sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

A Dança do Ventre vs O Mercado

No final do ano passado o mundo da dança do ventre foi novamente sacudido por conta de um vídeo da Esmeralda, onde ela diz com todas as letrinhas que para você trabalhar no mercado de dança do ventre não pode ser/estar gorda. Veja o vídeo aqui.

O Facebook virou quase praça de guerra por causa disso, com diversas pessoas concordando e discordando da nossa pedra preciosa. Pois nossa querida Esmeralda resolveu realmente cutucar onça com vara curta.

Vejamos, Esmeralda foi muito assertiva com a sua colocação, e com relação ao atual Mercado de dança do ventre, ela, infelizmente, está certa. Sejamos realistas, de todas as profissionais famosas (veja bem, além de profissional, aqui estamos falando de FAMA, porque é isso que o mercado define, certo?) quantas são gordinhas? E isso não tem absolutamente nada a ver com a qualidade das nossas maravilhosas profissionais fora do padrão. Todas já estamos cansadas de saber e de ver como a qualidade de uma bailarina de dança do ventre não tem nada a ver com o formato do corpo. Inclusive, nós professoras gostamos de falar sobre como a nossa dança é democrática, não é?

Antes de julgar o Mercado da dança, vamos entender uma coisa: estamos falando de Mercado, não de Arte. (o pessoal do Sala de Dança tratou desse assunto lindamente aqui). E além disso, estamos falando de um Mercado inserido num mundo mais amplo, numa cultura mais ampla. Para entender o mercado da dança do ventre, é preciso entender que ele nada mais é que um espelho de um mercado maior. E nesse mercado maior, o que se espera que seja uma mulher?

Vamos fazer a lista do que se espera que as mulheres sejam no nosso mundo atual: magras, gostosas, lindas, cheirosas, em forma, arrumadas, elegantes, sensuais (mas não muito, hein?), delicadas, amorosas, passivas... ufa! A lista não termina nunca, e é impossível de seguir à risca. Quer ter uma ideia do que se espera que seja uma mulher perfeita? Passe numa banca de jornal e olhe as capas das revistas. Sério, faça esse exercício e veja como o nosso mercado de dança é igualzinho: cheio de brancas, magras, de cabelão.

pequena amostra de capas de revistas nacionais, mas se você procurar no mundo inteiro vai ser muito parecido
E aí, percebemos que o problema não é da dança do ventre, nem do mercado específico da nossa amada dança. O problema é crônico e sistêmico na nossa sociedade. Tanto no Brasil quanto no exterior.

E chegamos ao ponto mais interessante desse assunto: como mudar isso? Porque não adianta fingir que o elefante não está na sala, que ele não vai sumir por pura mágica. As bailarinas de sucesso não vão passar a ser um exemplo de diversidade porque isso é o sonho de ninguém. (infelizmente, seria lindo se as coisas fossem simples assim)

Que tal começarmos a mudança em nós mesmas??? Primeira coisa e a mais importante de todas: parem de criticar as outras por causa da aparência. Quem nunca foi num show/festival e ouviu alguém fazendo comentários maldosos sobre o peso da bailarina em cena?

"Ela até que dança bem, pena que é gordinha/velha/magra demais/rótulo da vez."
(ai gente, desculpa, mas isso dói na alma, e olha que preconceito disfarçado de elogio é a coisa mais comum do mundo)

"Nossa, admiro a coragem dela de dançar mesmo assim em público."
(se ganhasse um real toda vez que eu ouvi essa frase eu estaria rica)

Gente, acorda, é aí que a coisa começa! Não julguem as outras pela sua aparência, seu peso, seu cabelo, sua cor de pele. Não é construtivo para ninguém. E isso é válido fora do meio da dança também, ok? (sabe aquela coisa de apontar os outros na rua? é falta de educação, tá? mesmo que seja em voz baixa)

Segunda coisa: PRESTIGIEM as bailarinas que vocês gostam independentemente de quão dentro ou fora do padrão elas sejam: gordinhas, baixinhas, negras (brasileiro é mestre em dizer que não é racista, mas, falando sério, quantas bailarinas negras aparecem como destaque por aí?), de cabelos alternativos, tatuadas, da terceira idade, do sexo masculino... porque a ARTE não tem fronteiras. Para mudar o mercado, precisamos de mais gente querendo ver coisas DIFERENTES!

Terceira coisa: para aquelas que organizam shows/festivais, por favor, escolham as participantes dos seus eventos pelo seu mérito, não pela "beleza" que vão trazer para o seu banner, ou porque você está trocando favor com alguém. Vamos fazer mais eventos alternativos? Para mudar o mercado, precisamos provar que o que não está sendo mostrado no mercado também faz sucesso, nem para isso a gente crie o nosso próprio mercado :-)

Então vamos à prova cabal de que a dança é para todxs???? (desmentindo a parte da fala da Esmeralda sobre a necessidade de um tipo de corpo para a dança aparecer?)

Começando com uma grande mestra do Rio de Janeiro: Samra Sanches!!!



Passando pela hours-concours Natalia Trigo, também do Rio:



Não podemos esquecer a campeã do Mercado Persa, Joelma Brasil:



A maga dos quadris Dunia La Luna, de São Paulo:



Temos a fabulosa Najla El Hazine, professora de São Paulo, que me faz quase chorar quando a vejo dançar:



Temos também a Tahya Brasileye:



A fofíssima Mayara Rajal, do Rio:



Também do Rio, a estudiosa Lu Ain-Zaila:



E mais uma do Rio, arrasando ao vivo com músicos egípcios, Eliza Fari:



As terras cariocas estão cheias de talento... Smirna prova que maturidade é importante!



Entre as estrangeiras, temos a diva Caroline Labrie:



Então, gente, vamos deixar os nossos preconceitos em 2013 e começar 2014 com novas ideias e concepções?

PS: Em tempo, quem quiser argumentar que no Egito é diferente, pense nos padrões de beleza que eles valorizam, e para ouvir uma boa descrição de onde veio esse padrão (abrangendo inclusive a questão do racismo que muito brasileiro gosta de fingir que não existe aqui), veja esse podcast aqui.