terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Ma liberté de danser - Cap. 3 - Aprendizado


Por Lalitha

AVISO IMPORTANTE:

Então, gente, antes de entrarmos no material relativo ao terceiro capítulo do livro da Dina, quero ressaltar que apenas as partes em itálico e entre aspas são trechos traduzidos do livro (as traduções são minhas e às vezes contem alguma adaptação para facilitar o entendimento do trecho fora do texto completo), e deixo claro que não traduzi o livro inteiro, apenas algumas passagens que julguei importantes ou bonitas. Todo o resto do material é uma compilação de informações contidas no livro e de pesquisa própria minha feita na internet ou na minha biblioteca particular.

O material aqui exposto está todo dividido por capítulo (um capítulo por post, sempre) e cada capítulo está dividido em tópicos para tornar a apresentação mais dinâmica. Adotei essa divisão por pura comodidade e para tornar o material mais didático, o livro não está dividido dessa forma.

3. Aprendizado

          Ser diferente


O grande meio de comunicação da sociedade egípcia é a televisão, desde o tempo em que Oum Kalsoum fazia o seu show semanal que parava todo o mundo árabe. E o Egito sempre exportou os seus filmes, pois era lá que ficava a grande Hollywood árabe, o grande centro cultural onde surgiu Samia Gamal, o grande ídolo de Dina.

"As bailarinas sempre fizeram parte do cinema egípcio. Quando criança, eu assistia, maravilhada, os longa metragens com a Samia Gamal. Uma rainha, de uma elegância incomparável."

Durante o Ramadã, toda família no fim do dia se reúne em frente à TV, e as emissoras lutam pela atenção dos espectadores, nesse momento em que todos querem se distrair após um dia de privação.

Novelas, seriados e filmes recheiam a programação nessa época, e as bailarinas de dança do ventre sempre fizeram parte da televisão e do cinema egípcios. Dina não é diferente, na wikipedia há uma lista de 19 filmes e 9 novelas que ela participou.

Mas no final dos anos 70 Dina ainda não era bailarina de dança do ventre, era bailarina folclórica. Ela nem pensava nisso, o máximo que ela poderia ser era solista de uma companhia de dança folclórica. Mas assistindo aos filmes antigos ela já tinha chegado a uma conclusão. 


"Se você dança sozinha, você só ganha sendo diferente. Copie as outras e você perde. E eu, eu sempre soube que era diferente. Sem ter procurado por isso. Sem saber o porquê. Nem como."

 
          Ibrahim Aqef


Por volta de 1981, aos 17 ou 18 anos, Dina começou a fazer aula com o grande professor e coreógrafo egípcio Ibrahim Aqef (morto em 2006, deu aulas até início dos anos 90 - era coreógrafo de grandes bailarinas, para conhecer mais veja aqui em inglês). Ela o considera um segundo pai, e o chama de ya baba.


Ibrahim Akef

"Ibrahim me mostra como devo fazer, o meu lugar. Eu repito.
-Dina, Dina... minha filha, como você faz isso?
Ibrahim olha pra mim, um pouco perplexo e admirado.
-Você é inacreditável. Não faz nada como as outras. Eu sei que você se esforça por fazer do jeito que eu te digo. Mesmo assim... É como se você colocasse a sua marca em cada coisa que você faz. Olha o jeito como você gira, ali, olhe como o seu corpo se posiciona.  É assim que se deve fazer, mas você, você coloca algo a mais. É extraordinário, Dina. Tua diferença é a sua força."

Foi ele que ensinou para a Dina as regras da vida de uma bailarina: dormir muito e comer pouco. Manter o seu corpo com exercícios e muito treino. Ter rigor e disciplina. Foi ele que ensinou a ela a técnica da dança do ventre e a ajudou a se colocar na dança.



          A luta


Se no início dos anos 80 Dina pode ter aula com Ibrahim, é porque ela conquistou a sua liberdade para tal. Foi a sua primeira grande batalha.

Seu pai nessa época morava no Qatar, enquanto Dina estava morando em Alexandria, num apartamento com as demais moças da companhia de dança folclórica por conta de uma turnê. Elas eram vigiadas de perto, só estudavam e treinavam, e mesmo nos dias livres elas não saíam. O salário era pequeno, mas Dina era feliz, por fazer o que amava. O pai da Dina, ao perceber que pouco a pouco estava perdendo o controle sobre sua filha, resolveu tirá-la da dança. Seu pai então manda buscá-la em Alexandria e a proíbe de voltar.


"Eu fico desesperada. Por todo um mês, não saio de casa. Eu escuto os ruídos da cidade do Cairo, da vida, mas eu, eu sinto que morro devagar. Não sinto mais fome, fico uma semana sem comer. Eu quero dançar. É uma obsessão. Somente assim eu sou feliz. Não compreendo essa injustiça. Eu não fiz nada de errado, eu só quero dançar. Eu não suporto prisões, detesto os muros e odeio correntes."

 Ela foge para Alexandria, mas novamente a buscam. Sua família a considera incontrolável e a coloca na casa da avó. 


"Querem que eu seja como as outras. Submissa. Obediente. Uma mulher que se curve diante de um destino que outros escolheram por ela. Esse destino que tantas mulheres aceitam, ou por tradição ou por senso de dever, abrindo mão pouco a pouco do seu livre arbítrio, esquecendo que elas são também seres pensantes e respeitáveis."
 
          Said


A saída que Dina vê para voltar a dançar se chama Said. Um homem bem mais velho, com mais de 30 anos, bailarino da companhia. Ele a pediu em casamento. Ela, aos 17 anos, acha que vai ser feliz, pois finalmente vai acalmar a sua família, se colocando sob a tutela de um homem, seu marido, que ao mesmo tempo compartilha com ela a paixão pela dança. Porém, o casamento dura apenas 3 meses. Said se casou com ela como segunda esposa, sem lhe contar nada. Quando o pai da Dina descobre, compreende a situação e a ajuda a se divorciar.

Ela vai morar com a irmã, Rita, e seu marido. A vantagem é que, apesar de ser mal vista por ser divorciada, ela ganha mais liberdade, pois seu pai não tem mais autoridade sobre ela.


          Dança oriental


Foi nessa condição que ela pôde começar a estudar dança oriental, raqs sharki. Nessa época ela fazia parte da trupe folclórica de Sami Nawar, e um grande hotel do Cairo ofereceu a eles um contrato.

Porém, toda vez que chega o momento de apresentar a raqs sharki, nenhuma das bailarinas quer dançar. A roupa tradicional as enche de envergonha. Mas não Dina. Com o tempo o seu número começa a sobressair no show da trupe, noite após noite o público a aplaude. Um dia o gerente do hotel a chama para conversar e diz pra ela senhorita, você tem talento. Você deveria se tornar bailarina oriental, montar o seu próprio espetáculo.


          Os mestres


Ela nunca tinha cogitado isso e começa a considerar seriamente a possibilidade de seguir carreira solo. Sabendo que essa é uma grande responsabilidade e que ela precisa evoluir muito mais no raqs sharki para ser uma bailarina profissional de dança do ventre, ela começa a fazer aulas particulares, tanto com Ibrahim Aqef quanto com Raqia Hassan (com quem ela foi aprender especialmente o posicionamento dos braços e das mãos, que são diferentes do que ela havia aprendido no balé).



"A originalidade da dança do ventre está na técnica particular de isolar cada parte do corpo. Se nós mexemos o quadril num movimento sinuoso, os ombros devem ficar fixos. Se nós fazemos um círculo com o busto, o quadril, por sua vez, se imobiliza."



"Os anos seguintes se misturam na minha memória. Eu sinto que começo a ver o que pode ser o meu destino. Eu levo uma vida dupla. Danço à noite e estudo de dia. Me inscrevi na academia de artes e na faculdade de filosofia. Trabalho duro. Quero ter sucesso."

Aguardem o próximo capítulo! 

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    quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

    Tá chegando o Carnaval!

    E o Ventre da Dança vai fazer um pequeno recesso para aproveitar a Folia! Voltamos no dia 28 de fevereiro!

    Mas até lá a gente fica no clima CARNAVAL!

    Então vamos ver algumas fusões que as meninas têm feito por aí :-)

    Vamos começar com Samra, com seu quadril poderoso!




    Vale reparar nas escolhas que ela faz entre movimentos sinuosos e batidas de quadril para acentuar a última música! Muito esperta :-)

    Agora, falar da música Brasileirinho, não pode faltar Joelma Brasil, porque essa música é sua marca registrada! E aqui ela no Egito: (a partir de 4:50)



    Agora, fusão mesmo, com mistura de passos bacana, achei a brasileira Suheil, arrasando em Nova Iorque!


    E para ninguém dizer que só tem brasileira nesse post, vamos ver a russa Warda fazendo a sua mistura!


    Ah, vale a pena reparar nas passistas a partir de 3:00, e até que ela não faz feio, né? O que vocês acham?

    Curtam muito esse Carnaval!!!

    sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

    Kisses from Kairo - Finalmente!


    Sábado, 4 de junho, 2011
    Finalmente!
    Por Luna do Cairo
    Traduzido por Lalitha

    Então, hoje de manhã recebi ótimas notícias! Minha permissão para trabalhar foi aprovada pelo governo egípcio! (Bom, pelo que quer que tenha restado dele :D). Agora estou legalmente autorizada a trabalhar como bailarina de dança do ventre no Cairo. Finalmente! Só demorou, ah, dois anos e meio e uma revolução! Bom, não exatamente. Eu fui contratada para dançar no Semiramis ano passado, mas isso acabou quase antes de começar (por motivos que irei descrever no próximo post). Uma semana depois desse drama, eu passei num teste num Cruzeiro no Nilo, chamado Le Memphis, que então entrou com um pedido para contratar bailarinas estrangeiras. O próximo passo era me contratar e andar com a papelada, o que demorou muito mais do que deveria.

    Primeiro, o homem que eu contratei para tratar dos papéis tinha síndrome do sono crônica, que é como eu gosto de sacanear. Aquele era o homem MAIS PREGUIÇOSO do planeta - a própria personificação do sono. E apesar dele poder ganhar muito dinheiro resolvendo a minha papelada, ele simplesmente não conseguia se mexer para resolver nada! E se ele me enrolou uma vez, ele me enrolaria mil vezes. Se passaram meses com ele sem atender meus telefonemas e me dando desculpas ridículas, sem ele nem começar o processo de permissão, que só começou depois que eu quase fui deportada por ter me apresentado sem a permissão! Quando eu finalmente perdi a paciência com esse cara e procurei outra pessoa para fazer o processo, já tinham se passado 8 meses e uma revolução!

    Segundo, devido aos acontecimentos políticos que varreram o Egito no início do ano, não havia como a minha permissão de trabalho ser processada. Para piorar as coisas, o Ministério de Relações Exteriores egípcio anunciou que proibiria todos os extrangeiros de trabalhar no Egito. O Ministro eventualmente corrigiu o anúncio, dizendo que apenas aqueles estrangeiros que eram necessários para a prosperidade do Egito teriam permissão de trabalho. Mas isso significava que agora eu tinha que provar que eu, uma bailarina de dança do ventre americana, era necessária para a prosperidade do Egito, e que eu não estaria roubando trabalho das egípcias. Desnecessário dizer que nenhuma das duas afirmações poderia ser mais da verdade. Por mais que eu goste de pensar que sim, a minha dança não é necessária para a prosperidade do Egito. E ela tira trabalho de outras bailarinas egípcias (eu aprendi isso da pior forma possível, quando bailarinas egípcias descontentes tentaram fazer com que eu fosse deportada por "roubar o trabalho delas" no navio).

    Dada a nova política com relação aos trabalhadores estrangeiros, você pode imaginar como eu comecei a perder minhas esperanças. E você pode imaginar o quanto fiquei extasiada quando descobri que o próprio Ministro tinha assinado a minha permissão. Eu imagino que isso significa que a minha dança é necessária para a prosperidade do Egito. Que ideia maravilhosa. ;) E eu também fui a primeira bailarina estrangeira a ser oficialmente contratada depois do início da revolução. Que honra. :)

    Claro que nada disso teria sido possível se não fosse o trabalho duro e a dedicação da pessoa que eu contratei para processar os meus papéis depois de não chegar a lugar nenhum com o Sr. Dorminhoco. Eu sou eternamente grata a ele por ser honesto, pró-ativo, e totalmente inabalável sob a pressão que algumas pessoas fizeram para tentar me derrubar (sim, a gente adquire alguns inimigos quando tenta ser uma bailarina de dança do ventre no Cairo. É triste, mas inevitável). Eu também sou grata ao Sr. Safaa Farid pelo incentivo, apoio e equilíbrio durante esse período difícil. É bom saber que existem pessoas boas na comunidade da dança do ventre do Cairo.

    quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

    Ma liberté de danser - Cap. 2 - Mamãe


    Por Lalitha

    AVISO IMPORTANTE:

    Então, gente, antes de entrarmos no material relativo ao primeiro capítulo do livro da Dina, quero ressaltar que apenas as partes em itálico e entre aspas são trechos traduzidos do livro (as traduções são minhas e às vezes contem alguma adaptação para facilitar o entendimento do trecho fora do texto completo), e deixo claro que não traduzi o livro inteiro, apenas algumas passagens que julguei importantes ou bonitas. Todo o resto do material é uma compilação de informações contidas no livro e de pesquisa própria minha feita na internet ou na minha biblioteca particular.

    O material aqui exposto está todo dividido por capítulo (um capítulo por post, sempre) e cada capítulo está dividido em tópicos para tornar a apresentação mais dinâmica. Adotei essa divisão por pura comodidade e para tornar o material mais didático, o livro não está dividido dessa forma.

    2. Mamãe
    • Dina Talaat


    Dina Talaat nasceu em 12 de abril de 1964 (para quem curte signos, ela é ariana), em Roma, na Itália, seus pais eram egípcios. Seu pai trabalhava como correspondente do Middle East News Agency. Sua mãe trabalhava numa agência de imprensa italiana (mas segundo a Wikipedia ela trabalhou como secretária do embaixador indiano em Roma). Ela tem uma irmã dois anos mais velha chamada Rita, que segundo a Wikipedia, foi cantora.

    Dina viveu em Roma até os 5 anos (1969), quando seus pais voltaram para o Cairo, e seu pai se instalou em Agouza (bairro do Cairo), próximo do Nilo.

    Dina lembra muito pouco dessa época, sabe apenas que era muito feliz.


    • As origens da sua família


    Seu avô por parte de pai é um homem sério, exceto aos domingos, quando apostava em corridas de cavalo. Ele é de Dishna, um povoado grande perto de Qena, na região chamada Saïd, no Alto Egito (fica no sul do país). Essa é uma região rural, cheia de tradições fortes e muito conservadora. Até hoje o thar, código de honra, é seguido e se lê nos jornais locais histórias de vendetas.

    Sua mãe, Zeinab, também vem do Saïd, mas de Minya, uma cidade maior, que é chamada de Noiva do Alto Egito. Seus habitantes são famosos por sua beleza e boa educação, e são considerados realeza, porque dizem que foi lá que nasceu Quéops, o faraó que construiu a maior das 3 pirâmides.

    Mapa do Egito com a cidade de El Minya e Qena
    •  A volta ao Cairo

    A família volta ao Cairo quando Dina tem 5 anos, e vão morar no bairro de Agouza, perto do Nilo. Nessa época, 1969, as mulheres andavam de cabeça descoberta nas ruas, usando vestidos que deixavam pernas e braços à mostra, e usavam lindos penteados. Somente as mais velhas usavam véu. E as camponesas usavam seus trajes tradicionais. A sociedade era misturada, tolerante e mesmo assim, religiosa.
     

    • A morte de sua mãe e o segundo casamento do seu pai

    Pouco tempo depois de voltar ao Egito, Dina fica sabendo que sua mãe morreu. Logo depois seu pai se casa novamente e tem mais 2 filhas. Dina sente muito a falta da sua mãe e sofre.

    Sua irmã, Rita, é tudo pra ela, se fazendo de irmã, mãe, melhor amiga e confidente.

    "Felizmente a Rita está comigo. Ela se faz de irmã, mãe, melhor amiga e confidente. Ela é mais sábia do que eu, menos rebelde, sabe acalmar minha raiva e suavizar minha vida."
    • Sua escola – sua primeira aula de dança


    Em 1973, aos 9 anos, Dina muda de escola com a irmã mais velha. Elas deixam de frequentar um colégio franciscano onde aprendiam italiano e francês, e passam a estudar numa escola de moças anglo-árabe. Nessa nova escola, além do ensino clássico, elas podem fazer outras atividades, como teatro, canto, costura, cozinha e dança.


     "Era um curso de danças folclóricas das províncias egípcias. Meu pai me inscreveu sem nem imaginar que isso vai virar a minha vida de cabeça para baixo. Ou, mais exatamente, que eu vou finalmente achar sentido na minha vida. Porque, desde o primeiro minuto de aula, eu percebo que nada mais seria como antes. Eu escuto a música e a sinto vibrar até a ponta dos meus dedos, eu a vivo!
    Toda manhã eu saio de casa feliz. Apenas alguns metros nos separam da escola, mas eu faço esse caminho todos os dias dançando.
    Tenho dificuldade em me concentrar nas outras aulas, eu só penso numa coisa: a próxima aula de dança."
    Nesse curso de escola Dina aprende diversas danças folclóricas e o seu primeiro espetáculo é de uma dança fellahi, onde as mulheres vão pegar água. A coreografia prevê que uma das alunas será solista, e claro, depois de muito se dedicar, Dina consegue o papel que tanto almejava.

    "É o dia mais lindo da minha vida! Como estou feliz! Eu sei o que sou! Sei o que vou ser toda a minha vida! Bailarina, bailarina, eu fui feita para dançar!"


    Nessa época sua família aceita a sua escolha e o seu pai a matricula na companhia de dança de Ahmad Fouad Abdallah, uma famosa escola de arte para crianças entre 10 e 16 anos, onde diversos atores conhecidos se formaram. Ela ensaia até 3 vezes por semana, no clube da juventude. Ela aprende canto, balé e dança folclórica. É nessa escola que Dina adquire o gosto pela disciplina e pelo treino árduo.

    No mesmo local uma companhia profissional de folclore também faz os seus ensaios e ela é aceita entre os bailarinos profissionais em 1976, aos 12 anos.



    "Nessa época ninguém ligava que nós dançássemos. Ao contrário! Os egípcios, por natureza, são alegres e amam as artes, a dança, o canto, os risos. Nós somos como os brasileiros. Como eles que nascem com o samba no pé, nós temos essa alegria e esse ritmo entranhados no mais profundo do nosso ser. É nossa natureza. Nós somos feitos disso. Nessa época ninguém brigaria com uma criança por ela estar dançando."


    • Brigas com o seu pai


    As brigas com o seu pai são freqüentes durante a sua adolescência, Dina é considerada rebelde. E um dia, numa briga, ela consegue os contatos da sua avó materna. Desde que o seu pai tinha se casado novamente, Dina e a irmã, Rita, não viam a família da mãe. Mas nesse dia ela telefona para a avó, querendo contar tudo o que acontece com ela e chorar suas mágoas. Para sua surpresa a avó diz que a mãe ainda está viva.

    Ela explica que quando a família voltou de Roma, Zeinab pediu o divórcio, o que era chocante e impensável nos anos 70 para uma mulher. Como as duas famílias eram muito patriarcais, ao pedir o divórcio ela foi obrigada a aceitar nunca mais ver as filhas, além de abrir mão de todos os seus bens (do dote que recebeu ao casar). Para acalmar as crianças, foi dito a elas que a mãe tinha falecido, e toda vez que ela tentava falar com as filhas lhe era dito que as mesmas não queriam falar com ela.

    Como uma mulher sozinha não pode viver no Egito, logo depois ela se casou novamente. Seu novo marido arranjou um emprego no Qatar e ela não teve opção, teve de partir com ele.



    • O reencontro

    Apesar de não lembrar mais do rosto da mãe, Dina marca de reencontrá-la e as duas choram de alegria num emocionante reencontro.

    "Hoje você vive comigo. Você não me deixa mais. Você está ao meu lado quando a sorte me dá as costas, você é meu porto seguro quando me atacam, você é, como Ali, meu sol, minha vida."

    Aguardem o próximo capítulo! 

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    sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

    Kisses from Kairo - Revolta no Egito 2011


    Sábado, 16 de abril, 2011
    Revolta no Egito 2011
    Por Luna do Cairo
    Traduzido por Lalitha

    Esse é um relato de como foi a minha experiência com os eventos políticos da sexta-feira, 28 de janeiro de 2011, conhecido como "Sexta-feira de Fúria". Eu me desculpo aos meus leitores por não proporcionar nenhuma imagem para acompanhar a minha história. Apesar de, originalmente, eu ter intenção de fotografar os protestos, eu rapidamente mudei de ideia conforme fui vivenciando o dia. Os atos dos quais fui testemunha foram tão inescrupulosos que eu achei que seria anti-ético capturá-los com uma câmera e espalhá-los no Facebook. Além disso, a mídia já faz um bom trabalho retratando as pessoas nos seus piores momentos. Eles são pagos para isso. Eu não.


    Sexta-feira de Fúria


    Era uma hora da tarde, e eu tinha acabado de acordar. Enquanto estava deitada na cama, meus pensamentos se direcionaram ao Nile Memphis, o restaurante flutuante no qual eu fui contratada para dançar. Minha banda e eu estávamos escalados para três viagens naquele dia, totalizando seis shows. Mas eles aconteceriam? Supostamente o país deveria ter irrompido com maciças demonstrações anti-governo, e eu não conseguia imaginar os negócios acontecendo conforme programado.

    Sem saber se o silêncio do meu quarto no 13° andar significava que não havia demonstrações, eu peguei meu celular para ligar para o meu agente. Depois de diversas tentativas, eu não consegui chamá-lo. Não havia sinal no celular, e eu não tinha como telefonar para ninguém. O Governo egípcio tinha cortado todas as linhas de comunicação, incluindo telefones fixos e a internet, numa última tentativa de impedir os manifestantes de se mobilizarem na Praça Tahrir.

    Uma pontada de angústia me embrulhou o estômago. O governo controla a internet?! A última vez que eu tinha experimentado algo desse gênero tinha sido no 11 de setembro em Nova Iorque, e aquele foi um dia assustador. Para piorar as coisas, minha televisão estava quebrada e as minhas duas colegas de quarto não estavam em casa. Eu estava completamente sozinha no meu apartamento, e sem acesso à informação.

    Meus pensamentos foram interrompidos pelo canto dos protestos dos manifestantes passando pela rua principal em frente ao meu prédio. Eu corri para a sala e coloquei minha cabeça para fora da janela para ver o que estava acontecendo. Havia centenas de manifestantes, mas eu não conseguia entender o que eles estavam dizendo.

    Depois de ver esse episódio, instintivamente eu sabia que meu trabalho seria cancelado. Quem iria cruzar a cidade sob essas circunstâncias para assistir dança do ventre (ou então para dançar dança do ventre!)? Mesmo que as coisas corressem normalmente, eu certamente seria desculpada por não aparecer. Isso era lógico, mas, novamente, esse é o Cairo. :) Então fui me preparar para trabalhar. Verdade seja dita, eu não queria dançar. Eu estava distraída demais pelos eventos políticos mais importantes que estavam por acontecer. O que eu realmente queria era estar com outras pessoas e ter acesso à televisão, o que eu poderia conseguir indo ao barco.

    Sem saber como os eventos iriam se desenrolar ou mesmo se eu conseguiria voltar para casa naquela noite, levei meu cachorrinho, Boreo, e separei um pouco de comida para ele para levar. Mala, bolsa e o cachorro nos braços, eu deixei o prédio e chamei um taxi. O caminho que eu costumo fazer para o trabalho estava atipicamente vazio naquele dia. Na verdade, o máximo que eu vi no caminho foi uma horda de oficiais armados com o que parecia um escudo de plástico do tamanho do corpo em frente ao Zoológico Giza. Isto é, até chegarmos ao anel rodoviário e paramos em frente ao navio. Lá eu vi milhares de manifestantes furiosos andando na direção oposta. Eles seguravam cartazes anti-Mubarak e cantavam slogans contra o regime.

    Em todos esses anos, e em todos os países que visitei, eu nunca havia visto tanta organização, e eu nunca esperaria ver isso no Cairo, a capital mundial do caos.

    No segundo que eu saí do taxi, eu vi o barco atracando no porto. Enquanto ele atracava, eu podia ver a agitação cheia de pânico nos rostos dos trabalhadores que estavam no deque. Eles gritavam e acenavam para o capitão sair do porto. Aparentemente, uma multidão de manifestantes em fúria estava jogando coquetéis molotov no barco e tentando invadi-lo. E eles estavam dois metros atrás de mim! O capitão começou a navegar para longe enquanto eu comecei a correr na direção do navio, e quando cheguei perto o suficiente precisei pular meio metro para embarcar.

    Encaminhei-me para o convés, onde estava reunido o resto da tripulação. Procurei pela minha banda, mas os únicos membros que estavam presentes eram o cantor e o tocador de duff (N.T.: pandeiro árabe). O resto da banda não tinha aparecido.

    No mais profundo silêncio, olhamos para o horizonte do Cairo, iluminado pelas chamar e fumaça. Onde quer que olhássemos, víamos postos militares em chamas, incêndios, carros virados e multidões de manifestantes lotando as ruas de todas as direções. O cheiro de fumaça permeava o ar, assim como os sons das sirenes. Era realmente a Sexta-feira da Fúria, mais uma guerra do que um protesto.

    Depois de uma hora boiando pelo Nilo, os manifestantes saíram do deque e o tráfego começou a fluir, mas o cheiro de fumaça ainda enchia o ar a nossa volta. O sol tinha começado a se pôr, e eu desci do convés para ver o noticiário. Assim que o gerente ligou a televisão o governo anunciou um toque de recolher às 18h. Quem quer que fosse pego nas ruas depois dessa hora estaria nas mãos das forças de segurança egípcias.

    Mais uma vez, todos entraram em pânico. Faltavam 15 minutos para o toque de recolher, e apesar de sermos mais de 30 trabalhadores a bordo, tínhamos apenas um carro. Como eu era a única mulher (e estrangeira) presente, o gerente decidiu que o dono do carro deveria me levar para casa. Todos os outros teriam de passar a noite a bordo do navio.

    Havia fogo até onde a vista alcançava, e eu não achava era possível ou seguro chegar em casa em 15 minutos. Infelizmente, eu estava certa. A volta para casa foi igual a uma cena vinda diretamente de um filme de terror, e eu não sabia se iria viver para ver um novo dia.

    Enquanto eu corria do navio para o carro, esbarrei no meu tecladista. Faltando 10 minutos para o toque de recolher, o convenci a pegar carona no carro comigo, o motorista e mais um membro da equipe do navio. Nós imediatamente encontramos um trânsito impossível de tão emaranhado. É assim que o tráfego no Cairo costuma ser, mas dessa vez as pessoas estavam assustadas. Bandos de homens vagavam pelas ruas, espancados e sangrando. Os motoristas estavam fazendo caminhos tortuosos, tentando sair do trânsito, cada um contribuindo para a cacofonia incessante de buzinas. Em todo lugar que olhávamos, algo estava pegando fogo. E lá estávamos nós, numa interseção cercada de grades, tentando achar uma maneira de me levar em casa em Doqqi.

    Finalmente o tráfego em uma das ruas andou e nós estávamos nos movendo. Já tinha passado da hora do toque de recolher, mas estranhamente não tinha nenhum militar ou policial presente. Entretanto, havia enormes anéis de chamas a apenas alguns metros da gente, que intimidaram os motoristas a virarem à direita. Sem querer voltar para a interseção, eu encorajei o motorista a passar o mais rápido possível por pelas chamas. Por mais assustador que isso pareça, eu sabia que era possível - minha experiência anterior em passar com o carro por anéis de fogo me ensinou isso. (A última vez que os egípcios tacaram fogo nas ruas, foi para celebrar a vitória do Egito sobre a Algéria na Copa da África do Sul em 2010)

    Felizmente, nós emergimos do outro lado das chamas, vivos e encorajados. Continuamos a dirigir numa rua deserta só para nos encontrarmos novamente no meio do tráfego, num mar de carros buzinando. Dessa vez, aparentemente, não havia escapatória.

    Nesse ponto, meu estômago já estava todo revirado. A cidade tinha virado um caos e sons de tiros podiam ser escutados em todo canto. Bandos de homens andavam pelas ruas e atacavam os carros sem razão alguma. O mais estranho, não havia nenhum policial à vista. Será que todos os policiais que normalmente patrulham o Cairo tinha ido embora? Onde estava o exército para revidar e abafar a resistência?

    O motorista começou a ficar impaciente, e começou a forçar o caminho pelos carros até que nos encontramos no Sayyeda Aisha, um dos bairros mais pobres e perigosos de todo o Cairo. Antes que pudéssemos sair do bairro, o carro bateu numa pedra e em seguida ficou preso em um buraco. Enquanto o motorista tentava nos tirar do buraco, eu senti uma onda forte de fadiga tomando conta do meu corpo. Comecei a sentir vertigens e a ter dificuldade em ficar acordada. Eu não sabia o que estava acontecendo até o momento em que o homem no banco de trás, que estava lacrimejando muito, disse que tínhamos batido numa bomba de gás lacrimogêneo.

    Por mais grogue que eu estivesse, eu entendia o suficiente do que estava acontecendo para entrar em pânico, porque agora eu sabia que a minha fadiga era resultado de gás lacrimogêneo, e que eu podia desmaiar a qualquer momento. Eu fiquei ainda mais apavorada pensando que os outros dentro do carro estavam passando pelo mesmo que eu e desmaiariam junto comigo. Então estaríamos todos desacordados  no meio do Sayyda Aisha, presas para ladrões e assassinos. Eu comecei a rezar freneticamente para Deus nos tirar dali. E enquanto isso eu ia perdendo a consciência. Então, olhei para o motorista e vi que ele estava ficando incoerente como eu. Isso me assustou tanto que eu fui capaz de superar o meu torpor e comecei a sacudi-lo violentamente. Gritei para ele pisar fundo no acelerador antes que todos nós apagássemos. Por sorte ele me ouviu e o carro saiu voando do buraco.

    Ficando mais tonta a cada segundo, eu lutei contra a vontade de dormir gritando direções ao motorista. Eu obtive sucesso e assim que chegamos numa parte que tinha ar puro, coloquei minha cabeça para fora da janela do carro e respirei o máximo que podia. Pedindo desculpas por ter gritado com ele, sugeri ao motorista que procurássemos abrigo na mesquita ou igreja mais próxima. Nós estaríamos a salvo lá, longe dos incêndios, arrastões e gás lacrimogêneo. No entanto, ao invés de seguir o meu conselho, o motorista apenas continuou a dirigir por qualquer rua que estivesse livre de barreiras, arrastões e incêndios - por três horas! Nós passamos por quase todas as ruas do Cairo, que estava em chamas pelos incêndios da Sexta-feira de Fúria.

    Nós finalmente chegamos na Ponte 6 de Outubro, que nos levaria diretamente para a Doqqi. No entanto, nós estávamos chocados por sermos os únicos na ponte pelos últimos quilômetros. Quinze minutos depois, descobrimos o porquê. Batemos em outra bomba de gás lacrimogêneo, essa pior que a última. Eu estava rapidamente pegando no sono e entrando novamente em pânico - dessa vez porque um monte de gente rodeou o carro e começou a tentar vira-lo de cabeça para baixo!

    É isso, pensei, acabou. É o fim. Eu não pensei que fôssemos sair dessa vivos. Que forma de morrer. A milhares de quilômetros de casa, correndo atrás do meu sonho de dançar. Por que tinha que acabar assim?

    E então, eu tive outro pico de adrenalina. Apesar do estupor, eu consegui sacudir o motorista e forçá-lo a seguir em frente na velocidade máxima, sem se preocupar se batíamos em alguém. Nossas vidas estavam em risco e nós tínhamos o direito de nos salvar. Assim que aceleramos, a multidão se dispersou e nós continuamos na ponte até que chegamos na frente do meu prédio.

    Eu estava tão aliviada de estar em casa, e viva! Mas eu não me sentia segura sabendo que não havia policiais ou militares nas ruas, e que eu estaria em casa sozinha. Meu bawab (porteiro) me informou que os saques já tinham começado em diversas áreas da cidade e que os arruaceiros estavam armados com armas de fogo. Isso explicava porque ele e outros porteiros no meu prédio estavam armados com varas de metal e pedaços de madeira. Alguns homens na vizinhança estavam até mesmo derrubando árvores para fazer armas de madeira. Então eu pensei que seria bom ter um homem em casa, daí perguntei ao meu tecladista se ele poderia ficar comigo. Meu bawab começou a reclamar, que isso seria uma violação das "regras" (nós temos uma norma bem rígida de "NUNCA-ter-um-homem-egípcio-em-casa", que é uma forma dos proprietários egípcios de "mostrar serviço" aos valores islâmicos de segregação de gêneros). Mesmo assim, passei por ele sem olhar, e entrei no elevador com o tecladista, sabendo que dessa vez ele não podia ameaçar de chamar a polícia.

    Meu tecladista e eu ficamos acordados pelo resto da noite, ouvindo aos sons dos tiros. Nós olhávamos da janela da sala os homens atirando e sendo atingidos. Era como assistir a um filme de ação do 13° andar. Eu imaginava quando o exército iria se mexer e pôr fim aos saques e tiroteios. Eu imaginava o que iria acontecer no dia seguinte. Mais do mesmo? Algum compromisso entre os manifestantes e o regime? Talvez um golpe de estado? Ninguém sabia, e, em primeiro lugar, ninguém imaginava que isso fosse acontecer. Depois de tudo isso, eu só podia esperar que os egípcios conseguissem conquistar o quer que eles estavam lutando por conseguir.