terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Eu matei Sherazade - confissões de uma árabe enfurecida

Por Lalitha


Depois de algum tempo sem falar de livros (eu sou viciada, como vocês podem ver aqui) resolvi voltar ao tema por causa de livro aí em cima.

A autora, Joumana Haddah, é uma libanesa de família cristã (o Líbano é um país com uma parcela grande de cristãos, apesar de serem minoria - em comparação com os muçulmanos - há décadas que eles detêm o poder político, o que causa alguns problemas), mãe e "feminista" (ela não se descreve assim, mas muitas das suas causas podem ser assim descritas). Além disso ela é poetisa, tradutora, jornalista e editora de uma revista chamada JASAD (que significa "corpo" em árabe), que causa bastante polêmica no mundo árabe.

A razão que a levou a escrever esse livro foi uma pergunta de uma jornalista ocidental: "como uma mulher árabe como você consegue publicar uma revista erótica controvertida como JASAD em sua língua materna? No Ocidente não estamos familiarizados com a possibilidade de existirem mulheres árabes liberadas como você."

E a partir desse ponto, se prepare para sacudir as suas convicções! Joumana mostra que apesar do Ocidente ser mais livre para a mulher, ainda temos MUITOS problemas em comum, e as mulheres árabes não são tão diferentes de nós mesmas, ocidentais.

Afinal, querendo ou não, ainda temos muitas limitações... nossa sexualidade, por exemplo, ainda é muito podada (já repararam que quase não existe material erótico voltado para mulheres?), nossos corpos ainda são tratados como mercadoria (e ainda devemos mantê-lo dentro dos padrões: jovem e magra), nossas roupas são vigiadas (ainda somos tachadas de "puta" se usamos saia curta e decote, não é?), não podemos mostrar desejo em público senão também somos "putas". Aliás, é um problema essa história de "puta", porque ou você é "santa" ou "puta", não existe nada entre esses dois extremos, já repararam?

Para piorar, nós ocidentais, sofremos de outro problema em comum com as árabes: desunião.

Quantas vezes não são as próprias mulheres que nos julgam? Quantas vezes não somos nós mesmas que dizemos aquelas infelizes frases tipicamente machistas?

E no mundo da dança do ventre? É realmente diferente? Quantas vezes julgamos umas às outras pela escolha da roupa ("que fenda é aquela?"), pelo corpo ("hum, ela tá gordinha"), ou, vamos liberar nosso vocabulário, por inveja mesmo?

Enfim, além de uma grande reflexão sobre o mundo árabe feminino, o livro faz refletir sobre nós mesmas. Para quem estuda cultura árabe ou o feminino, é uma leitura imperdível!!

Fica a dica :-)

Quem quiser mais detalhes do livro, a Lu Ain-Zaila está fazendo posts ótimos sobre ele, vale a pena conferir, aqui.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Kisses from Kairo - Essa história de Harvard...


Quinta-feira, 14 de abril, 2011
Essa história de Harvard...
Por Luna do Cairo
Traduzido por Lalitha

... Aviso. Isso é um monte de besteira. :)


Então, eu vou dizer logo de uma vez. Eu frequentei Harvard. Quatro anos atrás. Eu fiz Mestrado em Estudos do Oriente Médio e me formei com média 3.9. (N.T.: a nota máxima é 4.0). Eu sou fascinada pelo Oriente Médio desde que vivenciei o 11 de setembro em Nova Iorque, e decidi que iria me cobrir de dívidas para estudá-lo.

Então por que, pelo amor de Deus, estou dançando dança do ventre no Cairo!?!? Eu não deveria estar me utilizando dos meus estudos? Eu não deveria estar recebendo um salário de 6 dígitos trabalhando para o governo norte-americano? Não estou desperdiçando a minha vida "balançando a bunda" num país de terceiro mundo?

As pessoas tem se oposto a mim em todas essas questões desde que me mudei para o Cairo há mais de dois anos atrás, e, sinceramente, estou ficando de saco cheio! Quem fez de se formar em Harvard e trabalhar como bailarina de dança do ventre um crime? Não existem centenas de mulheres com alto nível de educação dando aulas e se apresentando como bailarinas de dança do ventre pelo mundo inteiro? Ou dançar é só para os idiotas?

Talvez seja apenas eu, mas eu nunca imaginei que encontraria tanto desânimo por parte da minha família, amigos e colegas da dança que nunca perdem uma oportunidade de me lembrar que Harvard e dança do ventre simplesmente não combinam. OK, vou dar um desconto para a minha família. Eles me amam e se preocupam com o meu bem-estar e são muito orgulhosos do meu diploma. Eles nunca vão entender essa história com a dança do ventre. Eles acham que é estúpido. Eles também acham que estou arriscando a minha vida. Eles nunca vão entender que o Egito não é o Iraque. OK, eu posso aceitar isso. Eles só querem o melhor para mim.

Mas e todas as outras pessoas? Quando criticar as escolhas na vida das pessoas virou moda? Pessoalmente, eu não ligo para o que os outros fazem com as suas vidas, desde que sejam felizes e não machuquem ninguém. E neste momento, eu estou FELIZ, e não estou machucando ninguém, então, por que as pessoas não param de criticar minhas escolhas? Às vezes elas me fazem querer esquecer que um dia eu fui à Harvard!

Eu não tenho tendência a duvidar de mim mesma, mas isso chegou num ponto em que eu não consigo encontrar uma só pessoa que me apóie! Nem UMA! Até mesmo os agentes egípcios que ganham um bom dinheiro comigo acham que o que eu estou fazendo é errado, dado que me formei em Harvard. EI!!! Vocês não querem o meu dinheiro?! Não me digam essas coisas que uma hora eu posso acreditar e ir para casa!

Às vezes eu acho que sou de outro planeta, porque tudo o que já fiz foi encorajar as pessoas a irem atrás dos seus sonhos. Quer dizer, não vivemos na época das Oprahs e Dr. Phils nos estimulando a fazer o que nos faz feliz, e não apenas o que se "espera" que nós façamos? Ou isso se aplica a todo ser do universo menos eu?

Mudando de tom, eu gostaria de salientar que a dança do ventre requer MUITA inteligência. Viver no Cairo também. Tudo bem, existem diversos tipos de inteligência, mas estou falando daquela de escola mesmo. Eu realmente acho que a inteligência acadêmica pode ser uma vantagem nessa dança. Acadêmicos aprendem a pensar abstratamente. Eles estão constantemente tendo novas ideias e inventando coisas. Acadêmicos são muito informados sobre os contextos sobre os quais eles trabalham. Aplicadas à dança do ventre no Cairo, essas habilidades podem fazer milagres.

Não me entenda mal. Não é que eu queira ser bailarina de dança do ventre no Cairo para o resto da minha vida. Eu sei que é uma carreira curta, cheia de estresse, e que eu terei de ter um plano B mais tarde. Eu sei que preciso me preocupar com planos de previdência e pensões e tudo mais que precisarei quando estiver mais velha... e, ah, claro, filhos. Mas isso não significa que eu não posso correr atrás do emprego dos meus sonhos enquanto sou jovem e capaz. Eu tenho tempo suficiente para me sentar e ficar mofando num escritório das 9 às 5, eu simplesmente não quero fazer isso agora. Não enquanto a juventude, entusiasmo, energia e destreza estiverem do meu lado.

Inferno, talvez eu esteja errada. Mesmo assim, todos nós precisamos de uma mentira de vez em quando! Mas até eu ser provada louca sem nenhuma sombra de dúvida, eu acho que vou continuar sendo a bailarina de dança do ventre formada em Harvard. ;)

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Ma liberté de danser - Cap. 1 - Raqs Sharki


Por Lalitha

AVISO IMPORTANTE:

Então, gente, antes de entrarmos no material relativo ao primeiro capítulo do livro da Dina, quero ressaltar que apenas as partes em itálico e entre aspas são trechos traduzidos do livro (as traduções são minhas e às vezes contem alguma adaptação para facilitar o entendimento do trecho fora do texto completo), e deixo claro que não traduzi o livro inteiro, apenas algumas passagens que julguei importantes ou bonitas. Todo o resto do material é uma compilação de informações contidas no livro e de pesquisa própria minha feita na internet ou na minha biblioteca particular.

O material aqui exposto está todo dividido por capítulo (um capítulo por post, sempre) e cada capítulo está dividido em tópicos para tornar a apresentação mais dinâmica. Adotei essa divisão por pura comodidade e para tornar o material mais didático, o livro não está dividido dessa forma.

1. Raqs Sharki

  • De onde vem a dança do ventre?

Segundo a Dina, dizem que a origem da dança do ventre remonta ao tempo dos faraós, mas também há quem diga que essa dança veio junto com um povo originário das montanhas do norte da Índia, que se estabeleceu no Egito há mil anos. Os ciganos (gawasi).

"Nós a praticamos de pés descalços, para captar as energias da terra, e dizem que ela imita as dores do parto para garantir fertilidade."
 
Como eu disse anteriormente, o livro da Dina não é o seu livro caso você esteja querendo estudar a história da dança do ventre. Um dia ainda vamos tratar desse assunto no blog :-) 

  •  Rotina de uma bailarina no Egito
 Antigamente a agenda da Dina era mais lotada de shows, hoje é mais modesta, mas o seu cachê aumentou consideravelmente. Ela descreve no livro uma noite tranquila, onde ela tem 2 casamentos e um show num hotel marcados. As bailarinas egípcias, ou mesmo as estrangeiras que trabalham no Egito (vejam um exemplo aqui), faziam até 5 ou 6 shows por noite, numa rotina estafante que ia das 10h da noite até às 5h da manhã, sem contar o período de treino diário. Cada show durava mais de uma hora, alguns podiam durar até 3 horas como os da Fifi Abdou e da Nagwa Fouad. Tanto que se dizia que a Fifi Abdou era capaz de dançar a noite inteira (há até uma descrição de um musical com ela que durava 5h - aqui em inglês), a russa Nour chegou a ser internada e quase morreu de estafa. O mesmo aconteceu com a egípcia Lucy. O depoimento da Nour sobre esse evento e como ela foi salva por um cantor sírio com que ela se casou mais tarde pode ser encontrada aqui (em inglês).
"Na entrada luxuosa do hotel eu apresso o passo. Não tenho tempo para olhar os buquês de flores magníficas. Eu conheço de cor o caminho. O elevador que leva aos salões de recepção, aos corredores estreitos que atravessam as salas de serviço. Eu cruzo com garçons, atarefados, com suas bandejas equilibradas, com recepcionistas, com os chefes de equipe. Nós somos parecidos, trabalhamos juntos para oferecer aos outros um sonho, um sonho luxuoso, uma fantasia de mil e uma noites.
A festa já está no seu auge. Sobre as mesas ricamente decoradas com lírios brancos,os pratos transbordam de comida. Os homens, bem vestidos, fumam seus cigarros. As mulheres rivalizam em elegância - vestidos de noite brilhantes, diamantes. A maioria usa um véu combinando. Dependurada no alto de uma grua, uma câmera se fixa na pista de dança, onde um grupo de jovens se requebra ao som da última música da Shakira.
- Madame Dina, ya set el kol (ó dama das damas), sua presença nos ilumina! diz timidamente um empregado. Ao seu lado, uma das suas colegas, ruborizada, saca o seu telefone celular do bolso para me fotografar. Pausa, sorriso, pose, clic-clac. Eu parto.
Dez vezes, até a pequena sala que me serve de camarim, eu vou parar. O tempo é curto. Entretanto, essa noite a minha agenda está razoável: dois casamentos, em hotéis diferentes, depois meu espetáculo semanal na casa noturna do Semiramis. Escuto ao longe o barulho da festa, a música, que me chama como um amante. Eu parto, corro pelo corredor. E entro sob os aplausos e os fiufius de admiração. Eu não vejo ninguém. Estou dentro da música. Não penso em mais nada. Estou num estado alterado de consciência.
A primeira parte acaba, e enquanto os músicos começam uma nova melodia, eu vou procurar a noiva, a felicito, a pego pela mão e a levo comigo até a pista. Ela não oferece nenhuma resistência, e sorri para mim, radiante em seu vestido branco, ela ondula ao meu lado e o seu marido aplaude. Tudo em torno da pista se ilumina, a família e os amigos se aproximam, formando um círculo. Escuto os zaghrouta, as risadas. Eu os sinto receptivos, felizes.
Tudo vai bem.
Uma menininha se aproxima. Ela está com um vestidinho branco, rendado, com presilhas de marfim nos cabelos cacheados. Ela é minúscula, 4 ou 5 anos. A orquestra continua, a música é ensurdecedora, e ela me olha, fascinada. Concentrada em meus movimentos, eu mal a vejo, somente por alguns instantes, mas os seus olhos me tocam. Ela se balança. E começa a dançar, meio sem jeito, mas já no ritmo.
Nós somos feitos para dançar.
Onde está o mal?"
  • Como a sociedade vê a bailarina – ibn el raqa’sa! 
 
Mas a bailarina é muito mal vista na sociedade egípcia, a expressão em árabe “ibn el raqa’sa” – filho de bailarina – é carregada de desprezo, o nosso equivalente a "filho da puta". Dizem que as bailarinas são devoradoras de homens, destruidoras de lares e prostitutas. Elas são o mal, o pecado incarnado. Só porque elas dançam.
"Tudo isso porque nós dançamos, porque usamos o nosso corpo. Porque amamos a música, porque a dança é mais forte que tudo, e também porque nós mostramos como é a mulher em toda a sua liberdade, verdade e sedução."
A bailarina Keti Shariff, por exemplo, conta numa entrevista que ela parou de dançar no Egito porque o dono do hotel onde ela conseguiu o seu primeiro contrato pediu a ela um exame de AIDS, para que ele tivesse segurança para oferecê-la aos fregueses. A entrevista (em inglês), você encontra aqui.
As coisas estão ficando cada vez mais difíceis no Egito, Dina conta que cada vez mais ela vê mais pessoas que a olham torto, homens que se viram de costas quando ela entra em cena, mas que ao mesmo tempo olham para o telão para vê-la dançar.
  • Os extremistas - Ramadã  
Antigamente as mulheres andavam sem véu na rua e eram respeitadas. Dina se ressente. Segundo ela, os extremistas não se ocupam mais de religião, mas de ostentação, querendo quebrar os espíritos e acorrentar as almas. Para eles a dança é haram, proibido, pecado.
No Ramadã é comum que pessoas ricas e grandes empresas financiem grandes banquetes para os necessitados, mas Dina não pode fazer isso. Ela prefere ajudar pessoalmente aqueles que precisam à sua volta, porque dizem que não se deve comer da mesa de uma bailarina, porque o seu dinheiro é sujo, é pecado.
"Por longas horas eu li o Corão. O que eu acho que é haram, pecado, é roubar, usurpar os bens dos outros. Não ganhar o seu dinheiro com o seu esforço, com o suor do seu rosto. Mas eu acredito ainda mais que  é haram, é julgar os outros. Quem somos nós para julgar os outros? Somente Allah pode julgar.
Dançar é um dom de Deus."
"A liberdade custa caro. Minha vida é uma guerra, todo dia recomeçada."
Aguardem o próximo capítulo! 

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Kisses from Kairo - A prostituta do 4° andar


Quinta-feira, 31 de março, 2011
A prostituta do 4° andar
Por Luna do Cairo
Traduzido por Lalitha

Minha vida secreta como bailarina de dança do ventre no Cairo

Isso pode parecer esquisito, mas aqui no Cairo eu levo uma vida secreta. Eu não sou espiã nem nada. Eu sou apenas uma bailarina de dança do ventre. Mas eu faço um grande esforço para esconder isso das pessoas. Quando os egípcios me perguntam o que estou fazendo no Cairo, eu digo a eles que estou escrevendo um livro sobre "arte" egípcia. Eu mantenho as coisas vagas, mas não falsas. Afinal, eu estou escrevendo um livro e ele trata de dança do ventre, que é uma arte egípcia. Mas eu nunca menciono que pratico essa "arte". Fazer isso desencadearia uma série de consequências desfavoráveis para mim, e a menor delas seria ser rotulada de "prostituta".

Você deve estar pensando "E daí? Paus e pedras podem me ferir, mas palavras não me atingem." Infelizmente isso não funciona por aqui. Verdade que não é como se eu fosse ser apedrejada por ser bailarina de dança do ventre, mas eu poderia... vamos ver... ser expulsa do meu apartamento.

O mais estranho, é que foi exatamente isso que aconteceu comigo ano passado (na realidade, hoje é o aniversário de um ano do dia do meu despejo!). O proprietário, na prática, me expulsou do apartamento quando descobriu que eu sou bailarina de dança do ventre.

Foi isso o que aconteceu: Em setembro de 2009, eu estava caçando novamente um apartamento (pela 5ª vez no mesmo ano!). Depois de procurar por semanas, eu finalmente encontrei o apartamento perfeito em Doqqi. Ficava no quarto andar. Ele tinha 3 quartos de dormir, 2 banheiros, uma sala grande, E um quarto extra que poderia ser convertido num estúdio de dança. O mais importante: o preço era justo. Eu disse ao corretor que eu alugaria o apartamento e gostaria de assinar um contrato com o proprietário. O proprietário, segundo me informaram, estava morando no Kuwait, mas a sua irmã, Wiam, agiria em seu nome. Então eu fui conhecer Wiam e seus dois jovens filhos.

No encontro foi bastante cordial. E então surgiu A pergunta: "Então, o que você está fazendo no Cairo?" (note que, Wiam tinha acabado de dizer que ela era muito religiosa, e que toda a família dela era muito conservadora). "Eu... ah...estou escrevendo um livro sobre arte egípcia", falei sem nem pensar. "Ah! Então você frequenta a Universidade Americana no Cairo?", ela perguntou. "Hum... você pode dizer que sim", eu respondi, e então assinamos um contrato de aluguel de 6 meses.

Vamos avançar 2 meses. Eu fui contratada para dançar no Paradise Hotel, numa cidade chamada Ras Sidr, que fica a 3 horas do Cairo. Eu fiz o meu show habitual de 45 minutos com 3 mudanças de roupa. Deve ter sido a primeira vez que o hotel contratou uma bailarina estrangeira, e o público estava adorando cada segundo do show. Eles estavam animados, assobiando, batendo palmas, gritando e até mesmo jogando rosas para mim. Eu deixei o palco me sentindo muito bem comigo mesma...

...E então, 2 meninos se aproximaram quando eu estava me dirigindo ao camarim. "Com licença", eles disseram, "Você não é a moça que mora na Rua Doqqi n°22?", "HEIN? SIM!!! Eu... sou. Espera aí, como vocês sabem disso?!", eu perguntei. "Porque nossa mãe é a Wiam", eles responderam. "Ela estava sentada com a gente lá dentro assistindo você dançar. Ela disse que você dança muito bem."

As palavras dos garotos pesaram dentro de mim. Toda a alegria que eu sentia há dois segundos antes de vê-los se transformou em náusea. "Que sorte a minha", pensei. "Wiam me pega dançando dança do ventre num hotel aleatório a 3 horas de distância do Cairo! Agora ela vai contar para o irmão dela e ele vai me expulsar do apartamento."

Claro que meus pensamentos se tornaram realidade. Mohamed voltou do Kuwait para o Cairo em março do ano seguinte, e a primeira coisa que ele fez foi dizer que mais do que dobraria o valor do aluguel. Quando eu respondi que então eu não poderia pagar esse aumento, ele respondeu secamente que eu CERTAMENTE tinha muito dinheiro, visto que eu era bailarina de dança do ventre.

"Então é disso que se trata", eu disse, "eu sou bailarina de dança do ventre e isso te deixa desconfortável". Ele admitiu que ele não gostava da ideia de uma bailarina morar no apartamento dele, porque ele e a sua família eram "pessoas de Deus".

Então, o que isso faz de mim?! A filha de Satã?!?

Uma das coisas que eu mais odeio no Egito é a forma como a maioria dos egípcios vê a dança do ventre. Aqui, assim como no resto do mundo muçulmano árabe, dança do ventre é sinônimo de prostituição. Não é uma arte. A bailarina, ou ra'assa, é uma puta. Qualquer mulher que ouse mostrar o corpo e "excitar" os homens com suas sacudidas e vibrações sedutoras é desprezada.

Reconhecidamente, boa parte dessa forma de pensar se deve ao fato que, historicamente, muitas bailarinas de dança do ventre egípcias se envolviam com prostituição. Na realidade, é famoso o fato de que Mohamed Ali baniu todas as bailarinas de dança do ventre (awalim) do Cairo no século XIX por, supostamente, terem espalhado gonorréia entre os soldados franceses e ingleses posicionados na cidade.

O outro fator responsável por esse ponto de vista é o Islã, que tem uma presença forte no imaginário egípcio. O Islã ensina a modéstia feminina, e que a beleza de uma mulher deve ser reservada ao seu marido. Mostrar os cabelos ou o corpo na presença de outros homens é considerado pecado (sem mencionar dançar semi nua na frente deles!).

Ainda que eu estivesse consciente dessa mentalidade, eu sempre tive uma atitude de "não é meu problema" com relação a isso. Agora que eu moro aqui, é meu problema. Eu tomo precauções extras para que ninguém saiba que eu sou bailarina de dança do ventre. Eu mantenho a minha maquiagem a mais discreta possível quando estou indo e voltando do trabalho. Eu embrulho minhas bengalas de Said num saco de lixo preto grande, e quando pratico a dança em casa, mantenho a música baixa.

Mesmo assim, meu segredo acaba sendo descoberto, como os eventos que me levaram ao despejo comprovam. Na verdade, é mais comum as pessoas descobrirem, elas tendem a descobrir que eu sou bailarina de dança do ventre. Uma semana após me mudar para o meu novo apartamento, eu acidentalmente me tranquei do lado de fora. Incapaz de entrar, eu pedi ao meu vizinho que ele subisse no meu apartamento através das nossas varandas conectadas, pegasse a minha chave extra dentro da minha bolsa e abrir a porta. Aparentemente, ele foi incapaz de encontrar a chave, e acabou virando a bolsa de cabeça pra baixo para esvaziá-la. A chave caiu, junto com umas 40 fotos minhas nas minhas roupas de dança! E pronto. Meu segredo foi descoberto! Meu vizinho sabe que sou bailarina de dança do ventre. E, no Egito, se uma pessoa sabe, o país inteiro sabe. De fato, não demorou muito para os bawabs (porteiros) começarem a me olhar estranho quando eu entrava e saía do prédio. Eles também começaram a prestar mais atenção aos homens que as minhas colegas de quarto levavam para o apartamento, e ameaçaram chamar a polícia porque eu tinha visitas masculinas (i.e. eu estava criando um puteiro)! Apesar de não ser proibido ter ambientes onde convivem ambos os sexos, o sentimento islâmico com relação a segregação de gênero pesa mais do que outras considerações.

No entanto, por mais difícil que seja para mim, para as bailarinas egípcias é muito pior. Elas não só precisam esconder as suas vidas dos seus vizinhos e proprietários dos seus apartamentos, mas elas também precisam lidar com as suas famílias. A maior parte dos egípcios jamais aceitaria que suas filhas/irmãs/mães trabalhassem como bailarinas de dança do ventre. Eu me sinto mal por essas mulheres. Por um lado, elas ganham muito bem dançando. Por outro lado, elas levam uma vida dupla. Para tornar as coisas ainda piores, 99% delas realmente acreditam que a dança do ventre é haram, pecado, e juram que vão parar assim que tiverem juntado dinheiro suficiente para ter uma vida confortável. Para elas não é só um conflito social. É um conflito interno, e é um conflito que eu, como estrangeira, não preciso lidar.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Coisas de mulher - coletor menstrual e outras opções que ninguém fala

Por Lalitha

Menstruação e absorventes industrializados

Então, desde que comecei a escrever esse blog que quero falar sobre esse assunto, e como diz aí em cima, esse blog também é sobre o feminino, então nada mais justo que falar sobre a menstruação.

Muitas mulheres, hoje em dia, optam por não menstruar, utilizando-se de pílulas ou outros métodos hormonais para isso. Mas para quem ainda menstrua, essa fase do mês costuma ser cheia de problemas e tabus.

Não vou entrar no tema tabu dessa vez, não é o objetivo no momento (vamos falar disso em outra ocasião). O que quero tratar aqui, hoje, é como lidamos com a menstruação em si, porque não são todas que se dão bem com os usuais absorventes industrializados. Muitas têm alergia ao material plástico usado nos absorventes industriais, enquanto outras sofrem de cândida ou outras irritações por conta do "abafamento" que absorventes, tanto internos quanto externos, podem provocar.

Pessoalmente, nunca curti absorventes internos, acho horrível colocar aquele maço de algodão lá dentro. Os atuais aplicadores ajudam, mas depois fica aquele fiozinho pendurado e... sério, me dá nervoso. Já os externos o meu problema é o mesmo de diversas outras mulheres: alergia. (Engraçado que só fiquei sabendo quão comum era esse problema quando comecei a comentar com as minhas amigas, que também sofriam com alergia a absorvente, mas nunca diziam nada a ninguém, por que será que esse silêncio persiste, minha gente?)

E, como todo problema alérgico, foi piorando com o tempo. Primeiro eu deixei de usar os absorventes com aquela camada plástica e só usava os de "algodão" (porque aquilo não é só algodão, querida, tem um monte de química junto), depois até os ditos de algodão começaram a me incomodar. Todo mês era um suplício, uma semana menstruada, uma semana assada.

Até que resolvi dar um BASTA! Ninguém que eu conhecia tinha outra opção para me indicar. Sério. Nem meu ginecologista sabia o que me dizer. Daí resolvi catar na internet.

Sabe que tem muita coisa por aí que nem desconfiamos?

Existem alternativas!!!!

Primeiro procurei saber se alguém fazia absorvente de PANO, daqueles do tempo da vovó, que se lava, seca e reutiliza (porque se calcinha nunca me deu alergia, um absorvente verdadeiramente de algodão seria tranquilo, certo?). E sabe de uma coisa? SIM!!! Temos diversas fornecedoras brasileiras de absorventes de pano atoalhado! Se você colocar no Google, acha um montão! E tem de tudo quanto é jeito, tamanho, cor... um barato!

Absorvente de pano que prende na calcinha


O chato é que precisa lavar (e esperar secar pra usar de novo), então você precisa comprar VÁRIOS deles e ter estoque, fora o inconveniente de guardá-los sujos na bolsa para levar de volta pra casa. Se você não liga para essas coisas, é uma ótima opção para se livrar de alergias e cândidas. Eu já testei e aprovo. Ele até que segura bem um fluxo mais forte, inclusive você encontra alguns modelos que tem abas e prendem na calcinha.

Agora, a outra opção mais diferente e alternativa que encontrei foi o COLETOR MENSTRUAL. Eu nunca tinha ouvido falar disso, mas está virando febre na internet!!! Foi a coisa mais revolucionária que encontrei. Mas o que é isso exatamente?
Coletor menstrual

O coletor menstrual é um recipiente em forma de cálice (aí em cima a foto!), normalmente feito de silicone medicinal (usado em cirurgias, e totalmente hipo alergênico), que você encaixa no canal vaginal e que coleta o seu sangue, sem deixar vazar nem uma gotinha. NEM UMA GOTINHA. E gente, eu testei! Usei o coletor numa aula especialmente agitada de kung fu e em seguida dei uma aula inteira só de shimmies (1h de aula de kung fu + 30 min de caminhada quase corrida entre uma aula e outra + 1:30h de shimmie)! Nem uma gotinha, e no auge do meu fluxo!

Além disso, ele é o mais ecológico de todas as opções, porque é reutilizável (nada de montanhas de absorventes não recicláveis jogadas no lixo) e você não gasta tanta água e sabão para lavar (comparado com a opção do absorvente de pano que, convenhamos, é chato de lavar e gasta muita água e sabão).


Agora, esse coletor infelizmente não é para qualquer uma. Lembra a história do tabu? Pois é. Para usar um coletor menstrual você precisa estar confortável com você mesma. Porque para colocar um coletor no lugar e retirá-lo você precisa colocar os dedos dentro da vagina. E na hora de tirar, dependendo do seu fluxo, você pode acabar se sujando de sangue, claro. Fora que é preciso lavar o coletor e isso envolve lidar com o seu próprio sangue menstrual (que é super limpinho, gente, vamos combinar). Se nada disso nunca foi um problema para você, é a sua solução! E não importa a idade, ou se você já teve filhos de parto normal, o coletor vem em tamanhos diferenciados!

Se você for virgem converse com o ginecologista antes de tentar usar, OK?

Usando um coletor menstrual

Os coletores menstruais, são bem simples de utilizar. A forma correta de introduzi-los é essa aqui:

Formatos para dobrar o coletor menstrual, facilitando a introdução
Posição do coletor dentro do canal vaginal

Mas um pouco de experiência ajuda, porque você precisa saber qual é o melhor ângulo para introduzir no canal vaginal, e precisa descobrir quais são as melhores posições (a mais fácil é sentada no vaso, onde dá para relaxar, mas outras posições são possíveis também: de cócoras, com uma perna levantada de lado, semi-agachada - aquela posição que usamos para usar o vaso sem sentar, etc). Mas isso você descobre usando, portanto não desista da primeira vez se tiver dificuldade. Respire fundo e relaxe, se você estiver tensa, aí é que não vai entrar mesmo. Eu mesma tive dificuldades no início, mas aí eu pensava no absorvente comum e o que ele me causava e tentava de novo! Depois de uns 2 dias de incômodo (porque eu não tinha aprendido a colocar direito ainda), a coisa começou a funcionar bem. Hoje já faz um ano que uso coletor e não troco por nada.


Alguns coletores vem com uma haste, que dependendo do canal vaginal, pode espetar e incomodar (experiência própria! demorei uns 2 dias para ter coragem de cortar a haste), mas isso é facilmente resolvido cortanto-se um pedaço da haste (cuidado para não cortar tudo! Além de vazar, dificulta a retirada do coletor se não tiver nenhuma haste ou base para segurar).

Outra coisa que se precisa saber, é que dependendo do tamanho do canal vaginal, o coletor pode encostar no colo do útero, e aí é preciso encaixar a saída do útero dentro do coletor, porque, além de incomodar se ficar do lado de fora,o sangue não será coletado corretamente e aí, gente, vaza. Para saber onde fica e o que é colo do útero, coloque os seus dedos dentro da vagina (pode ser um só, é suficiente) e procure uma protuberância durinha (parece um bico), esse é o seu colo do útero, é ele que deve ficar dentro do coletor.

E não se preocupe se você acha que você é "larga" ou já teve filhos por parto normal, o coletor vaginal costuma ter mais de um tamanho disponível, veja com o fornecedor o mais adequado para o seu caso. E fornecedor, hoje em dia, é o que não falta! Além dos fornecedores "tradicionais" estrangeiros, hoje já temos fabricantes nacionais! Se o preço do coletor brasileiro não for mais em conta, for igual ao estrangeiro, pelo menos você poupa o ambiente ao diminuir a importação de produtos (que gasta muito combustível viajando pelo mundo).

Higiene do coletor

Outro fator importante ao usar o coletor menstrual é a sua limpeza. O sangue menstrual em si é limpinho, ele fica com aquele cheiro característico por conta do contato com o ar, que aí sim favorece o aparecimento de bactérias (em última instância o coletor é mais higiênico que o absorvente comum).

Mas para manter o coletor limpinho, é preciso retira-lo e limpa-lo no intervalo de no máximo 10h. O ideal é limpa-lo sempre com água e sabão, mas caso isso não seja possível, é necessário pelo menos uma "aguinha", chuveirinho funciona bem se você estiver num banheiro público. E sim, é preciso lavar as mãos com água e sabão antes de fazer a "operação".

Entre cada ciclo também é bom fazer uma limpeza mais profunda. O ideal é ferver o coletor durante 5 minutos em água. Não se preocupe, ele não derrete e esfria muito rápido. Pessoalmente, eu acho melhor fazer isso logo antes de utilizar pela primeira vez no ciclo.

Então, como vocês podem perceber, esse é o único inconveniente do coletor: fazer a limpeza dele na rua pode ser complicado. Se você tiver um lugar minimamente limpo para fazer isso, é super tranquilo. Em viagens e para quem passa o dia todo fora sem acesso a um banheiro aceitável é que fica difícil. Mas nada impede que se misture o coletor com outros tipos de absorvente, né? Dependendo do caso é só ajustar o que você vai usar no dia. E vou te dizer uma coisa: poder dormir com o coletor, sem calcinha, durante a menstruação, sem se preocupar com vazamento, não tem preço!

E então, alguém já usou essas alternativas e quer compartilhar também a experiência?

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Kisses from Kairo agora no Ventre da Dança!


Então, gente, 2012 já começa com novidades! Além de continuarmos com o "projeto" Ma liberté de Danser da Dina, vamos começar com a tradução do blog Kisses from Kairo! O blog originalmente conta com o tradutor automático da Microsoft, como vocês podem perceber, mas eu ODEIO esses tradutores, sempre fica esquisito e algumas coisas simplesmente não fazem sentido! Então, com a permissão da Luna, bailarina americana e autora do blog, vou começar a postar aqui as histórias que ela escreve no blog! Quando houver algum vídeo com entrevistas em inglês e/ou francês postarei também a tradução do que for comentado nos vídeos!

Como o blog dela começou ano passado decidi começar pelo primeiro post dela e vamos andando até chegar nos posts atuais, ok?

Não deixe de dar uma olhada no blog dela para ver os vídeos e fotos!

E agora aproveita, pega um lanchinho e uma bebida que vamos começar nossa viagem!

Domingo, 27 de março, 2011
Minha história
Por Luna do Cairo
Traduzido por Lalitha

Mais de dois anos atrás, eu troquei a agitação e o tumulto de Nova Iorque pelo Cairo. Eu tinha acabado me formar em Harvard, obtendo um mestrado em Estudos do Oriente Médio, e tinha ganhado uma bolsa Fullbright (N.T.: bolsa concedida pelo governo americano para estudos no exterior, detalhes aqui) para escrever um livro sobre dança do ventre no Egito. Porém, um objetivo meu mais secreto era aprender a verdadeira dança do ventre egípcia. Desde que eu tinha participado do Festival da Raqia Hassan, Ahlan wa Sahlam, em 2006, eu sabia que isso só poderia acontecer no Egito.

Apesar de ter feito várias aulas de dança do ventre e de ter me apresentado por um ano em Nova Iorque, eu nunca tinha visto nada parecido com a Dina,  Randa, Asmahan, Soraya e Katia nos Estados Unidos.  As suas performances nos shows de gala de abertura e do final do Festival me hipnotizaram, mas também me fizeram perceber que eu não sabia dançar. Eu percebi que para ser um tantinho tão boa quanto essas mulheres, eu teria que passar um tempo morando no Egito.

Convencida de que me mudar para o Egito era impossível, eu coloquei meu desejo de lado e me concentrei nos meus estudos. Me inscrevi no programa de Mestrado da Universidade de Harvard em Estudos do Oriente Médio e fui aceita. Pelos dois anos seguintes da minha vida, eu passei dias e noites na biblioteca estudando o Islã radical, mas nunca esqueci meu sonho de morar no Cairo. Então decidi concorrer a uma bolsa Fullbright para receber financiamento para fazer pesquisa no Egito.

A Fullbright parecia ser a forma perfeita de ir, mas eu teria que propor um projeto de pesquisa inovador e convincente para ganhar uma bolsa de estudos. Claro que o primeiro tópico que me veio à cabeça foi dança do ventre, mas o quê era realmente importante de ser estudado nessa dança? O quê seria interessante para a maioria não-praticante de dança do ventre nos Estados Unidos?

Depois de muito refletir, eu decidi que iria escrever um livro sobre como a ressurgência do Islã no Egito impactou negativamente a dança do ventre no país, e a vida das mulheres no geral. Eu iria demonstrar como a dança do ventre era comum há 30 anos atrás, e como havia tantas estrelas. E como hoje, só tem a Dina, e amanhã, não haverá ninguém. E eu tentaria entender o porquê.

Para minha grande alegria, eu ganhei a bolsa Fullbright. Eu estava em êxtase! Eu finalmente realizaria meu grande sonho e ao mesmo tempo envolveria o meu lado acadêmico (de um jeito meio dança do ventre :) )

Desde que cheguei ao Cairo, em setembro de 2008, eu consegui fazer muita coisa, inclusive coisas que eu não tinha programado. Eu entrevistei estrelas da dança do ventre (as entrevistas serão postadas depois), fiz diversas aulas, participei de muitos festivais, e apareci como professora assistente nos DVDs da Raqia Hassan, Mohamed Shahin, Dalila do Cairo e Atef & Magda da Troupe Reda. E ainda tenho desenhado minhas próprias roupas e trabalhado com os top designers do Cairo para executar as minhas ideias.

Mais inesperadamente, eu comecei a dançar no Cairo, tornando realidade um sonho que eu não sabia que tinha. Apesar de nunca ter pensado em dançar aqui, inúmeras oportunidades começaram a aparecer. Mais recentemente, eu assinei um contrato com o Hotel Semiramis (N.T.: mesmo hotel onde trabalha a Dina) e com o Egypt Tour Nile Cruises, onde eu tenho me apresentado de 2 a 6 vezes por noite, toda noite.

Não obstante a minha boa sorte, eu estaria mentindo se dissesse que minha vida aqui é só brilho e glamour. Viver e dançar no Egito custa muito caro - mentalmente, emocionalmente, fisicamente e financiamente. Pouco a pouco, muitas das coisas que valorizo foram sendo tiradas de mim. Certas liberdades, segurança financeira, independência, algumas vezes até mesmo minha felicidade, respeito próprio e minha sanidade. Isso sem mencionar que eu sinto falta da minha família e dos meus amigos que ficaram em casa.

Então, por que eu faço isso? Eu faço isso porque nada se compara com a alegria que eu sinto me apresentando com uma grande banda e para um público apreciador. Eu faço isso porque amo montar o meu show inteirinho, desde a escolha dos músicos até a coreografia das músicas e tudo o mais que fica no meio do caminho.

Eu também faço isso porque eu posso, ENQUANTO eu posso. A triste verdade é que a dança do ventre é uma carreira curta (pelo menos no Cairo). Ela demanda uma determinada aparência e idade. Se eu for ser uma bailarina de dança do ventre no Cairo, agora é a hora, antes que eu fique mais velha, case, e me comprometa com outras coisas. E apesar de ser muito criticada pela minha família, meus amigos e por outras bailarinas por ter escolhido esse caminho para a minha carreira, eu sei, do fundo do meu coração, que é isso que eu quero fazer. Na verdade, meu maior medo é chegar aos 40 anos, olhar para trás e dizer "eu gostaria de ter feito...". Mas pelo andar da carruagem, eu não preciso me preocupar com isso! :)

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Ma liberté de danser - Antes de começarmos - linha do tempo

Por Lalitha

Para melhor ilustrar o livro da Dina, resolvi fazer uma pequena linha história (e resumida também, então não tem todas as bailarinas, ok?) das bailarinas do Egito... mais informações sobre essas bailarinas surgirão futuramente no blog, por hora focaremos apenas em entender o que foi mudando ao longo do tempo na sociedade e no estilo da dança.


Onde se situa Dina? – linha do tempo das bailarinas Egípcias

1950-1960 – Conhecida como Época de Ouro da dança do ventre, nesse tempo as mulheres usavam até mini-saia nas ruas do Cairo e as bailarinas eram veneradas pelo público. As mulheres andavam como as européias pelas ruas, com braços e pernas à mostra, e os cabelos soltou. As mais conhecidas aqui no Brasil dessa fase são: 

 Naima Akef

Samia Gamal (com Farid Atrache)

 e Tahia Carioca

Para conhecê-las melhor procure o DVD The Legends:

Vocês vão reparar que as bailarinas dessa época primavam pela técnica e faziam grandes espetáculos, além de serem reconhecidas como grandes Damas, sendo extremamente elegantes e comportadas dentro do que era considerado aceitável na época (que era bem mais liberal).


1960 -1970 – As bailarinas dessa época ficaram em atividade até meados dos anos 80 e 90. Mas, apesar de ainda contar com grandes estrelas e ainda serem admiradas pelo público, as bailarinas e a dança começaram a sofrer com as mudanças que ocorreram na sociedade egípcia a partir de 1970, culminando com a guerra do golfo em 1990. Nessa fase o Egito foi se tornando cada vez mais conservador, aos poucos as mulheres abandonaram as roupas e modas européias e passaram a usar o véu nas ruas. Das bailarinas dessa época, poucas se aposentaram mantendo o respeito do público, dentre essas poucas estão Nagwa Fouad, Souheir Zaki e Lucy. Outras fizeram muito sucesso, mas hoje são mal vistas, como Fifi Abdou. Nessa época também começou a “invasão” das bailarinas estrangeiras, que hoje disputam espaço com as nativas.


Nagwa Fouad


Souheir Zaki


Fifi Abdo

A partir dessa época as bailarinas ficaram mais ousadas (vide o exemplo da Fifi Abdo). Foi quando dançaram pela primeira vez Oum Kalsoun (Souheir Zaki). Grandes espetáculos ainda eram montados, e o auge das grandes produções chegou com Nagwa Fouad, que era extremamente criativa e gostava de coisas grandiosas. Muitos dizem que foi uma época de decadência também, com as bailarinas ficando menos elegantes e mais abusadas. Qualquer que seja a sua opinião, o fato é que o cenário foi realmente mudando.


HOJE – Existem apenas 3 bailarinas egípcias famosas ainda em atividade: Dina (começou entre os anos 80 e 90), Lucy (aposentou-se muito recentemente e começou nos anos 80) e Randa Kamel (conhecida mais fora do que dentro do Egito). 

 Lucy 

 Dina

 Randa

Hoje as bailarinas já não fazem mais grandes shows, e a sua dança é bem diferente das gerações anteriores, e Dina é mesmo muito copiada, como vamos ver nos próximos posts.

Para maiores detalhes sugiro esse site aqui :-)