sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Kisses from Kairo - Voando alto...




Sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Por Luna do Cairo
Traduzido por Lalitha 

... bom, mais para bêbada. Mas puxa, faz algum tempo que eu não bebo. Álcool simplesmente não é uma prioridade quando se mora no Egito – um país relativamente seco (piada infame intencionada). Ao menos para mim não é. E existe forma melhor de comemorar a minha volta para o Brooklyn do que bebendo suco de amora com vodka no vôo de volta para casa? ;) (N.T.: drink muito conhecido como Cape Cod quando misturado também com limão)

Eu admito, sou fraca para bebida. Mas isso é porque eu bebo muito raramente. Bastou apenas um copo da bebida para deixar a minha visão turva e me fazer rir alto enquanto eu assista “Aasal Eswed”. “Aasal Eswed” é uma comédia egípcia que se traduz como “Doce azedo” (N.T.: a tradução literal é “mel azedo”, mas “doce azedo” traduz melhor o duplo sentido do título). Ela satiriza a forma, na maioria das vezes repugnante, que os egípcios se tratam ao comparar com a forma como tratam os estrangeiros como se fossem da realeza. O protagonista é o ator egípcio Ahmed Hilmy, que volta ao Cairo para trabalhar como fotógrafo depois de viver nos EUA por 20 anos. Com a intenção de “se passar por nativo”, Ahmed deixa o seu passaporte de propósito nos EUA e se identifica orgulhosamente como egípcio. O filme se desenrola mostrando todos os problemas desnecessários pelos quais ele passa por causa disso. Desde autoridades, até taxistas e cavalos (!), ninguém trata Ahmed do jeito que ele espera ser tratado por ser egípcio.

Duas coisas fazem esse filme ser hilário. A primeira é que ele é totalmente realista! Eu pessoalmente já experimentei ou presenciei a maioria das situações vividas por Ahmed (incluindo os cavalos que ficam nas bases das pirâmides e que não se movem por ninguém a não ser os seus donos beduínos!). A segunda foi ver como essa pessoa que pensa que é egípcia precisa se defender pelas ruas do Cairo, quando é óbvio que ele é apenas um ingênuo forasteiro.

Mas o objetivo desse post não é falar sobre como os egípcios se tratam. O objetivo é tratar sobre o que acontece quando você volta para casa depois de passar um tempo significante fora – sobre como a gente meio que não “se enquadra” mais. Mesmo num lugar tão cosmopolita e aconchegante como Nova Iorque.

Assim que saí do avião, me senti exatamente como o protagonista de “Aasal Eswed”. Assim como Ahmed, eu tinha uma visão romântica sobre a minha casa (apesar de eu voltar a cada 6 meses mais ou menos, eu sinto muita saudade muito fácil). Eu estava imaginando toda a comida, pessoas e lugares que eu sentia falta. Coney Island, pizza, Times Square, comida chinesa nojenta... A ar limpo, fresco e frio. A liberdade. As memórias. Eu estava gostando até do engarrafamento das 5 da tarde do Belt Parkway.

E então, fui ver o meu pai, a pessoa mais chateada com a minha carreira de bailarina no Egito. A partir de então as coisas foram ladeira abaixo. Não porque ele não estivesse feliz em me ver. Pelo contrário. Ele estava tão feliz em me ver de volta em casa inteira que ele começou a me mostrar pela vizinhança, tanto para os que eu conhecia quanto para pessoas novas. Os vizinhos, o cabeleireiro, a manicure, os garçons, o manobrista. O açougueiro, o padeiro, o fabricante de castiçais. ;) E veja bem, eu estava com fome, cansada, desidratada, precisando urgentemente de um banheiro, e ainda estava usando a minha maquiagem de palco da apresentação da noite anterior no Nile Memphis! A última coisa que eu queria fazer era lidar com um pai me apresentando meio brincando como “minha filha, a estrela de dança do ventre egípcia formada em Harvard”. Eu também não estava no clima de olhar para baixo para todas aquelas caras de perplexidade me olhando (eu fico bem alta quando uso minhas plataformas Aldo), ou receber os seus comentários ridículos.

“Bem vinda a América”

“Então você está vivendo no Egito?”

“Qual é o problema? Você não gosta mais desse país?”

“Nós vimos todos os seus vídeos na internet. Nossa, você é uma bailarina tão talentosa”

“Então você fala egípcio agora, né?”

“O que você é? Amante de árabes ou algo do gênero?”

“Eles não tratam as mulheres como se fosse lixo lá?”

“O que tem te segurado por tanto tempo lá fora? Você pode dançar dança do ventre aqui, não pode? Você sabe que o seu pai disse que ele iria comprar para você um estúdio de dança, daí você poderia dar aulas de dança até cansar e ganhar rios de dinheiro”

Obrigada, Brooklyn. Sério. Mas a língua se chama “árabe”, não “egípcio”. E não, obrigada, eu não quero me acomodar como professora de dança do ventre nos EUA. Eu sou uma “estrela” da dança do ventre no Egito, como o pai diz. :) Sim, eles tratam as mulheres como se fosse lixo lá, mas agora isso é assim em todo lugar, não é mesmo? Amante de árabes? Hein? Eu sou republicana que nem você, mas sou uma republicana instruída.  E sobre o que eu sinto sobre o meu país, eu o amo até a morte. Talvez mais do que você. Eu amo tudo o que ele representa e prega (mesmo que não pratique :D). Porque, diferentemente de você, eu não aceito as coisas sem questionar. Eu sei o que é viver em lugares do mundo onde os valores americanos não existem. Eu sei o que é mentir sobre a minha carreira e esconder as minhas visões políticas. Eu sei o que é vestir mangas compridas e calças quando está fazendo 50° do lado de fora. E eu me tornei uma pessoa melhor por conta disso. Eu entendo melhor o mundo e aprecio mais os EUA. E falando sério, “Bem vinda a América”?!?! Isso é tããããão egípcio.

Nota mental. Mudar de cabeleireiro. Procurar anonimato. Nova Iorque é boa para isso. >D

Eu estou sempre reclamando sobre como eu preciso esconder a minha dança no
Egito porque as pessoas lá normalmente têm visão limitada. Bom, aqui não é tão diferente assim. Os americanos me fazem me sentir esquisita quando eu digo a eles que sou bailarina de dança do ventre no Egito. “É tipo um strip-tease árabe, né?” E porque diabos eu escolheria o Egito no lugar dos EUA? Será que sou algum tipo de louca esquerdista que odeia os EUA? Então eu decidi não falar mais sobre isso com ninguém que já não saiba da história. Afinal, o mundo é muito pequeno.

Eu fui avisada de que isso iria acontecer – por ninguém menos do que o cara sentado na minha frente no avião. Assim como eu, ele era um nativo de Nova Iorque que vive no exterior já há algum tempo. 10 anos na Inglaterra, vindo direto do Bronx. Nós não tínhamos reparado um no outro até o final do vôo, quando, ainda sob os efeitos da vodka, eu ri do conselho que ele deu para um casal britânico para dizer “cigarro” ao invés de “viado” (N.T.: em inglês britânico existe a gíria “fag” para cigarro, que nos EUA é uma gíria para “homossexual”). O que então abriu espaço para uma conversa.

Eu disse para ele que vivia no Egito já fazia 3 anos agora, e que eu sou bailarina de dança do ventre lá. Graças a deus ele não respondeu com os usuais “uaus” e “por quês”. Ao invés disso, ele disse que devia ser muito difícil para mim voltar para casa, já que ninguém teria nada em comum comigo ou com o que eu faço. Você está absolutamente certo, respondi a ele. Toda vez que volto para casa eu me sinto como uma aberração – uma alienígena. Eu não tenho mais nada em comum com ninguém. Todos os meus amigos são casados e/ ou têm filhos. Nós nos distanciamos muito. Mas o que você saberia sobre essas coisas? Não é que viver na Inglaterra seja algo tão exótico que os americanos não possam te entender. Confie em mim, ele disse. Não é tão sobre onde você vive, é mais sobre o fato de que você não está morando em casa. A maioria das pessoas simplesmente não entende isso. Mesmo os tão auto proclamados liberais nova-iorquinos. Ele está certo, pensei. E eu já sabia disso. Só que eu tinha escolhido esquecer essas coisas naquele momento porque eu estava tão animada para chegar em casa e relaxar do estresse que é o Egito.

Depois da minha sarcástica boas vindas à casa, eu me sentei para ter um jantar legal com o meu pai e meu avô num restaurante. Italiano do estilo Brooklyn. Ninguém faz comida italiana como o pessoal do Brooklyn. Nem mesmo a Itália. Frango a parmigiana, penne e brócolis. Meu vegetal favorito. No Egito não tem isso. Um copo de vinho e um de sangria branca caseira. Voltar para casa tem as suas vantagens. ;)

Com toda a comoção política rolando agora no Egito, eu tenho fantasiado sobre a idéia de que eu talvez tenha que voltar para casa de forma mais permanente, e talvez mais cedo do que imagino. Isto é, se a Irmandade Muçulmana tomar o poder. Se isso acontecer, dançar será uma das primeiras coisas a serem proibidas. Eu até poderia continuar no Egito e escrever sobre os horrores de um governo islâmico, mas eu me recuso a dar suporte a um governo desses com a minha presença e os meus dólares. Portanto, eu embarcaria no primeiro vôo para casa. O que me deixou pensando... o que eu vou fazer se um dia eu deixar o Egito?

O problema é que eu não posso simplesmente sair do Egito. Isso porque eu não danço dança do ventre. Eu me tornei uma bailarina. É mais do que um hobby portátil ou uma ocupação agora. É uma forma de vida. E ela vicia. Eu passo cada momento acordada fazendo alguma coisa relacionada à dança de alguma forma. Se não estou me apresentando, estou ensaiando. Se não é ensinando, é coreografando, escolhendo música ou ensaiando com a minha banda. Se não é desenhando figurinos, comprando tecidos ou escrevendo o meu blog, é brigando com alguém sobre algum aspecto da minha carreira. E eu não posso levar esse estilo de vida em mais nenhum outro lugar do mundo. Em mais nenhum outro lugar eu poderei ser uma bailarina e produtora por 24 horas por dia. Bom, talvez se eu entrasse no ramo de “fusão” eu poderia ter um estilo de vida similar em Nova Iorque, mas não é nisso que está a minha cabeça.

Por outro lado, eu não posso ficar no Egito para sempre. Por mais que eu tenha passado a amá-lo, tem muita coisa acontecendo por lá culturalmente e politicamente que eu simplesmente não concordo. E como uma imigrante, eu nunca vou me encaixar totalmente. Mesmo que eu fale árabe fluentemente e tenha me tornado egípcia de mais de uma forma. Eu também gostaria de ter filhos um dia. Eu nunca me perdoaria por privar meus filhos de um ambiente limpo e de uma boa educação como os que eu recebi nos EUA.

Então onde isso me deixa? Eu não realmente pertenço ao Egito, isso é certo. Assim como eu nunca seria completamente feliz nos EUA. A dança do ventre consumiu de tal forma a minha vida que eu fico até deprimida quando eu me apresento em qualquer lugar de Nova Iorque. Eu acho estúpido e sem sentido fazer um número de 15 minutos com CD ou uma banda de um músico na frente de um público mais interessado no frango do que na minha dança.

Se eu saísse do Egito antes de estar pronta para me aposentar dos palcos, eu provavelmente desistiria completamente da dança (eu nunca fui boa com compromissos). Fazer alguma coisa que me lembrasse mesmo que remotamente da dança do ventre me lembraria do que deixei para trás no Egito e me causaria muita dor. Eu teria que pedir as contas e reinventar completamente a minha vida. Tentar “ser americana” de novo. Talvez fazer aulas de salsa, ou começar a criar cachorros, ou melhor ainda, arranjar um emprego fixo. O que pode não ser a pior coisa do mundo, mas só pensar nisso me assombra. Uma grande parte de mim morreria.

A única coisa que tudo isso tem me ensinado é que não podemos ter tudo o que queremos na vida. Não importa o que fazemos ou para onde vamos, estamos constantemente fazendo sacrifícios. Abrindo mão de uma coisa (ou muitas coisas) para desfrutar de outra. Isso acontece com todos nós. Só é um pouco mais óbvio em casos como o meu, no qual eu abri mão da liberdade, família e conforto para correr atrás do meu sonho de ser bailarina de dança do ventre no Cairo. Se as coisas fossem diferentes, eu ainda assim estaria fazendo sacrifícios. Eu estaria vivendo nos EUA, mas negando meu lado artístico.

Eu também aprendi como imigrar pode desarraigar a gente. Apesar de que o sangue que corre em minhas veias será sempre vermelho, branco e azul, eu nunca mais serei a americana que eu costumava ser. Assim como Ahmed em “Aasel Eswed”, eu nunca estarei completamente em casa. Eu acho que esse é um sentimento legítimo de se ter quando se imigra para outro país, mas é bem diferente quando sentimos isso voltamos para o nosso próprio país. É bem deprimente, e às vezes eu desejo que eu nunca tivesse me mudado para o Egito em primeiro lugar. Assim eu não estaria tendo esse conflito interno de querer viver nos EUA, mas querer dançar dança do ventre do jeito certo. Do jeito egípcio.

Colocando tudo isso de lado, é ótimo estar em casa, mesmo que por um curto período de tempo. E é muito bom dar um tempo na minha rotina agitada de apresentações – especialmente quando estou com um início de tendinite no quadril. Mais do que tudo, estou super animada de estar ensinando em workshops na Big Apple e revendo minhas amigas da dança. Ainda assim, sei que em exatamente 2 semanas eu vou voltar a sentir falta do Egito, minha segunda casa. Então eu vou tentar entender o que tem de “errado” comigo. ;O)

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