pensar sobre religião e política – não os assuntos que quer pensar num palco. Então eu começo a travar. Meus movimentos se tornam menores e menos energéticos. Meu sorriso diminui. Eu evito fazer contato visual com todo o mundo, até mesmo as mulheres. Em resumo, eu recuo. Eu simplesmente não me sinto a vontade sendo julgada desse jeito enquanto tento fazer um espetáculo. É desnecessário dizer, esses tipos de pessoa são públicos horríveis. Mas para a minha sorte, a maioria dos egípcios para os quais eu danço não é assim. Eles ficam felizes de me ver dançar, e eles chegam até mesmo a tirar fotos comigo antes que eu suma no camarim.

Apesar de fazer meus shows “sob medida” para o público, minha única constante é não fazer contato visual com os homens egípcios entre os expectadores. Nunca. A não ser que eles não estejam acompanhados de mulheres. As mulheres costumam ficar um pouco irritadas com bailarinas que olham diretamente para os seus homens, especialmente no dia do seu casamento. Então eu não o faço. Em respeito a elas. Faz com que elas se sintam mais confortáveis, e as assegura que eu não sou uma vagabunda-maníaca atrás dos seus homens.

Públicos estrangeiros são um pouco diferentes. Para alguns, assistir uma bailarina de dança do ventre é o ponto alto da sua viagem ao Egito. É fácil ver quem são eles, simplesmente pela forma como os olhos deles brilham quando você entra no palco. Eles começam a sorrir e a bater palmas, e não conseguem tirar os olhos de você. Esse tipo de turista me faz amar o meu trabalho. Eles querem me assistir, e eu quero dar a eles um bom show. Funciona muito bem.

Existem outros, por outro lado, que tornam o meu trabalho mais difícil. De vez em quando, eu acabo por dançar para um grupo de turistas cansados, com jet lag, que estão literalmente dormindo nas cadeiras antes mesmo de eu entrar em cena. Nada nesse mundo consegue acordá-los. Nem a minha banda, nem eu. Eu poderia estar de ponta cabeça e fazer 11 giros seguidos que eles ainda assim não iriam acordar. Dançar para esse tipo de público é mais do que frustrante, mas novamente, não posso realmente culpá-los. Eu sei o que é apertar todo o Egito numa viagem de 1 semana. Entre o jet lag, a exaustão, e a intoxicação alimentar, você fica com vontade de se matar. Mesmo assim, quando estou no palco em frente a um monte de turistas sonolentos, percebo que eu fico com raiva, e não com pena deles. Eu perco interesse no que estou fazendo, e mal consigo esperar a hora de sair do palco e fazer algo mais construtivo.

Depois dos egípcios, o público que eu mais gosto é a de colegas bailarinas de dança do ventre. Desde que comecei a me apresentar no Nile Memphis há um ano, eu dancei para bailarinas do mundo inteiro. Como bailarinas, elas entendem o que estou fazendo e sabem ser um bom público. Elas também são as mais críticas. Mas a energia é sempre forte e positiva. E elas sempre se juntam a mim na pista de dança, o que é muito divertido. :)

A grande diversidade de públicos aqui no Cairo é fantástica. E apesar de eu não gostar igualmente de dançar para todo o mundo, eu aprendi alguma coisa com cada show – como, por exemplo, o que funciona com estrangeiros, o que funciona com os egípcios, etc. A melhor parte disso tudo, entretanto, é que você nunca sabe como é o público antes de entrar no palco. É sempre um elemento surpresa. Meio que me lembra da “caixa de chocolates” de Forrest Gump. Você nunca sabe o que vai encontrar. :)

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Show no próximo domingo!


Tenho orgulho em anunciar que vou participar dessa linda festa da Nadja El Balady no próximo domingo! Dançarei junto com as BellyCats, um grupo novo formado por bailarinas envolvidas na causa animal!

O ingresso para o evento custa 25 reais antecipado e 40 reais no dia. Para compra de ingressos é só entrar em contato comigo: lalitha.bellydance@gmail.com

Vejo vocês lá!

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Resenha de DVD - Suhaila Salimpour - Bellydance Fitness Fusion YOGA



Continuando a série de posts sobre DVDs interessantes para se ter em casa, vamos finalmente terminar a série de DVDs da Suhaila Salimpour sobre fusões de dança do ventre. O quarto DVD dessa série é o de fusão com Yoga.

Caixa com a coleção completa


Capa do DVD
E a contra-capa

Esse quarto DVD é bem diferente dos outros 3. Não chega a ser tão pesado quanto o de glúteos e pilates, mas certamente deixa você suada e com uma leve dor muscular. E, novamente, não é para iniciantes, pois ela não explica como fazer os movimentos mais complexos e inclui exercícios de camadas (quando você faz mais de um movimento ao mesmo tempo). Mas ainda é um dvd de fusão com yoga, então não há nada muito rápido, só que também não há pausas e os movimentos exigem alguma força o tempo todo.

O aquecimento começa mais devagar, com um exercício de respiração (é fusão com yoga, lembra?) bem diferente, e com um alongamento suave. Como numa série de asanas (posturas de yoga), os exercícios começam de pé, primeiro com as pernas unidas, depois separadas, numa série de alongamentos que exigem um pouquinho mais de força, mas que ajudam no alongamento e abertura do quadril. Depois os exercícios passam para o chão, com leves exercícios para as costas.

Aí os exercícios de verdade começam, pegando pesado nas ondulações (a primeira posição definitivamente exige mais dos braços e das costas), numa série sem intervalos que dura muuuuuito tempo, acho que a ideia só pode ser deixar o abdômen e as costas doloridos do esforço contínuo.

Morreu? Ela está só começando, pois depois vem aquela série de contrações dos glúteos que todos ficam nervosos ao assistir. Só que dessa vez é pior, porque tem ondulação junto (as tais camadas) :-O já mencionei que não é para iniciantes?

Depois ela finalmente se levanta para fazer oitos com o pé todo no chão, só para cansar mais, e depois com outras variações também. A ideia é trabalhar ainda mais o abdômen, que já estava destruído das ondulações, numa série longa com todos os 8s possíveis.

O alongamento final é mais pesado do que o inicial, o que é bom depois de todo esse esforço. Mas eu não o considero longo o suficiente, certamente acrescentaria mais (fica como sugestão).

Para finalizar, assim como os demais DVDs, tem uma apresentação, dessa vez da própria Suhaila. Pessoalmente não curto muito o estilo dela, mas a roupa é linda :-) e ela é muito expressiva. E novamente é seguida de um discurso meio auto-ajuda sobre ser mulher, que é até legalzinho, e uma dança em círculo.

Nos extras, assim como nos outros DVDs, tem uma sessão de exercícios de uns 10 minutos, dessa vez juntando oitos com ondulações (mais camadas!), vou repetir: não é um dvd para iniciantes. Novamente é uma aluna da Suhaila que apresenta essa parte, o que eu acho muito bacana. Tem também uma apresentação extra, da filhota da Suhaila! Como ela é fofa!!! Ou era... hoje já é adolescente... quando esse dvd foi feito ela aparentava ter 5 ou 6 anos. E por fim, mais uma dança em círculo (a Suhaila parece amar isso, tem sempre nos finais dos DVD e ainda tem sessão extra! Eu acho divertido de participar, mas ficar só olhando é chato, nunca consigo assistir até o final).

Enfim, é um DVD para melhorar a sua técnica de dança do ventre e treinar movimentos sinuosos. Não é tão bom quanto os outros de malhação, mas vale a pena gastar um tempinho com ele.

Para vocês terem uma ideia, segue um vídeo promocional do DVD:


E bom treino!!!

Outros DVDs da Suhaila:

JAZZ Fusion
BUNS Fusion
PILATES Fusion

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Kisses from Kairo - Sobre ser egípcia



Quarta-feira, 14 de março de 2012

Por Luna do Cairo
Traduzido por Lalitha    

Eu não sou egípcia e não finjo ser, mas eu estaria mentindo se eu dissesse que eu não adotei alguns hábitos egípcios. Ser egípcia é contagioso. :) Particularmente se você vive por aqui há algum tempo e fala a língua bem fluentemente. Isso é normal, imagino. Mas é interessante se levarmos em consideração que eu cresci num país onde o comum é que os estrangeiros se prendam às suas culturas e resistam à assimilação. Então quando me vejo de fora, e observo a forma como os meus pensamentos, maneirismos e até mesmo o jeito de falar mudaram, eu não consigo deixar de rir do quanto eu assimilei sem querer da cultura egípcia.

Por exemplo. Eu peguei o hábito muito egípcio de ficar encarando mulheres bonitas. :) Agora, eu não me viro toda pra isso, e definitivamente eu não as assedio. Mas, como a maioria dos homens e das mulheres egípcios, não posso deixar de me maravilhar com pessoas bonitas. O que é bem hipócrita, dado que eu odeio quando as pessoas me encaram. Mesmo que seja porque elas me achem bonitinha. Eu acho que encarar é rude, e é uma invasão do espaço pessoal. Além disso, eu aprendi a não fazer isso no jardim de infância. :)

Mas aqui na terra de Oz, a gente aprende não apenas a apreciar a beleza, mas a expressar essa apreciação. Não encarar apenas como verdadeira ou fingir que ela não existe evitando olhar nos olhos das pessoas (mesmo que religiosamente falando, isso é que supostamente deve acontecer). Não me entenda mal. Isso não é uma defesa ao assédio por homens nem por mulheres, e eu repito, eu detesto quando as pessoas me olham de cima a baixo, mas acho que há algo realmente humano em reconhecer a beleza. Em qualquer caso, pode ser um alívio da cultura do “reflexo de elevador” de onde viemos. (N.T.: aqui Luna se refere à mania de entrar no elevador e ficar olhando para os números dos andares para evitar o contato visual com outras pessoas)

Encarar e ser encarada se tornou de tal forma uma parte da minha vida diária que eu me sinto como um peixe fora d’água quando saio do país. Fora do Egito, ninguém olha para mim, e eu não olho para ninguém. Não importa quão “sexy” qualquer um de nós esteja. É uma sensação de alívio (e uma que eu preciso sentir de vez em quando), mas então tem aquela parte de mim que fica se perguntando se estou particularmente desleixada. Quer dizer, porque de que outra forma ninguém estaria me notando? :P

Meu padrão de beleza também ficou mais egípcio. Eu não vou entrar em detalhes sobre o conceito geral de beleza feminina dos egípcios. Basta dizer que é muito mais curvilíneo e bem menos muscular do que o padrão normal de beleza ocidental. E muito mais emperiquitada! :)

Eu notei pela primeira vez o quão egípcio o meu olhar havia se tornado enquanto observava outras bailarinas de dança do ventre. Aquelas que eu gostava mais não eram aquelas com a melhor técnica, mais “sentimento” ou com a roupa mais bonita. Eram as bailarinas que eu achava mais bonitas. Como eu mesma sou bailarina, sei o quão errado e injusto é avaliar uma artista baseado somente no seu visual. E eu nem sempre fui assim. Mas acho que o fato de eu estar constantemente escutando os egípcios aprovarem ou não as bailarinas baseados no visual delas me influenciou. Agora, toda vez que preciso que uma bailarina me substitua, eu penso automaticamente em mandar a bailarina mais bonita que conheço. Certo ou errado, é a forma como o meu cérebro está atualmente programado. Além disso, isso impede que agentes e gerentes reclamem que a substituta que enviei era “mish helwa” – não bonita.

Não são apenas os meus olhos que vêem de forma egípcia. Meu cérebro também pensa em egípcio. Semana passada, num casamento, meus olhos caíram sobre uma mulher que estava vestida de forma bem escandalosa. Enquanto todas as outras mulheres usavam véu, ela estava num vestido de coquetel super curto com tiras finas e um decote profundo, salto 10, e (deus me livre!) sem meia-calça. E ela se convidou para dançar comigo na pista de dança. Lá estava eu, balançando de um lado para o outro, semi-nua, e tudo o que eu conseguia pensar enquanto olhava para ela era “sharmoota”. “Vadia” em árabe.

Opa. Desde quando eu me tornei tão crítica? Sobre roupas femininas ainda por cima?

A mesma coisa acontece quando eu vejo um homem e uma mulher de mãos dadas em público. Minhas recém descobertas “sensibilidades morais” ficam chocadas, e eu imediatamente empaco. Como eles ousam, esses infames!?! :)  Eu até começo a me perguntar se eles são casados ou não. Não que isso seja da minha conta, ou que eu nunca tenha andado de mãos dadas em público. Mas até mesmo as exposições públicas de afeto mais inocentes são tabu aqui, comparado com outras partes do mundo.

Por sorte, não mudei tanto assim de forma que eu não consiga reconhecer o atraso formando raízes em mim. E sou capaz de rapidamente acordar – e voltar para a realidade. Minha realidade. De acordo com a qual a mulher usando o vestido curto está da forma como eu quero me vestir, e na qual mais casais deveriam ser livres para expressar publicamente o seu amor (dentro de limites razoáveis, é claro! :D). Eu tenho – bem, eu achava que tinha – uma firme crença na liberdade pessoal. Ainda assim a minha reação para esse tipo de coisa é a mesma da maioria dos egípcios. Interessante como isso funciona.

Reconhecidamente, a linguagem tem um papel importante no processo de assimilação cultural. Diferentemente de outros estrangeiros que passaram anos em bolhas de expatriados, eu fiz um esforço para me tornar fluente em árabe egípcio (N.T.: o árabe existe na sua forma clássica, que é a do Corão, e ele é ensinado assim nas escolas em todo o mundo árabe, porém variações ou dialetos desse árabe são falados em cada país). Se não fosse esse o caso, eu provavelmente estaria muito menos integrada do que estou. Isso porque o árabe é uma daquelas línguas que está intimamente ligada com a sua cultura. É, portanto, quase impossível não se tornar egípcia em algum nível se você fala árabe bem, e, de modo contrário, impossível ser egípcia se você não falar. Não que “ser egípcia” tenha sido em algum momento o meu objetivo – eu só acho estúpido, arrogante, e potencialmente arriscado viver num país estrangeiro sem ser capaz de se comunicar efetivamente com as pessoas, muitas das quais falam pouco ou nada de inglês. Então eu aprendi a língua.

Ser capaz de falar com todo o mundo tem geralmente funcionado para a minha vantagem (apesar de ter momentos em que eu gostaria de não entender nenhuma palavra!). Mas vendo o quanto da mentalidade eu pareço ter absorvido, isso levanta aquela bem conhecida questão de que se é a língua que influencia o pensamento, ou se é o inverso. Pessoalmente eu acho que é um pouco dos dois, apesar de provavelmente haver mais evidências para provar a primeira opção.

Sobre o assunto linguagem, vale notar que o árabe egípcio usa diversas palavras do inglês (e do francês, e do turco e do farsi). Especialmente as palavras ligadas à tecnologia e moda. Como “Ploetoes” (Bluetooth) e “bloovr” (Pull Over). :D . O que é engraçado é que muitos egípcios acham que essas são palavras árabes, e as pronunciam do jeito egípcio. O que é ainda mais engraçado é como eu agora consigo, sem esforço, pronunciar essas palavras do mesmo jeito no meio de uma conversa em árabe. Na verdade, às vezes eu esqueço que “Ploetoes”, “Micdoonaalds”, “combooterr”, “bresteej” (prestígio), “boolees” (polícia), “billydoncer” (belly dancer), “uncle” (tornozelo) e “rimoot” (controle remoto) são de origem inglesa. :) Eu amo isso. É uma das coisas que aumenta o charme egípcio. E, mostra que mistureba de globalização esse mundo virou.

Entretanto, minha palavra absolutamente favorita na língua árabe não é nenhum desses empréstimos da língua inglesa. É “insha’allah”. Se deus quiser. Ela é, na minha opinião, a mais perfeita palavra dentre todas as línguas. Insha’allah significa que as coisas podem e vão acontecer só se Deus (ou o universo ou o destino ou seja lá como você queira chamar) quiser que aconteça. Eu gosto disso. Serve como uma lembrança da inerente fragilidade da condição humana – coisa que nós, humanos, temos tendência a esquecer de vez em quando. Apesar disso significar que nem sempre nós vamos alcançar nossos objetivos, isso também significa que nós não somos inteiramente responsáveis pelos nosso fracassos. Se nós não nos tornamos milionários ou super estrelas, não é porque somos fracassados. É porque Deus não quis isso para nós. E se nós não aparecermos para o compromisso que marcamos, não é porque somos preguiçosos ou dormimos até tarde. É porque, bem, Deus também não quis isso. :)

Agora você entende porque eu amo essa palavra? Ela tem uma grande capacidade de te fazer fugir de um problema. :P

No Egito, onde o ritmo da vida é suave, a ética no trabalho é relaxada, e circunstâncias imprevistas acontecem num ritmo diário, as pessoas pontuam cada declaração de intenção com insha’allah. “Vou te encontrar amanhã às 9h, insha’allah”. “Eu vou ter o trabalho pronto para você amanhã, insha’allah”. Quando as coisas não acontecem, tecnicamente não é culpa de ninguém. Deus simplesmente não quis. Insha’allah é, portanto, uma forma maravilhosa de se desfazer da responsabilidade pelo não cumprimento de alguma coisa, e uma palavra que você sempre vai ouvir saindo da boca dos preguiçosos. :)

Como a minha noção de tempo se tornou bem egípcia, insha’allah funciona muito bem para mim. Aqui, 3h significa 3:30h, 5h, amanhã, ou nunca. Eu sempre tive problemas com pontualidade e manter meus compromissos, mas isso ficou muito pior desde que me mudei para o Egito. Muito disso tem a ver com o fato de que eu durmo muito tarde, assim como os egípcios que não trabalham das 9 às 5. E como eu raramente acordo de manhã, acabo conduzindo todo o meu negócio à noite quando termino de dançar, seja lá que horas for isso. Ou então bukra. No dia seguinte. Minha segunda palavra favorita na língua árabe. E quando o bukra não chega nunca, eu sempre posso jogar a carta do isha’allah. :)

Outra frase interessante em árabe, que me impactou um pouco é “wakhid 3ayn” (wakhda 3ayn para mulheres). Tipo, assim como alguém pode pegar uma gripe, alguém pode pegar “olho”. E eu não estou falando de conjuntivite. Estou falando do Olho Gordo. Você sabe, aquele que faz você adoecer, se machucar, ou ser assaltado, etc? Se você está se perguntando sobre a relação entre os olhos e as doenças, a idéia é que os olhos são a origem do ciúme e da inveja. Os olhos vêem os outros que podem ser mais ricos, mais inteligentes, mais bonitos, mais bem sucedidos, e, portanto, pode levar a pessoa que vê a mandar energias destrutivas. Os egípcios usam a frase “wakhid 3ayn” toda vez que alguma coisa ruim acontece com eles. Por exemplo, aquela tosse tipo peste bubônica que aquele cantor arranjou? Não tem nada a ver com o fato dele beber do copo dos outros e pode ter pegado algum germe. É porque outro cantor ficou com inveja e mandou para ele energias negativas. O jogador de futebol que quebrou a perna? Isso também foi resultado de um colega invejoso. Não importa aquela jogada violenta em que ele se envolveu.

Eu lembro claramente da primeira vez que eu “peguei o olho”, ou pelo menos pensei que sim. Foi durante um período de 2 semanas no último inverno, antes de eu ser contratada para dançar no Cairo. Eu estava fazendo uma série de apresentações em alguns resorts ao longo do Mar Vermelho, quando eu me envolvi em 2 acidentes de carro assustadores. Graças a deus, nem o motorista nem eu nos machucamos, mas nas duas vezes, o carro virou 3 vezes e nós ficamos com o coração na boca. Mesmo motorista, mesma estrada, mesmo dia da semana, mesmo horário, mesmo destino, mesma estupidez. Apesar de ambas as vezes a causa do acidente ser óbvia (e podia ser evitada), a única razão que eu e o motorista podíamos pensar na hora era que um de nós dois tinha “pego o olho”. Desde então, toda vez que eu pego um resfriado, ou então as coisas não acontecem como eu gostaria, eu tento descobrir quem está me odiando antes mesmo de tentar achar uma explicação lógica. :)

E desde que, supostamente, esse é um blog de dança do ventre, acho que eu devia mencionar como tudo isso se relaciona com a minha dança. Sem dúvida, a minha dança se tornou mais egípcia desde que me mudei para cá, como qualquer um esperaria. Isso é o que acontece quando se vive no Cairo, e no meu caso, praticamente se aprende a dançar aqui. O que realmente me impressiona, entretanto, é quão egípcio se tornou a minha forma de ver a dança. Enquanto eu costumava ser uma viciada em coreografia, eu hoje improviso o tempo todo. Que é o que a maioria das egípcias faz. Para elas, dança do ventre é algo que simplesmente acontece. Elas não “a” fazem, se é que você me entende. Logo, coreografia é um conceito meio alienígena para elas. No meu caso, estar no palco com a minha banda toda noite é a razão pela qual eu parei de coreografar e imitar as seqüencias das outras. Não tenho mais tempo, necessidade, ou vontade de mapear cada pequeno dum e tak como eu costumava fazer. É muito trabalho. Era OK quando eu dançava uma vez por semana com um CD. Eu tinha muito mais tempo livre e bem menos experiência naquela época. E eu era muito mais tranqüila! Hoje, eu improviso até em filmagens na TV, apesar de admitir que coreografia serviria muito melhor a esse propósito!

Apesar de ficar fascinada com todas as formas que a minha vida se tornou mais egípcia, ainda tem algumas coisas que mantenho da minha cultura nativa. Como querer saber o quanto custa alguma coisa antes de comprar. Como dizer o que penso e querer dizer o que eu digo. Como não jogar fora o lixo pela janela do carro. Ou no Nilo. Sem dúvida, eu adoro como os egípcios riem de mim toda vez que estamos juntos no carro e me recuso a jogar fora a minha caixa vazia de pizza pela janela. :) Ou como eu agarro a caixa vazia de cigarros deles antes que eles tenham a chance de jogar fora no chão. Eu não posso contar quantas vezes tive que explicar sobre a importância de manter o meio ambiente limpo, mas no final das contas, eles continuam me vendo como uma catadora de lixo estrangeira. >D