sexta-feira, 29 de junho de 2012

Kisses from Kairo - Ramadã no Cairo



Segunda-feira, 15 de agosto, 2011

Por Luna do Cairo
Traduzido por Lalitha



Suhoor do Ramadã no restaurante local Il-Gahsh

É nessa época do ano que a cidade do Cairo dá um tempo de si mesma. A cidade fica mais quieta, o trânsito fica mais previsível. Os motoristas de taxi se esforçam mais para não te roubar, e as pessoas saem dos seus caminhos para serem gentis. Desde as luzes natalinas multicoloridas enfeitando mesquitas e prédios, até as onipresentes fawanees (lanternas do Ramadã) dependuradas em todas as casas e fachadas, há um clima inegável de festa no ar.

É Ramadã, o mês sagrado islâmico, durante o qual os muçulmanos jejuam e se abstém de todas as coisas vulgares. Bom, teoricamente pelo menos. No Egito, cabarés, cassinos, bares e boates ficam fechados. Os muçulmanos fazem um esforço para não blasfemar, brigar, mentir, fumar e se envolver em atividades não-islâmicas, entre as quais está a dança do ventre.

Legalmente a dança do ventre é proibida durante o Ramadã. Isso porque ela vai contra os valores islâmicos da modéstia feminina. Na verdade, entretanto, alguns lugares continuam contratando bailarinas de dança do ventre. Principalmente os cruzeiros no Nilo, que atendem estrangeiros e não podem ficar sem bailarinas de dança do ventre. Então, eles se esquivam da regra de “não haver dança do ventre no Ramadã” fazendo a bailarina se vestir uma galabiyya de uma peça de Saidi e dançar com alguns rapazes do folclore, fazendo dela uma bailarina de folclore.

Essa foi a opção que precisei encarar no último Ramadã. Eu poderia ou me apresentar todo dia durante o Ramadã usando uma galabiyya ou tirar o mês de férias. Incapaz de agüentar só a possibilidade de fazer um show de 45 minutos usando uma galabiyya, eu escolhi a segunda opção. Apesar de estar perfeitamente disposta a ser uma bailarina de folclore na segunda metade do meu show, eu não vou fazer isso durante o show inteiro. Não durante um mês inteiro, e não por 32 dólares. Já é ruim o suficiente fazer o meu solo de derbake usando minha galabiyya! Eu não conseguiria imaginar fazer minha entrada com ela também.

O gerente do Nile Memphis não ficou feliz com a minha decisão. Então eu me desculpei dizendo que a minha escolha de não dançar era baseada no meu desejo de respeitar a sensibilidade religiosa dos muçulmanos durante o Ramadã. E isso não era uma inverdade. Uma parte de mim sentia que os egípcios me veriam como uma super-prostituta se eu dançasse durante o Ramadã, eu simplesmente não queria lidar com isso. Além disso, a maioria das bailarinas de dança do ventre tira férias durante o mês do Ramadã mesmo. Para as bailarinas egípcias, ou é por causa da obrigação religiosa, ou porque não há trabalho. Para as bailarinas estrangeiras contratadas, simplesmente não há “folclore” o suficiente para trabalhar para garantir que elas fiquem no Cairo. A maioria aproveita a oportunidade para dar workshops e visitar a família no exterior.

Il-Gahsh!
Apesar de eu não ter feito shows ou viajado de volta para casa no último Ramadã, eu encontrei outras formas de me divertir. Uma delas foi jantar no Il-Gahsh, O Pequeno Burro. De cara no meio da Sayidda Zeinab, o Il-Gahsh é famoso pelo seu jantar de Ramadã de fool & ta’3miyya, ou favas de feijão e falafel. Ele é, de longe, o meu restaurante favorito no Cairo. E acredite em mim, estou sendo boazinha quando o chamo de restaurante. “Pé sujo” é uma descrição melhor desse lugar, que não passaria na inspeção sanitária mais meia-boca. Mas eu simplesmente amo esse lugar e me arriscaria a dizer que nenhuma visita ao Cairo está completa sem comer lá. Então me deixe contar um pouco sobre a minha história de amor com O Pequeno Burro. :)

Tudo começou no último Ramadã, quando meus amigos egípcios me convidaram para o suhur, o jantar às 3horas da manhã logo antes do raiar do dia, na véspera do início do jejum. O suhur típico egípcio consiste em alguma variação do fool & ta’3miyya. E essa é a especialidade do Il-Gahsh. Era, portanto, lógico que nós fôssemos lá. Entretanto, quando chegamos, arregalei meus olhos e imediatamente me recusei a comer ali. Porque na minha frente tinha uma cafeteria ao ar livre cercada de lixo, cocô de burro, moscas e um enxame de pessoas esfomeadas. “Meu Deus, vocês querem que eu coma aqui?!?” perguntei aos meus amigos egípcios. “Vou pegar uma intoxicação alimentar só de olhar pra esse lugar!” “Não se preocupe,” eles me disseram. “Você vai amar!” E eles riram.

Claro que eles estavam certos. Ignorando o meu bom senso, sentei com meus amigos e comi o maior banquete que 5 dólares podem comprar. Foul, omelete, pão, tipos diferentes de salada, folhas de rúcula, babaghanug, e o meu favorito – um prato cheio de grandes pedaços de cebola crua. E, acredite ou não, não houve “efeitos colaterais” desagradáveis. :)

A melhor parte dessa experiência, entretanto, era a apresentação dos pratos. Folhas de jornal foram usadas como toalha de mesa, e tinha rolos de papel higiênico para usar como guardanapos (fiquei imaginando se isso não era uma indicação do que aconteceria depois da refeição :D). Moscas zumbiam a nossa volta e até pousavam na nossa comida, da qual uma parte foi colocada diretamente em cima do jornal. E também tinha o garçom suado cujo cigarro estava dependurado na sua boca bem em cima dos pratos que ele estava carregando. Mas moscas, papel higiênico, papel e cinzas de cigarro a parte, a comida era fora de série. Atraente, gostosa e tipicamente egípcia.

Il-Gahsh é o melhor. Em que outro lugar você pode comer impunemente grandes pedaços de cebola crua, deixar seus bons modos de lado, e comer um banquete inteiro sob as condições mais anti-higiênicas sem ficar doente, e tudo isso por apenas 5 dólares?

Brincadeiras a parte, esse lugar é uma mina de ouro. Centenas de egípcios comem lá toda noite durante o Ramadã. Eu mesma fui lá pelo menos 10 vezes no último Ramadã, e eu não sou nem egípcia nem muçulmana. Com a quantidade de dinheiro que o dono ganha durante o mês do Ramadã, ele provavelmente não precisa trabalhar pelo resto do ano, apesar dele trabalhar. Pensando nisso, eu planejo visitar o Il-Gahsh muitas vezes nesse Ramadã. Então, se você estiver no Cairo nesse Ramadã, me avise para comermos o suhur no Il-Gahsh juntos. Feliz Ramadã!


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