Sexta-feira, 11 de novembro de 2011
... bom, mais para bêbada. Mas puxa, faz algum tempo que eu
não bebo. Álcool simplesmente não é uma prioridade quando se mora no Egito – um
país relativamente seco (piada infame intencionada). Ao menos para mim não é. E
existe forma melhor de comemorar a minha volta para o Brooklyn do que bebendo
suco de amora com vodka no vôo de volta para casa? ;) (N.T.: drink muito
conhecido como Cape Cod quando misturado também com limão)
Eu admito, sou fraca para bebida. Mas isso é porque eu bebo
muito raramente. Bastou apenas um copo da bebida para deixar a minha visão
turva e me fazer rir alto enquanto eu assista “Aasal Eswed”. “Aasal Eswed” é
uma comédia egípcia que se traduz como “Doce azedo” (N.T.: a tradução literal é
“mel azedo”, mas “doce azedo” traduz melhor o duplo sentido do título). Ela
satiriza a forma, na maioria das vezes repugnante, que os egípcios se tratam ao
comparar com a forma como tratam os estrangeiros como se fossem da realeza. O
protagonista é o ator egípcio Ahmed Hilmy, que volta ao Cairo para trabalhar
como fotógrafo depois de viver nos EUA por 20 anos. Com a intenção de “se
passar por nativo”, Ahmed deixa o seu passaporte de propósito nos EUA e se
identifica orgulhosamente como egípcio. O filme se desenrola mostrando todos os
problemas desnecessários pelos quais ele passa por causa disso. Desde
autoridades, até taxistas e cavalos (!), ninguém trata Ahmed do jeito que ele
espera ser tratado por ser egípcio.
Duas coisas fazem esse filme ser hilário. A primeira é que
ele é totalmente realista! Eu pessoalmente já experimentei ou presenciei a
maioria das situações vividas por Ahmed (incluindo os cavalos que ficam nas
bases das pirâmides e que não se movem por ninguém a não ser os seus donos
beduínos!). A segunda foi ver como essa pessoa que pensa que é egípcia precisa se defender pelas ruas do Cairo, quando
é óbvio que ele é apenas um ingênuo forasteiro.
Mas o objetivo desse post não é falar sobre como os egípcios
se tratam. O objetivo é tratar sobre o que acontece quando você volta para casa
depois de passar um tempo significante fora – sobre como a gente meio que não
“se enquadra” mais. Mesmo num lugar tão cosmopolita e aconchegante como Nova
Iorque.
Assim que saí do avião, me senti exatamente como o
protagonista de “Aasal Eswed”. Assim como Ahmed, eu tinha uma visão romântica
sobre a minha casa (apesar de eu voltar a cada 6 meses mais ou menos, eu sinto
muita saudade muito fácil). Eu estava imaginando toda a comida, pessoas e
lugares que eu sentia falta. Coney Island, pizza, Times Square, comida chinesa
nojenta... A ar limpo, fresco e frio. A liberdade. As memórias. Eu estava
gostando até do engarrafamento das 5 da tarde do Belt Parkway.
E então, fui ver o meu pai, a pessoa mais chateada com a
minha carreira de bailarina no Egito. A partir de então as coisas foram ladeira
abaixo. Não porque ele não estivesse feliz em me ver. Pelo contrário. Ele estava
tão feliz em me ver de volta em casa inteira que ele começou a me mostrar pela
vizinhança, tanto para os que eu conhecia quanto para pessoas novas. Os
vizinhos, o cabeleireiro, a manicure, os garçons, o manobrista. O açougueiro, o
padeiro, o fabricante de castiçais. ;) E veja bem, eu estava com fome, cansada,
desidratada, precisando urgentemente de um banheiro, e ainda estava usando a
minha maquiagem de palco da apresentação da noite anterior no Nile Memphis! A
última coisa que eu queria fazer era lidar com um pai me apresentando meio
brincando como “minha filha, a estrela de dança do ventre egípcia formada em
Harvard”. Eu também não estava no clima de olhar para baixo para todas aquelas
caras de perplexidade me olhando (eu fico bem alta quando uso minhas
plataformas Aldo), ou receber os seus comentários ridículos.
“Bem vinda a América”
“Então você está vivendo no Egito?”
“Qual é o problema? Você não gosta mais desse país?”
“Nós vimos todos os seus vídeos na internet. Nossa, você é
uma bailarina tão talentosa”
“Então você fala egípcio agora, né?”
“O que você é? Amante de árabes ou algo do gênero?”
“Eles não tratam as mulheres como se fosse lixo lá?”
“O que tem te segurado por tanto tempo lá fora? Você pode
dançar dança do ventre aqui, não pode? Você sabe que o seu pai disse que ele
iria comprar para você um estúdio de dança, daí você poderia dar aulas de dança
até cansar e ganhar rios de dinheiro”
Obrigada, Brooklyn. Sério. Mas a língua se chama “árabe”,
não “egípcio”. E não, obrigada, eu não quero me acomodar como professora de
dança do ventre nos EUA. Eu sou uma “estrela” da dança do ventre no Egito, como
o pai diz. :) Sim, eles tratam as mulheres como se fosse lixo lá, mas agora
isso é assim em todo lugar, não é mesmo? Amante
de árabes? Hein? Eu sou republicana que nem você, mas sou uma republicana
instruída. E sobre o que eu sinto sobre
o meu país, eu o amo até a morte. Talvez mais do que você. Eu amo tudo o que
ele representa e prega (mesmo que não pratique :D). Porque, diferentemente de
você, eu não aceito as coisas sem questionar. Eu sei o que é viver em lugares
do mundo onde os valores americanos não existem. Eu sei o que é mentir sobre a
minha carreira e esconder as minhas visões políticas. Eu sei o que é vestir
mangas compridas e calças quando está fazendo 50° do lado de fora. E eu me
tornei uma pessoa melhor por conta disso. Eu entendo melhor o mundo e aprecio
mais os EUA. E falando sério, “Bem vinda
a América”?!?! Isso é tããããão
egípcio.
Nota mental. Mudar de
cabeleireiro. Procurar anonimato. Nova Iorque é boa para isso. >D
Eu estou sempre reclamando sobre como eu preciso esconder a
minha dança no
Egito porque as pessoas lá normalmente têm visão limitada.
Bom, aqui não é tão diferente assim. Os americanos me fazem me sentir esquisita
quando eu digo a eles que sou bailarina de dança do ventre no Egito. “É tipo um
strip-tease árabe, né?” E porque diabos eu escolheria o Egito no lugar dos EUA?
Será que sou algum tipo de louca esquerdista que odeia os EUA? Então eu decidi
não falar mais sobre isso com ninguém que já não saiba da história. Afinal, o
mundo é muito pequeno.
Eu fui avisada de que isso iria acontecer – por ninguém
menos do que o cara sentado na minha frente no avião. Assim como eu, ele era um
nativo de Nova Iorque que vive no exterior já há algum tempo. 10 anos na
Inglaterra, vindo direto do Bronx. Nós não tínhamos reparado um no outro até o
final do vôo, quando, ainda sob os efeitos da vodka, eu ri do conselho que ele
deu para um casal britânico para dizer “cigarro” ao invés de “viado” (N.T.: em
inglês britânico existe a gíria “fag” para cigarro, que nos EUA é uma gíria
para “homossexual”). O que então abriu espaço para uma conversa.
Eu disse para ele que vivia no Egito já fazia 3 anos agora,
e que eu sou bailarina de dança do ventre lá. Graças a deus ele não respondeu
com os usuais “uaus” e “por quês”. Ao invés disso, ele disse que devia ser
muito difícil para mim voltar para casa, já que ninguém teria nada em comum
comigo ou com o que eu faço. Você está absolutamente certo, respondi a ele.
Toda vez que volto para casa eu me sinto como uma aberração – uma alienígena.
Eu não tenho mais nada em comum com ninguém. Todos os meus amigos são casados
e/ ou têm filhos. Nós nos distanciamos muito. Mas o que você saberia sobre
essas coisas? Não é que viver na Inglaterra seja algo tão exótico que os
americanos não possam te entender. Confie em mim, ele disse. Não é tão sobre onde você vive, é mais sobre o fato de
que você não está morando em casa. A maioria das
pessoas simplesmente não entende isso. Mesmo os tão auto proclamados liberais
nova-iorquinos. Ele está certo, pensei. E eu já sabia disso. Só que eu tinha
escolhido esquecer essas coisas naquele momento porque eu estava tão animada
para chegar em casa e relaxar do estresse que é o Egito.
Depois da minha sarcástica boas vindas à casa, eu me sentei
para ter um jantar legal com o meu pai e meu avô num restaurante. Italiano do
estilo Brooklyn. Ninguém faz comida italiana como o pessoal do Brooklyn. Nem
mesmo a Itália. Frango a parmigiana, penne e brócolis. Meu vegetal favorito. No
Egito não tem isso. Um copo de vinho e um de sangria branca caseira. Voltar
para casa tem as suas vantagens. ;)
Com toda a comoção política rolando agora no Egito, eu tenho
fantasiado sobre a idéia de que eu talvez tenha que voltar para casa de forma
mais permanente, e talvez mais cedo do que imagino. Isto é, se a Irmandade
Muçulmana tomar o poder. Se isso acontecer, dançar será uma das primeiras
coisas a serem proibidas. Eu até poderia continuar no Egito e escrever sobre os
horrores de um governo islâmico, mas eu me recuso a dar suporte a um governo
desses com a minha presença e os meus dólares. Portanto, eu embarcaria no
primeiro vôo para casa. O que me deixou pensando... o que eu vou fazer se um
dia eu deixar o Egito?
O problema é que eu não posso simplesmente sair do Egito. Isso porque eu não só danço dança do ventre. Eu me tornei uma bailarina. É mais do que um
hobby portátil ou uma ocupação agora. É uma forma de vida. E ela vicia. Eu
passo cada momento acordada fazendo alguma coisa relacionada à dança de alguma
forma. Se não estou me apresentando, estou ensaiando. Se não é ensinando, é
coreografando, escolhendo música ou ensaiando com a minha banda. Se não é
desenhando figurinos, comprando tecidos ou escrevendo o meu blog, é brigando
com alguém sobre algum aspecto da minha carreira. E eu não posso levar esse
estilo de vida em mais nenhum outro lugar do mundo. Em mais nenhum outro lugar
eu poderei ser uma bailarina e
produtora por 24 horas por dia. Bom, talvez se eu entrasse no ramo de “fusão”
eu poderia ter um estilo de vida similar em Nova Iorque , mas não é
nisso que está a minha cabeça.
Por outro lado, eu não posso ficar no Egito para sempre. Por
mais que eu tenha passado a amá-lo, tem muita coisa acontecendo por lá
culturalmente e politicamente que eu simplesmente não concordo. E como uma
imigrante, eu nunca vou me encaixar totalmente. Mesmo que eu fale árabe
fluentemente e tenha me tornado egípcia de mais de uma forma. Eu também
gostaria de ter filhos um dia. Eu nunca me perdoaria por privar meus filhos de
um ambiente limpo e de uma boa educação como os que eu recebi nos EUA.
Então onde isso me deixa? Eu não realmente pertenço ao
Egito, isso é certo. Assim como eu nunca seria completamente feliz nos EUA. A dança
do ventre consumiu de tal forma a minha vida que eu fico até deprimida quando
eu me apresento em qualquer lugar de Nova Iorque. Eu acho estúpido e sem
sentido fazer um número de 15 minutos com CD ou uma banda de um músico na
frente de um público mais interessado no frango do que na minha dança.
Se eu saísse do Egito antes de estar pronta para me
aposentar dos palcos, eu provavelmente desistiria completamente da dança (eu
nunca fui boa com compromissos). Fazer alguma coisa que me lembrasse mesmo que
remotamente da dança do ventre me lembraria do que deixei para trás no Egito e
me causaria muita dor. Eu teria que pedir as contas e reinventar completamente
a minha vida. Tentar “ser americana” de novo. Talvez fazer aulas de salsa, ou
começar a criar cachorros, ou melhor ainda, arranjar um emprego fixo. O que
pode não ser a pior coisa do mundo, mas só pensar nisso me assombra. Uma grande
parte de mim morreria.
A única coisa que tudo isso tem me ensinado é que não
podemos ter tudo o que queremos na vida. Não importa o que fazemos ou para onde
vamos, estamos constantemente fazendo sacrifícios. Abrindo mão de uma coisa (ou
muitas coisas) para desfrutar de outra. Isso acontece com todos nós. Só é um
pouco mais óbvio em casos como o meu, no qual eu abri mão da liberdade, família
e conforto para correr atrás do meu sonho de ser bailarina de dança do ventre
no Cairo. Se as coisas fossem diferentes, eu ainda assim estaria fazendo
sacrifícios. Eu estaria vivendo nos EUA, mas negando meu lado artístico.
Eu também aprendi como imigrar pode desarraigar a gente.
Apesar de que o sangue que corre em minhas veias será sempre vermelho, branco e
azul, eu nunca mais serei a americana que eu costumava ser. Assim como Ahmed em
“Aasel Eswed”, eu nunca estarei completamente em casa. Eu acho que esse é
um sentimento legítimo de se ter quando se imigra para outro país, mas é bem
diferente quando sentimos isso voltamos para o nosso próprio país. É bem
deprimente, e às vezes eu desejo que eu nunca tivesse me mudado para o Egito em
primeiro lugar. Assim eu não estaria tendo esse conflito interno de querer
viver nos EUA, mas querer dançar dança do ventre do jeito certo. Do jeito
egípcio.
Colocando tudo isso de lado, é ótimo estar em casa, mesmo
que por um curto período de tempo. E é muito bom dar um tempo na minha rotina
agitada de apresentações – especialmente quando estou com um início de
tendinite no quadril. Mais do que tudo, estou super animada de estar ensinando
em workshops na Big Apple e revendo minhas amigas da dança. Ainda assim, sei
que em exatamente 2 semanas eu vou voltar a sentir falta do Egito, minha
segunda casa. Então eu vou tentar entender o que tem de “errado” comigo. ;O)
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