sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Kisses from Kairo - Uma espécie em risco de extinção



Quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Por Luna do Cairo
Traduzido por Lalitha   

A Agonizante Arte da Dança do Ventre Egípcia

Bailarina egípcia de dança do ventre é uma espécie em risco de extinção. A caminho da extinção. Isso se não houver um renascimento da dança no Egito nos próximos anos. Até mesmo a Dina tem medo que isso ocorra. Porque a verdade é que, tirando a Dina, Randa, Camelia, e, mais recentemente, Aziza, tem havido um declínio de boas bailarinas egípcias no mercado. Isso é irônico, levando em consideração que a maioria das pessoas imagina que o Egito é “O Planeta da Dança do Ventre”, e que é do Egito que vieram as lendas da dança do ventre Samia Gamal, Fifi Abdo e Soheir Zaki. Além disso, há pelo menos 40 milhões de mulheres egípcias morando aqui. Você imaginaria que com esse número, esse país tão voltado para a música e a dança poderia produzir mais bailarinas. Ainda assim, a realidade é que uma combinação feia de fatores econômicos e sócio-religiosos está roubando desse país um das suas maiores realizações artísticas.

Eu me lembro quando tinha acabado de me mudar para o Cairo e estava toda animada com todas as bailarinas que eu achava que iria ver. Eu esperava encontrar centenas de mulheres naturalmente talentosas, e visitei quase todos os lugares que tinha dança do ventre. Para o meu horror, o nível da dança aqui entre as bailarinas egípcias não é tão alto quanto costumava a ser há apenas 30 anos.

E essa é a razão. Primeiro, a técnica delas normalmente é limitada, como resultado de não haver estudado a dança seriamente. Segundo, acessórios como véus, bengalas e meleias tiveram o mesmo destino dos dinossauros. Poucas bailarinas os incorporam nas suas performances hoje em dia. E se elas o fazem, é sem habilidade. Terceiro, suas roupas normalmente são baratas e reforçam a imagem negativa da dança do ventre que nós tentamos combater. Quarto, falta a elas presença de palco e profissionalismo de forma geral.

Enquanto esse tipo de nível de apresentação é desculpável nos cabarés da Rua Haram (N.T.: Haram em árabe significa “pecado”, “proibido”), é deprimente quando encontrado em hotéis de 5 estrelas. Nos cabarés, os clientes são em sua maioria homens egípcios e árabes que estão lá apenas pela carne. Entretanto, nos hotéis 5 estrelas, tanto os turistas quanto os egípcios esperam ver um show de dança do ventre de qualidade.

Intrigada com como qualquer um poderia conviver com esse evidente absurdo, eu decidi conversar com algumas bailarinas egípcias sobre o assunto. Os resultados dessas conversas foram ao mesmo tempo notáveis e tristes.

De acordo com a minha “pesquisa”, a maioria dessas bailarinas nunca praticou um dia sequer das suas vidas. Nem uma única aula de dança. Aulas são para estrangeiras e fracassadas. Uma razão mais sociologicamente interessante para a falta de prática delas, entretanto, tem como fonte a visão delas da dança do ventre. As mesmas mulheres que dançam profissionalmente acreditam que o que elas estão fazendo é vergonhoso. Isso significa que é haram, pecaminoso. E nada pode ser pecaminoso e arte ao mesmo tempo. Logo, o que é haram não merece nenhum esforço sério. No Egito, a crença de que se apresentar dançando dança do ventre é pecado é devida principalmente por conta da religião, que tem uma influência muito forte no imaginário egípcio. A religião requer uma modéstia feminina rígida e vê com maus olhos as mulheres que expõem o seu corpo publicamente.

Essa lógica também é resultado de um sistema que mantém as pessoas desnutridas intelectualmente, culturalmente, economicamente, e para muitos, literalmente. O egípcio médio está preocupado demais com como ele vai conseguir a sua próxima refeição para poder pensar em arte. Sim, a situação econômica daqui é patética assim. E é frágil e imprevisível. Um único ataque terrorista ou, talvez, uma “revolução”, e essas mulheres todas perdem seus trabalhos e ficam a mercê das suas economias. Num lugar sem garantias e sem rede de proteção social, não é lógico para as bailarinas que elas gastem nada dos seus ganhos com algo tão frívolo como uma aula de dança. Ao invés disso, elas investem seu dinheiro em ativos, principalmente apartamentos e carros, e na educação dos seus filhos. Isso só mostra como a arte não pode florescer numa sociedade que não tenha atingido um padrão mínimo de bem-estar econômico.

Mas as coisas não foram sempre tão ruins. Apenas 30 anos atrás, o negócio da dança do ventre está indo de vento em popa, relativamente falando. Nessa época o Egito tinha um fluxo confiável de turistas árabes vindos do Golfo, que vinham para aproveitar dos frutos proibidos nas suas próprias sociedades puritanas. A presença deles e dos petrodólares abasteciam a vida noturna egípcia, na qual a dança do ventre tinha o papel principal. Eles, assim como egípcios ricos, eram os maiores patronos das bailarinas mais famosas. Eram eles que faziam os contratos para dançar nos casamentos, e outras festividades privadas. Entretanto, tudo isso começou a ir ladeira abaixo nos anos 90. Com o final da primeira Guerra do Golfo, muitos cidadãos do Kuwait e sauditas voltaram para casa para reconstruir os seus países. Outros pararam de vir ao Egito por conta do assédio que sofriam de fundamentalistas religiosos que tentavam dissuadi-los de entrar nos cabarés. Basicamente, a principal fonte da indústria de entretenimento secou. E assim acabou a inovação artística.

Mas com a economia tão mal como está agora, nem mesmo a crença de que dançar dança do ventre é haram consegue impedir que as mulheres se sustentem como bailarinas. Se algo mudou, foi que a dança do ventre se tornou mais atraente como profissão. Isso porque é lucrativa e não requer nenhum tipo de pré-requisito. O mínimo que uma bailarina ganha por noite num cabaré é 100 libras egípcias (aproximadamente 17 dólares), o que é uma remuneração decente no Egito, onde mais da metade da população vive com menos de 2 dólares por dia. Isso assumindo que ela dança em apenas um cabaré e não ganha gorjetas. O que normalmente não é o caso. A maioria das bailarinas trabalha em mais de um lugar por noite e ganham gorjetas, então elas ganham muito mais do que 100 libras egípcias. Realmente, contando salário e gorjetas, uma bailarina pode ganhar milhares de libras numa noite. A maioria dos egípcios não ganha isso nem num ano! Então é compreensível que, do ponto de vista financeiro, a dança do ventre é um bom emprego, por mais vergonhoso que possa ser.

Outro fator que afeta negativamente o cenário da dança por aqui é a mudança na preferência dos jovens egípcios. Apesar da dança do ventre ter sido uma forma de entretenimento muito popular até pouco tempo atrás, discotecas de estilo ocidental, álcool e drogas se tornaram a escolha preferida de diversão hoje em dia. Mas o maior rival da dança de longe é o DJ. Comparado à dança do ventre, contratar um DJ é fácil e barato. E não vem com todo o estigma de se contratar uma bailarina de dança do ventre.

Se você nunca esteve no Egito antes, ou esteve, mas não está familiarizada com o cenário da dança, você provavelmente vai achar que estou mentindo ou exagerando a situação. Mas eu não estou. Entretanto, eu acho que é o tipo de coisa que é ver para crer.

É contra-intuitivo que aqui, no berço da dança do ventre, essa linda arte está morrendo. Falando de morte, a bailarina favorita da maioria dos egípcios é Samia Gamal, que está, bem, morta. E com relação às bailarinas de hoje, geralmente os egípcios não gostam delas e nem mesmo sabem quem são – com exceção da Dina, é claro. Mas esse é o estado atual da arte. O seu desenvolvimento e até mesmo sobrevivência depende de reformas sociais, econômicas, e políticas radicais no Egito. Atitudes mais liberais com relação à arte, casadas com uma economia revigorada serão necessárias para reviver os dias de glória dessa dança.

Para outros pontos de vista sobre esse assunto, vejam os seguintes links (em inglês):


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