sexta-feira, 13 de abril de 2012

Kisses from Kairo - O derbakista de $6,78


Quinta-feira, 16 de junho, 2011
O derbakista de $6,78
Por Luna do Cairo
Traduzido por Lalitha

Depois de 6 meses trocando de derbakista como eu troco de roupa, eu FINALMENTE encontrei o derbakista perfeito para completar a banda. Ele é talentoso, potente, traduz apropriadamente os meus movimentos, não é preguiçoso nem mesquinho. Ele é tudo o que eu estava procurando num derbakista, e eu não poderia estar mais satisfeita. Mas, como sempre, há um problema. Os outros integrantes da banda não gostam dele. Eles dizem que ele é arrogante e que faz gestos e caras esquisitas para eles. E eles o querem fora da banda.

Senhoras e senhoras, vocês vêem contra o quê estou lutando? Caras esquisitas?! Sinto-me como se estivesse lidando com um bando de crianças!

Lidar com os músicos é uma das partes mais difíceis do meu trabalho. Eu tenho alguém para lidar com eles diretamente (isso porque não é "prestigioso" para a bailarina conversar diretamente com os músicos), mas eu ainda assim sinto os efeitos dos seus egos grandes demais e suas infantilidades. E na noite passada, eu realmente saí do sério. Nós estávamos no palco, quase terminando o show com um solo de derbake, quando, de repente, a banda parou de tocar. Eles me deixaram plantada na frente da platéia sem ter música para dançar! Eu me virei para ver qual era o problema, só para encontrá-los discutindo com o derbakista.

Eu devo ter olhado para eles com a cara mais feia do mundo, porque eles pararam imediatamente de discutir e voltaram a tocar. E foi nessa hora que eu finalmente entendi todos os momentos de fúria-no-palco que eu já testemunhei entre bailarinas egípcias e seus músicos. Para o bem do show, eu me recompus. Mas quando nós saímos do palco, eu lancei a minha fúria em cima da banda - reclamei por uns 5 minutos sem parar nem para respirar. Eu acho que joguei para fora toda a frustração acumulada nesses últimos dois anos no Cairo, e isso foi muito booooooooom. :)

Basicamente, o principal argumento da minha reclamação foi "CRESÇAM!". Eu expliquei para os músicos que existe algo chamado etiqueta de palco - que mesmo que o derbakista seja mesmo um babaca ou crie confusão, isso não é desculpa para a banda toda parar o show para discutir com ele. Nós resolvemos os nossos problemas fora do palco. Nesse ponto os músicos responderam dizendo que o derbakista "está tentando mostrar pra você como ele é uma estrela". Ao que eu tive que responder rispidamente "Que aqui não tem estrelas! Nenhum de nós é uma estrela! Michael Jackson é uma estrela. Amr Diab é uma estrela. VOCÊS não são estrelas! Quando eu me inclino para a banda no final do show, eu não vejo indivíduos, muito menos estrelas! Eu vejo um grande borrão de instrumentos - uma banda - um time. E eu faço parte desse time, então conta outra!"

E eu continuei dando a eles uma aula sobre a realidade. Nós somos artistas, eu disse a eles, e a maioria dos artistas tem egos grandes demais. Especialmente aqueles que sabem que são bons no que fazem. Vocês também têm egos. Senão não estariam incomodados com o derbakista querendo aparecer para mim como se fosse "uma estrela". Na vida e no trabalho você precisa estar preparado para encontrar todos os tipos de personalidade. Você vai encontrar o arrogante, o mesquinho, os mentirosos, os que gostam de contar vantagem, o humilde, o leal, o honesto, o desonesto, o bom, o mau e o feio. Você precisa saber como lidar com cada tipo sem interferir no seu trabalho ou no trabalho dos outros. Isso se chama profissionalismo.

E essa é a razão porque eu acho que um bacharelado em psicologia infantil deveria ser um pré-requisito para dançar dança do ventre no Cairo. :D

Dessa vez os músicos não me responderam. Eles perceberam que eu estava certa, e que eu não iria tolerar esse tipo de comportamento para com o melhor derbakista que eu pude encontrar por $6,78.

É isso mesmo, esse derbakista ganha $6,78, ou 40 libras egípcias, por uma hora de show. Isso é menos do que o salário mínimo na maioria dos estados dos EUA! É, entretanto, um pouquinho mais do que os demais músicos da minha banda ganham, e isso só porque eu estou pagando a ele o pouco a mais que ele pediu por fora, da minha parte do dinheiro (Sim, os salários dos músicos pode ser ridículo ASSIM no Cairo). E a razão pela qual eu aceitei pagar a ele o extra de $2,54 do meu miserável salário de $33,90 é porque ele é bom. Ele é também o único derbakista do nível dele que concordou em trabalhar por essa quantia ridícula.

Eu estou disposta a fazer isso porque achar um bom derbakista não é uma tarefa fácil quando o salário fixo é de apenas $4,25, ou 25 libras egípcias, para o derbakista. Apesar deles custarem um centavo a dúzia, nem todos os derbakistas são iguais. Eu vou esclarecer isso, fazendo uma descriminação dos diferentes tipos de derbakista.

Primeiro, existe o derbakista que só trabalha em orquestras pequenas, normalmente de até 5 músicos (takht). Eles são chamados acertadamente de takhatees, e não trabalham com cantores ou bailarinas.

Depois, estão os derbakistas que trabalham exclusivamente com cantores. Esse tipo de derbakista precisa ter conhecimentos específicos.

A terceira categoria de derbakistas é daqueles que trabalham com bailarinas, ou tabbal ra'assa, como se diz em árabe. Esse é o derbakista sintonizado com os detalhes da dança do ventre. Ele sabe quando tocar um DUM e quando tocar um TAK de acordo com o que a bailarina estiver fazendo no palco. E mais importante, ele sabe como traduzir os movimentos em música.

As quartas e quintas categorias de derbakistas eu mesma inventei. São eles: bons debarkistas e maus debarkistas, e eles existem em todas as 3 categorias mencionadas anteriormente.

Por conta do salário ridículo, eu só consegui trabalhar com derbakistas muito ruins até agora. Derbakistas de $4,25. Isso é mais triste do que frustrante, porque o derbakista, ou tabbal, é, sem dúvida, o integrante mais importante da banda. Ele define o andamento da música e as deixas para os demais músicos. Mais importante: ele faz a bailarina dançar! (Sem dúvida, de diversas formas, o derbakista é a bailarina). Na falta de um derbakista talentoso, a bailarina está simplesmente ferrada. Todos os seus acentos vão sumir, e o seu solo de tabla será risível.

O mais engraçado disso tudo é que todos os derbakistas de $4,25 que trabalharam comigo até agora reclamaram de mim. Eles dizem que nunca viram uma bailarina como eu - que eles não conseguem me acompanhar. DUMs e TAKs demais. Aaaaah, como eu gosto de vê-los suando tanto quanto eu num show. :D

O verdadeiro problema é que esses derbakistas ficaram preguiçosos por nunca ter tido que trabalhar duro com as bailarinas egípcias. Isso porque a maioria das bailarinas egípcias não dança de verdade e não está nem aí, mas isso é assunto para outro post. Tocar derbake para uma bailarina estrangeira é algo completamente diferente - requer um derbakista experiente em trabalhar com estrangeiras. E por isso, meus amigos, que eu quero manter o meu derbakista a qualquer custo. Desejem-me sorte. :)

terça-feira, 10 de abril de 2012

Ma liberté de danser - Cap. 5 - A última bailarina do Egito


Por Lalitha

AVISO IMPORTANTE:

Então, gente, antes de entrarmos no material relativo ao quinto capítulo do livro da Dina, quero ressaltar que apenas as partes em itálico e entre aspas são trechos traduzidos do livro (as traduções são minhas e às vezes contem alguma adaptação para facilitar o entendimento do trecho fora do texto completo), e deixo claro que não traduzi o livro inteiro, apenas algumas passagens que julguei importantes ou bonitas. Todo o resto do material é uma compilação de informações contidas no livro e de pesquisa própria minha feita na internet ou na minha biblioteca particular.

O material aqui exposto está todo dividido por capítulo (um capítulo por post, sempre) e cada capítulo está dividido em tópicos para tornar a apresentação mais dinâmica. Adotei essa divisão por pura comodidade e para tornar o material mais didático, o livro não está dividido dessa forma.

5. A última bailarina do Egito

          O Egito hoje



Há alguns anos a revista americana News Week publicou uma matéria sobre a dança no ventre no Egito, dizendo que era uma arte no caminho da extinção, e que Dina era a ultima bailarina do Egito.


"Esse título me faz orgulhosa e triste. Das 5 mil bailarinas profissionais que existiam no Egito em 1957, não têm mais do que algumas dezenas hoje em dia."


Hoje em dia, se um turista quer assistir dança do ventre no Egito, dificilmente verá uma nativa, apenas estrangeiras. E há alguns anos, quando elas começaram a chegar no Egito, elas foram vistas com desprezo pelas egípcias, porque, apesar delas saberem dançar, faltava a elas compreensão da música, da letra, da cultura.


"A dança do ventre é uma linguagem. Você pode copiá-la, pronunciá-la com perfeição, mas se não a conhece profundamente, com tudo o que ela carrega de significado, de história, de cultura, de emoção e tradição, você deixa algo escapar."


Só que hoje em dia, cada mais vez mais estrangeiras sabem disso, e procuram de aprofundar nos seus estudos, estudando o árabe, os ritmos e a cultura, e Dina percebe que cada vez mais elas entendem o que estão dançando. E elas vivem a dança do ventre sem tabu, e não existem mais egípcias para rivalizar com elas.

          Histórias da dança do ventre

Desde que Salomé seduziu o rei Herodes, as bailarinas sofrem com má reputação (você pode ver uma resenha que fiz sobre a famosa peça aqui)


"porque elas representam a feminilidade em todo o seu poder, e isso dá medo. E atrai ao mesmo tempo. A dança oriental, mais de que qualquer outra dança no mundo, encarna todos os aspectos da mulher: a sedução, o abandono, o êxtase carnal, o jogo, o compartilhar, a generosidade, o parto, a liberdade. Ela simboliza a alegria e a tristeza."


No Egito a história da dança se confunde com a história do país. As alméias, mulheres de cultura e intelectuais, eram poderosas, e encantaram por séculos os palácios dos sultões otomanos. Apenas elas podiam entrar nos haréns e ensinar as mulheres os segredos da dança e das artes. Elas povoaram as fantasias dos estrangeiros orientalistas no século XVIII. Foi nessa época também que Napoleão invadiu o Egito, e seus soldados ficaram enfeitiçados pelas ghawazi (invasoras de corações), que eram bailarinas e acrobatas. Mas elas também eram pobres e sem educação, e por isso, eram prostitutas


"E dessa forma a dança que elas praticavam foi taxada de vergonhosa, uma vergonha que persegue as bailarinas até hoje."


Pois numa noite sangrenta, Napoleão, cansado do poder que essas mulheres tinham sob os seus soldados, captura 400 delas e manda decapitá-las e jogar os seus corpos no Nilo. O sultão Mohahmed Ali também as expulsa do Cairo, e elas precisam fugir até Esna, perto de Assuã. Somente em 1886 a proibição foi retirada.


"Em cada casa, para cada casamento, elas eram chamadas, pois sua presença era garantia de fertilidade no futuro."


Mas as bailarinas mudaram nesses anos de perseguição, se misturando com outras artistas vindas de outros lugares, como o Líbano e a Síria. A maior parte simplesmente sumiu.  


"E o espírito das alméias se juntou com a força vital das ghawasi."


Em 1893 houve a Exposição Universal em Chicago, e pela primeira vez as egípcias chegaram nos EUA, causando furor. A mais famosa da época era uma bailarina chamada Little Egypt. A partir de então os cabarés e Hollywood se apaixonaram pela dança do ventre, criando esse nome para a dança oriental e parodiando as suas roupas, até chegarmos no “uniforme” de cinturão e bustiê.

Foi nessa época que o cinema egípcio despontou, que o Cairo ganhou seu apelido de OUM EL DOUNIA - a mãe do mundo, por conta da sua influência em todo o mundo árabe.


"Nós éramos o orgulho do mundo árabe, um farol de cultura, de arte e de liberdade, nós guiávamos toda uma civilização."


    •     Quando Dina começou

Ainda tinha muitas grandes bailarinas na ativa, no topo havia: Nagwa Fouad, Soheir Zaki, Fifi Abdou, Lucy e Zizi Mustafa.

Mas isso não quer dizer que era fácil, há mais de 100 anos que se falam horrores das bailarinas, no início do século XX, por exemplo, elas não podiam nem testemunhar em tribunais. Dizia-se que todas as bailarinas eram antigas moradoras de rua, que conseguiram sair da rua por conta da dança, e que por onde elas passassem você podia sentir o cheiro de enxofre.

Porém, na virada dos anos 80 para os anos 90, o público já tinha um conhecimento maior dessa arte, e sabia reconhecer as verdadeiras artistas.


"As maiores bailarinas eram respeitadas, idolatradas. E paradoxalmente, ninguém queria ver sua filha se tornando bailarina!"


Mas mesmo nessa época as coisas já tinham começado a desandar, a dança havia sido proibida na TV desde a época do Nasser, apesar das emissoras passaram os antigos filmes. E alguns movimentos foram “proibidos” na dança, como movimentos com as pernas abertas ou sugestivos. Proibiram que o umbigo das bailarinas estivesse à mostra, e limitaram a altura das saias, e a altura das fendas.

Em 1977, por exemplo, houve um atentado terrorista, feito por extremistas, onde botaram fogo em todas as casas de dança no Saïd, em Minya e em Assiout. Às vezes homens armados iam a casamentos para impedir que as bailarinas dançassem. Enquanto a polícia fazia batidas surpresa para verificar se as bailarinas estavam de acordo com os códigos de vestimenta.


"Eu não me dei conta que as coisas estavam mudando. Mas, em 1995, quando Nagwa Fouad se aposentou, de repente percebi que não éramos mais do que 3 bailarinas. Pouco a pouco, insidiosamente, a dança do ventre tinha começado a morrer, e eu não tinha reparado."


As bailarinas foram se aposentando, rumores de que homens ricos sauditas estavam pagando para que elas abandonassem os palcos correram soltos, muitas bailarinas passaram a usar véu. Dina não acredita na teoria dos sauditas, porque segundo ela nunca a ofereceram dinheiro para parar de dançar.

          O desaparecimento das bailarinas egípcias

Segundo ela, o que precisa ser entendido é que desde os anos 70 o Egito foi mudando. Os homens saíram do país em busca de novas oportunidades ligadas ao petróleo, e quando voltaram trouxeram com eles uma cultura muito mais rígida. Com isso, as artes também foram mudando. O cinema passou a seguir normais mais rígidas. As bailarinas começaram a aparecer nos filmes apenas como ladras, destruidoras de lares. E segundo a Dina, é por isso que quando ela faz uma vilã num filme ela recusa que a personagem seja uma bailarina. Isso porque os egípcios têm dificuldade de distinguir entre o cinema e a realidade.


"E as jovens ficaram com medo. Elas não queriam mais dançar."


Mesmo a palavra bailarina passou a ser um termo pejorativo. As pessoas a falam baixo, envergonhadas. Ninguém quer essa palavra associada ao seu nome.
 




Para melhor ilustrar essas mudanças e o estado atual da dança no Egito eu sugiro o documentário francês "Les danseuses du Caire", onde vocês vão encontrar a tradução do que é falado nesse post do blog:

Kisses from Kairo - "Les danseuses du Caire"




Aguardem o próximo capítulo! 

Capítulos anteriores:

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Nadia Gamal (parte 2)


Depois de muito tempo sem falar em Nadia Gamal, resolvi retomar o tempo perdido! Já que estamos falando de divas por aqui por conta do livro da Dina, não podemos deixar Nadia cair no esquecimento!

Como vocês podem ler na pequena biografia que escrevi dela aqui no blog, ela nasceu no Egito e foi lá que começou a sua carreira. Então, nada mais justo que façamos um post exclusivo sobre os seus anos no Egito!

E o vídeo mais antigo que se encontra de Nadia dançando é o Oriental Mambo Routine, onde, apesar de ser ainda muito muito novinha, Nadia já demonstrava muito carisma e personalidade:

Vale a pena notar os seus giros, que são tão característicos, e que ela usará a vida inteira, e suas mãos!!! Fazendo lindas molduras com os braços... sempre muito expressiva!

Nadia chegou a participar de diversos filmes no Egito antes se mudar para o Líbano:

Aqui vale reparar nos lindos cambrés que ela usa... e que vai continuar usando! Nadia ainda era capaz de fazer lindos cambrés mesmo depois dos 50 anos. E, claro, vale reparar no seu poderoso quadril, que ainda está se desenvolvendo nesse ponto da sua carreira.

E aqui está Nadia num outro filme, do ano seguinte:

Já dá para perceber como o seu quadril se desenvolveu de um ano para o outro... e os braços continuam muito expressivos... mas a sua expressão ainda vai crescer muito!

Nesse outro filme ela só aparece nos 10`40``, tocando snujs no meio de várias outras bailarinas, que fazem um coro para ela e o cantor.

É lindo ver como Nadia vai crescendo a cada filme!

Nesse filme, Nadia divide o palco com outra bailarina, Loula Abdo:

Vale ressaltar que apesar de ser mais nova que suas companheiras de cena, Nadia não fica para trás! Ah, e os adesivos para cobrir os umbigos das bailarinas são ótimos kkkk
Vale reparar também nas suas ondulações, como elas parecem começar com um movimento do diafragma, deixando uma marca registrada da Nadia.

Ah, agora esse vídeo é uma preciosidade! Primeiro, nós temos Nadia dançando Jazz, o que por si só é raro, mas além disso temos Khristo Kladaxx, bailarino e coreógrafo da Badia Basabni, que treinou não só a Nadia, mas também outras bailarinas da época, como Samia Gamal e Tahia Carioca!

Pessoalmente eu curto mais a Nadia dançando Dança Oriental... mas é muito legal ver esse tipo de vídeo!

E para finalizar, um clássico! Zenouba! Uma linda música com uma bailarina já excepcional! Uma parceria entre bailarina e cantora que ainda vai durar muitos anos....

terça-feira, 3 de abril de 2012

Kisses from Kairo - Encontrando Emprego no Cairo -- A Verdade Nua e Crua


Segunda-feira, 13 de junho, 2011
Encontrando Emprego no Cairo -- A Verdade Nua e Crua
Por Luna do Cairo
Traduzido por Lalitha

Para muitas bailarinas de dança do ventre do mundo inteiro, dançar no Cairo é o sonho das suas vidas. Não importa se é a oportunidade de dançar todas as noites ao vivo com uma orquestra ou a oportunidade de ter reconhecimento na comunidade internacional da dança, a dança do ventre no Cairo atrai todo ano centenas de mulheres ao Egito.

Apesar de todas nós fantasiarmos com isso, a verdade é que a dança do ventre no Cairo não é para qualquer uma. É preciso que você seja um tipo específico de mulher - fisicamente, emocionalmente e intelectualmente - para ter sucesso como bailarina. E não é sempre o tipo de mulher que quer isso. Como Layla Taj, uma bailarina que vive em Nova Iorque e que tem alguma experiência em dançar no Egito, disse no seu site "O Cairo escolhe você. Você não escolhe o Cairo." http://www.laylatajdance.com . Com tudo o que eu vi até agora, isso parece ser verdade. Todo ano, centenas de bailarinas surgem no Cairo, determinadas a tornar realidade o seu sonho de dançar aqui. Algumas chegam até a vender as suas casas, suas posses, e deixam seus entes queridos para trás. A maioria volta para casa desapontada e desiludida. Outras ficam no Cairo por anos, na esperança de que um dia o seu sonho se torne realidade. Com isso em mente, eu montei um guia SUPER REALISTA sobre como achar emprego no Cairo, no qual vamos examinar as qualidades da bailarina estrangeira que tem mais chances de ter sucesso. Por favor, lembrem que esses comentários são baseados na minha experiência pessoal e no que pude observar nos últimos dois anos e meio.

1. Talento. Para conseguir um emprego no Cairo, a bailarina estrangeira de dança do ventre precisa ter talento. Ela deve ter boa técnica, expressão e conhecimento sobre como montar um show. Não importa qual seja o seu estilo pessoal de dança, a bailarina precisa ser completa. Por quê? Porque se os empregadores estão saindo da norma, contratando uma bailarina estrangeira ao invés de uma egípcia, é porque ela deve ter algo para oferecer que as egípcias não têm. Porque eles não estão apenas tirando o emprego das suas companheiras egípcias, eles estão pagando pesadas multas todo mês por contratar estrangeiras. Então eles vão querer algo em troca pela inconveniência.

2. A "Aparência Certa". Para conseguir um emprego no Cairo, a bailarina estrangeira de dança do ventre precisa ter a aparência certa. No Ocidente, nós não temos realmente uma "aparência certa" para a dança do ventre. A dança do ventre no Ocidente é sobre a irmandade feminina, e nós acreditamos que a beleza tem diversas formas, vem todos os tamanhos, cores e idades. Entretanto, no Egito, usualmente há uma noção bem limitada do que é a beleza ideal feminina. Normalmente, se um egípcio pensa que Fulaninha é linda, 99% dos egípcios vai concordar. O oposto também é verdade. Isso é muito triste, porque elimina muitas bailarinas talentosas que não atendem aos padrões egípcios de beleza, quaisquer que eles sejam. De muitas formas, isso é injusto. Mas a dança do ventre é, de qualquer jeito, um entretenimento, e na indústria do entretenimento, a beleza conta tanto quanto o talento, se não mais. Então, dado que existem muitas mulheres competindo por alguns empregos, ter a "aparência certa" é, portanto, um fator determinante para quem vai trabalhar como bailarina no Cairo.

3. Paciência. Para conseguir um contrato como bailarina de dança do ventre no Cairo é preciso muita paciência. Apesar de um punhado de bailarinas ter conseguido contratos no primeiro mês em que chegaram ao Cairo (por conta de contatos (muito) pessoais), a maioria leva pelo menos um ano até ser contratada. Isso acontece porque, primeiro, não existem muitos locais com licença para contratar bailarinas estrangeiras, e, também, porque não existe muita rotatividade no mundo da dança do ventre do Cairo. Os empregadores costumam renovar os contratos das suas bailarinas por 3 anos, ao invés de contratar bailarinas novas. Bailarinas aspirantes precisam, portanto, ser pacientes. Elas precisam estar preparadas para ficar sentada em casa a maior parte da semana, sabendo que as bailarinas já contratadas estão dançando todos os dias. Elas também não devem desanimar com todas as promessas falsas e vazias que as pessoas da indústria fazem. Por exemplo, um cantor ou agente talentoso vai se apaixonar por uma jovem aspirante a bailarina, e vai prometer o mundo para ela. Ele jura que vai conseguir um contrato nesse ou naquele hotel, mas na realidade, ele não tem como conseguir isso. Normalmente, ele só quer se "divertir" um pouco. Então ele joga com a vontade dela de dançar no Egito. Quando a bailarina descobre que era tudo um jogo, ela se frustra, muito provavelmente sente vontade de desistir, especialmente depois que isso acontece repetidas vezes. É por isso que depois de um ano no Cairo, eu apelidei o Egito de "a terra das promessas vazias". A bailarina de sucesso é aquela que vê através desses joguetes, não se sente muito frustrada, e espera pacientemente até encontrar oportunidades de verdade.

4. Casca Grossa. Não importa quão bonita e talentosa é uma bailarina, se ela não for casca grossa, ela não vai ter sucesso no Cairo. Ser casca grossa no sentido de não deixar que a inveja, as críticas e os insultos das pessoas te desanimem. Assim como em outros ramos da indústria do entretenimento, a competição é grande e a inveja é um fato. Não haverá muitas outras bailarinas ou professores que ficarão felizes com o seu sucesso. Pelo contrário, muitos tentarão te destruir a cada passo do caminho. Eles vão inventar diversas fofocas sobre você, e te acusar de coisas (ou pessoas) que você nunca fez (N.T. aqui Luna usa um trocadilho que não dá para traduzir, mas ela sugere que vão te acusar de dormir com algumas pessoas). Eles vão tentar acabar com a sua reputação e destruir a sua auto-estima. Então, se você é o tipo de pessoa que se preocupa demais com o que dizem e pensam de você, você nunca vai sobreviver no mundo da dança do ventre do Cairo. Mesmo que você tenha talento, seja bonita, e tenha uma chance de dançar aqui, é quase impossível NÃO esbarrar com esse tipo de comportamento. (O que eu mais gostaria de fazer era ilustrar o que descrevi com exemplos da minha própria experiência e da experiência de outras bailarinas, mas eu vou me conter e não vou transformar esse blog numa coluna de fofocas.)

5. Falar árabe. Sim, falar a língua local e falá-la bem é muito importante para o sucesso de uma bailarina estrangeira no Cairo. A bailarina precisa ser capaz de se comunicar efetivamente com músicos, agentes, gerentes de hotel, que em sua maioria não falam inglês e que vão tentar tirar vantagem da aparentemente inocente mulher estrangeira. Falar árabe minimamente fluentemente (não apenas izayyak? e mashy) (N.T.: izayyak - como você vai? mashy - tudo bem!) é necessário para ser compreendida, e, mais importante, ser respeitada. Os egípcios desse meio precisam entender que a bailarina é inteligente e consegue lidar com eles na sua própria língua e no mesmo nível.

6. Sorte. E por último, mas não menos importante, falta a sorte. Eu mencionei anteriormente Layla Taj pela citação "O Cairo escolhe você. Você não escolhe o Cairo." Às vezes uma mulher tem tudo para ter sucesso como bailarina de dança do ventre no Cairo, mas por alguma razão inexplicável, ela simplesmente não consegue fechar um contrato. Talvez ela não tenha conhecido as pessoas certas, ou talvez ela não estivesse lá quando a oportunidade apareceu. As razões podem ser várias, mas ela nunca vai saber. Ao mesmo tempo, outra bailarina que esteja passando por dificuldades para conseguir um contrato pode inesperadamente estar no lugar certo e na hora certa.

Agora que eu já expliquei o que é necessário ter para trabalhar como bailarina de dança do ventre no Cairo, eu vou dar uma passada nas coisas que não ajudam.

1. Contatos. Enquanto sempre ajuda conhecer pessoas do meio que possam te indicar, conhecer o Presidente do Egito não vai te ajudar se os gerentes não acharem que você tem a ver com o negócio deles. Eu já vi muitos casos de estrangeiras aspirantes a bailarinas que ficam muito amigas com alguns organizadores de festivais, alguns cantores e até mesmo de algumas bailarinas egípcias, achando que essas pessoas vão conseguir um contrato para elas. Isso nunca aconteceu. No final do dia, o aparentemente poderoso organizador de festival não pode convencer o gerente de um cruzeiro no Nilo a contratar uma bailarina que ele não quer. Especialmente se ele não estiver precisando de novas bailarinas.

2. Anos de experiência. Quando estiver procurando por um contrato no Cairo, nenhum possível empregador vai perguntar qual é o histórico profissional dela. Ele não vai perguntar se ela é famosa no seu país, há quantos anos ela dança ou se ela é professora. No Cairo, ninguém se importa com isso. Gerentes de hotel ou de cruzeiros só querem saber se a bailarina pode montar um bom show e ser linda. Isso conta muito mais que experiência.

3. "Conhecer" o gerente - um pouco intimamente DEMAIS. Eu acho que você entendeu o que eu quis dizer. Nós sempre escutamos falar das bailarinas que chegaram aqui e e fizeram "amizade" com os donos e gerentes. Isso COSTUMAVA ser um atalho para conseguir um contrato, mas não funciona mais hoje em dia. Tem tanta competição hoje que "ser amiguinha" do gerente não garante um contrato nesse hotel ou cruzeiro. Especialmente se tiver candidatas mais fortes para a mesma posição por aí. Hoje em dia, os gerentes tiram vantagem da vontade das bailarinas estrangeiras de conseguir trabalho, usando-as, prometendo o mundo para elas, e depois não cumprindo as suas promessas. E no final, é a bailarina que perde. Sua reputação fica arruinada, e as pessoas respeitáveis do meio vão evitá-la. Na verdade, o melhor caminho para conseguir um contrato e manter o seu respeito por si mesma é não virar vítima desses predadores da indústria.

Eu escrevi essas observações não para desencorajar, mas para ser realista sobre o que é necessário para dançar no Cairo. Todos merecem uma chance de correr atrás dos seus sonhos. Mas eu acho importante que as bailarinas saibam no que estão se metendo. Elas devem saber qual é a sua probabilidade de sucesso, porque elas fazem grandes sacrifícios correndo atrás desse sonho. Para muitas é uma aventura que pode acabar com a sua vitalidade, felicidade, amor pela dança, e até mesmo entusiasmo pela vida. Realmente, muitas aspirantes a bailarina no Cairo admitiram que se alguém tivesse dito a elas o que as aguardava, elas teriam pensado duas vezes antes de desistir de tudo para dançar no Cairo. Para outras, é uma jornada que molda o seu caráter e dá força. E para as poucas afortunadas que conseguem, bom, seus desafios são muitos, e o menor deles é se manter verdadeira consigo mesma.