Quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
Traduzido por Lalitha
A Agonizante Arte da Dança do Ventre Egípcia
Bailarina egípcia de dança do ventre é uma espécie em risco
de extinção. A caminho da extinção. Isso se não houver um renascimento da dança
no Egito nos próximos anos. Até mesmo a Dina tem medo que isso ocorra.
Porque a verdade é que, tirando a Dina, Randa, Camelia, e, mais recentemente,
Aziza, tem havido um declínio de boas bailarinas egípcias no mercado. Isso é
irônico, levando em consideração que a maioria das pessoas imagina que o Egito
é “O Planeta da Dança do Ventre”, e que é do Egito que vieram as lendas da
dança do ventre Samia Gamal, Fifi Abdo e Soheir Zaki. Além disso, há pelo menos
40 milhões de mulheres egípcias morando aqui. Você imaginaria que com esse
número, esse país tão voltado para a música e a dança poderia produzir mais
bailarinas. Ainda assim, a realidade é que uma combinação feia de fatores
econômicos e sócio-religiosos está roubando desse país um das suas maiores
realizações artísticas.
Eu me lembro quando tinha acabado de me mudar para o Cairo e
estava toda animada com todas as bailarinas que eu achava que iria ver. Eu
esperava encontrar centenas de mulheres naturalmente talentosas, e visitei
quase todos os lugares que tinha dança do ventre. Para o meu horror, o nível da
dança aqui entre as bailarinas egípcias não é tão alto quanto costumava a ser
há apenas 30 anos.
E essa é a razão. Primeiro, a técnica delas normalmente é
limitada, como resultado de não haver estudado a dança seriamente. Segundo,
acessórios como véus, bengalas e meleias tiveram o mesmo destino dos
dinossauros. Poucas bailarinas os incorporam nas suas performances hoje em dia. E se elas o fazem, é
sem habilidade. Terceiro, suas roupas normalmente são baratas e reforçam a
imagem negativa da dança do ventre que nós tentamos combater. Quarto, falta a
elas presença de palco e profissionalismo de forma geral.
Enquanto esse tipo de nível de apresentação é desculpável
nos cabarés da Rua Haram (N.T.: Haram
em árabe significa “pecado”, “proibido”), é deprimente quando encontrado em
hotéis de 5 estrelas. Nos cabarés, os clientes são em sua maioria homens
egípcios e árabes que estão lá apenas pela carne. Entretanto, nos hotéis 5
estrelas, tanto os turistas quanto os egípcios esperam ver um show de dança do
ventre de qualidade.
Intrigada com como qualquer um poderia conviver com esse
evidente absurdo, eu decidi conversar com algumas bailarinas egípcias sobre o
assunto. Os resultados dessas conversas foram ao mesmo tempo notáveis e
tristes.
De acordo com a minha “pesquisa”, a maioria dessas
bailarinas nunca praticou um dia sequer das suas vidas. Nem uma única aula de
dança. Aulas são para estrangeiras e fracassadas. Uma razão mais
sociologicamente interessante para a falta de prática delas, entretanto, tem
como fonte a visão delas da dança do ventre. As mesmas mulheres que dançam
profissionalmente acreditam que o que elas estão fazendo é vergonhoso. Isso
significa que é haram, pecaminoso. E
nada pode ser pecaminoso e arte ao
mesmo tempo. Logo, o que é haram não
merece nenhum esforço sério. No Egito, a crença de que se apresentar dançando
dança do ventre é pecado é devida principalmente por conta da religião, que tem
uma influência muito forte no imaginário egípcio. A religião requer uma
modéstia feminina rígida e vê com maus olhos as mulheres que expõem o seu corpo
publicamente.
Essa lógica também é resultado de um sistema que mantém as
pessoas desnutridas intelectualmente, culturalmente, economicamente, e para
muitos, literalmente. O egípcio médio está preocupado demais com como ele vai
conseguir a sua próxima refeição para poder pensar em arte. Sim , a situação
econômica daqui é patética assim. E é
frágil e imprevisível. Um único ataque terrorista ou, talvez, uma “revolução”,
e essas mulheres todas perdem seus trabalhos e ficam a mercê das suas
economias. Num lugar sem garantias e sem rede de proteção social, não é lógico
para as bailarinas que elas gastem nada dos seus ganhos com algo tão frívolo
como uma aula de dança. Ao invés disso, elas investem seu dinheiro em ativos,
principalmente apartamentos e carros, e na educação dos seus filhos. Isso só
mostra como a arte não pode florescer numa sociedade que não tenha atingido um
padrão mínimo de bem-estar econômico.
Mas as coisas não foram sempre tão ruins. Apenas 30 anos
atrás, o negócio da dança do ventre está indo de vento em popa, relativamente
falando. Nessa época o Egito tinha um fluxo confiável de turistas árabes vindos
do Golfo, que vinham para aproveitar dos frutos proibidos nas suas próprias
sociedades puritanas. A presença deles e dos petrodólares abasteciam a vida
noturna egípcia, na qual a dança do ventre tinha o papel principal. Eles, assim
como egípcios ricos, eram os maiores patronos das bailarinas mais famosas. Eram
eles que faziam os contratos para dançar nos casamentos, e outras festividades
privadas. Entretanto, tudo isso começou a ir ladeira abaixo nos anos 90. Com o
final da primeira Guerra do Golfo, muitos cidadãos do Kuwait e sauditas
voltaram para casa para reconstruir os seus países. Outros pararam de vir ao
Egito por conta do assédio que sofriam de fundamentalistas religiosos que
tentavam dissuadi-los de entrar nos cabarés. Basicamente, a principal fonte da
indústria de entretenimento secou. E assim acabou a inovação artística.
Mas com a economia tão mal como está agora, nem mesmo a
crença de que dançar dança do ventre é haram
consegue impedir que as mulheres se sustentem como bailarinas. Se algo mudou,
foi que a dança do ventre se tornou mais atraente como profissão. Isso porque é
lucrativa e não requer nenhum tipo de pré-requisito. O mínimo que uma bailarina ganha por noite num cabaré é 100 libras egípcias
(aproximadamente 17 dólares), o que é uma remuneração decente no Egito, onde
mais da metade da população vive com menos de 2 dólares por dia. Isso assumindo
que ela dança em apenas um cabaré e não ganha gorjetas. O que normalmente não é
o caso. A maioria das bailarinas trabalha em mais de um lugar por noite e ganham gorjetas, então elas ganham
muito mais do que 100
libras egípcias. Realmente, contando salário e gorjetas,
uma bailarina pode ganhar milhares de libras numa noite. A maioria dos egípcios
não ganha isso nem num ano! Então é compreensível que, do ponto de vista
financeiro, a dança do ventre é um bom emprego, por mais vergonhoso que possa
ser.
Outro fator que afeta negativamente o cenário da dança por
aqui é a mudança na preferência dos jovens egípcios. Apesar da dança do ventre
ter sido uma forma de entretenimento muito popular até pouco tempo atrás,
discotecas de estilo ocidental, álcool e drogas se tornaram a escolha preferida
de diversão hoje em dia. Mas
o maior rival da dança de longe é o DJ. Comparado à dança do ventre, contratar
um DJ é fácil e barato. E não vem com todo o estigma de se contratar uma
bailarina de dança do ventre.
Se você nunca esteve no Egito antes, ou esteve, mas não está
familiarizada com o cenário da dança, você provavelmente vai achar que estou mentindo
ou exagerando a situação. Mas eu não estou. Entretanto, eu acho que é o tipo de
coisa que é ver para crer.
É contra-intuitivo que aqui, no berço da dança do ventre,
essa linda arte está morrendo. Falando de morte, a bailarina favorita da
maioria dos egípcios é Samia Gamal, que está, bem, morta. E com relação às
bailarinas de hoje, geralmente os egípcios não gostam delas e nem mesmo sabem
quem são – com exceção da Dina, é claro. Mas esse é o estado atual da arte. O
seu desenvolvimento e até mesmo sobrevivência depende de reformas sociais,
econômicas, e políticas radicais no Egito. Atitudes mais liberais com relação à
arte, casadas com uma economia revigorada serão necessárias para reviver os
dias de glória dessa dança.
Para outros pontos de vista sobre esse assunto, vejam os seguintes links (em inglês):
Que tristeza. É realmente uma lastima.
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