Quarta-feira, 9 de maio de 2012
Por Luna do Cairo
“Nós somos todos estrelas, e nós merecemos brilhar” – Marilyn Monroe
Luna do Cairo é uma bailarina de dança do ventre americana,
originalmente de Brookling, Nova Iorque (ela estudou em Harvad!) e tem vivido
no Cairo nos últimos 3 anos. Ela é contratada do Nile Memphis no Cairo (Memphis
Tours Nile Cruises).
Luna estará presente no próximo Festival Egípcio Salamat Masr (de 5 de julho à 12 de julho de 2012),
ensinando ao lado de famosas estrelas egípcias da dança do ventre como Mona El
Said, Zizi Mostafa e Najwa Fouad.
Ela tem um blog polêmico: Kisses from Kairo. Onde você pode ler sobre as suas experiências como bailarina estrangeira de
dança do ventre no Egito, sobre algumas diferenças culturais e – como ela mesma
diz – seus erros, reflexões e sucessos!
IZ – Quando e por que você decidiu começar uma carreira como
bailarina no Egito?
LC – Na verdade, eu nunca tive a intenção de começar uma
carreira como bailarina no Egito. Meus objetivos eram bem mais modestos do que
isso. Eu vim para cá em 2008 por conta de uma bolsa de estudos para pesquisar
as origens da dança do ventre e o seu desenvolvimento ao longo da história.
Claro que eu também queria aprender o máximo possível da dança. Aos poucos as pessoas
começaram a me chamar para alguns shows. Eu concordei em tentar. Primeiramente ,
antes de eu conseguir um contrato, eu dançava 2 ou 3 vezes por semana nos
resorts das praias que ficam ao longo do Mar Vermelho, a duas horas do Cairo. E
isso era OK na época, mas eu dançava durante uma hora ao som de CD ao ar livre,
num chão duro que estragava os meus sapatos de dança. Era um trabalho duro, mas
é tudo que há de trabalho para uma bailarina se ela não tem um contrato. Então eu
trabalhava de bom grado. Então, um dia, alguém que acreditava em mim me levou
para um teste no Nile Memphis. Eu passei no teste, e quando percebi, tinha sido
contratada para dançar toda noite ao som de uma banda ao vivo.
“Eu aprendi que a dança do ventre não é algo que os egípcios “fazem”. É algo que acontece. Simplesmente flui livremente deles. E é esse estado que nós estrangeiras tentamos alcançar ao vir para o Egito.”
IZ – Por trás do glamour dos shows e festivais, como é ser
bailarina num país árabe? (Eu li no seu blog – você foi expulsa do seu
apartamento por ser bailarina de dança do ventre)
LC – Ser bailarina de dança do ventre no Egito não é uma
coisa fácil. 90% dos egípcios, incluindo as próprias bailarinas e músicos,
acham que a dança do ventre é pecado, e que as bailarinas são prostitutas. Isso
porque eles vivem numa sociedade conservadora e religiosa, segundo a qual as
mulheres são proibidas de mostrar o seu corpo em público para os homens. E como
essa profissão é tão vergonhosa por aqui, a maioria das bailarinas, incluindo eu
mesma, esconde a sua profissão, ou então mente sobre o que faz. Se não fizermos
isso, corremos o risco de sermos condenadas ao ostracismo pelos nossos
vizinhos, proprietários, familiares etc. Como você mencionou, o meu
proprietário me expulsou do meu apartamento quando descobriu que sou bailarina
de dança do ventre. A irmã dele me viu dançando num hotel e contou para ele que
a sua inquilina era bailarina. Logo em seguida ele veio me dizer que ele e sua
família eram “pessoas de Deus”, e que eles não poderiam ter uma bailarina
alugando o apartamento deles. Além de ele acreditar realmente no que estava me
dizendo, ele também não queria correr o risco de que os vizinhos descobrissem
que uma bailarina morava no apartamento dele, porque isso faria com que o seu apartamento
ficasse com fama de puteiro. E então as pessoas o veriam como um cafetão. Era
uma situação em que ele só tinha a perder.
IZ – Alguns anos atrás, as bailarinas egípcias de dança do
ventre se rebelaram contra o influxo de bailarinas estrangeiras e convenceram o
governo a parar de conceder permissão para as não-egípcias para dançar. Desde
então, como é ser uma bailarina estrangeira no Egito?
LC – Bom, bailarinas estrangeiras têm menos oportunidades do
que as egípcias. Como você mencionou, houve um momento em que o governo baniu
completamente as bailarinas estrangeiras. Isso porque muitas bailarinas
egípcias, Fifi Abdou era a mais importante, estavam ficando zangadas com as
estrangeiras que estavam roubando o seu trabalho. Também nessa época, havia
muitas prostitutas russas que se disfarçavam como bailarinas de dança do
ventre. Então as egípcias queriam parar com isso, porque elas estavam perdendo
trabalho. Agora as estrangeiras têm permissão para trabalhar no Egito, mas o
processo de conseguir um contrato e a permissão do governo é difícil. Leva
muito tempo, muito dinheiro e paciência. E só existem uns 4 ou 5 lugares com
licença para contratar talentos estrangeiros. Se conseguimos um contrato, nós
só temos permissão para dançar num único lugar, enquanto as egípcias podem dançar
em tantos hotéis, barcos e cabarés quanto quiserem. Nós podemos dançar em
casamentos e outras ocasiões privadas, mas, fora isso, temos esse limite de
dançar apenas no lugar que nos contratou. Além disso, temos que pagar um monte
de multas mensais e anuais, e impostos! Sem mencionar a comissão que pagamos
aos nossos agentes. E então, tem o código de vestimenta. Tecnicamente, nós
devemos usar roupas que cubram a barriga, mesmo que a cobertura seja
transparente. A maioria das bailarinas as acha feias e irritantes, mas elas são previstas em lei. Então ser uma
bailarina estrangeira não é nada fácil.
Não é impossível, mas não é mole não.
IZ – Quais são as coisas positivas de ser bailarina de dança
do ventre no Egito?
LC – Tem muitas coisas positivas para se falar sobre ser
bailarina de dança do ventre no Egito. Não há nada no mundo que se compare a
poder se apresentar todo dia para um público egípcio, e ser acompanhada por
alguns dos melhores músicos do mundo. Você também é responsável por todo o seu
show. Você seleciona a sua música, faz a sua banda memorizá-la, você coreografa
(ou não), você escolhe o figurino. E tem o reconhecimento da comunidade mundial
de dança que você ganha por dançar no Cairo. É por isso que tem tantas bailarinas
que gostam de dizer que dançam no Cairo, mesmo se isso não for verdade. Elas
acham que pega bem para elas.
(...) “Haverá um tempo em que os egípcios irão reivindicar a sua dança e cultura, e talvez inaugurar uma nova “Época de Ouro” da dança do ventre. Só uma fantasia.” (...)
IZ – Tem algum movimento, ritmo, progressão musical,
elementos de etiqueta etc. que você não conhecia antes de vir para o Egito?
Como a cultura egípcia te ajudou a entender melhor a dança do ventre?
LC – No meu caso, eu basicamente aprendi a dançar no Egito.
Eu tive aproximadamente um ano de aulas em Nova Iorque , mas
aprender de não-egípcios não é a mesma coisa que aprender dos egípcios, ou de
estrangeiras que fizeram suas carreiras no Egito. Eu aprendi a maior parte da
minha técnica aqui, e aprendi a como me expressar de um jeito mais egípcio.
Além disso, aprendi a como ouvir a música. Como entender o que os instrumentos
estão dizendo, e que tipo de movimento corresponde a cada um deles. Por último,
eu aprendi que a dança do ventre não é algo que os egípcios “fazem”. É algo que
acontece. Simplesmente flui livremente deles. E é esse estado que nós
estrangeiras tentamos alcançar ao vir para o Egito.
Coleção Eman Zaki - Tracey Gibbs |
IZ – Como você se sente sendo uma professora no Festival
Internacional “Salamat Masr” ao lado de lendas egípcias como Najwa Fouad, Zizi
Mostafa e Mona El Said?
LC – Estou extremamente animada por estar ensinando e
dançando ao lado de estrelas como Mona El-Said, Nagwa Fouad, Zizi Mostafa,
Hassan Ali, Mohammed El-Hosseiny e Semasem e Joana. São todos artistas tão
talentosos e dedicados, e eu me sinto honrada por participar de um mesmo evento
que eles. E eu preciso dizer, Salamat Masr é um dos melhores festivais do
mundo. O Sr. Hassan Ali é um verdadeiro artista, que juntou todos aqueles que
deveriam estar ensinando em festivais todos esses anos, mas talvez tenham sido
excluídos pela falta de profissionalismo e politicagem de outros grandes
festivais. A maioria desses artistas tem realmente experiência de dança no
Cairo, o que é uma credencial muito importante. Então, estou animadíssima com
esse festival, como você pode imaginar!
Salamat Masr 2012 |
IZ – Quem você considera como um professor “máster”? Por
que?
LC – Tem muitos artistas que eu considero como professores
máster. São principalmente aqueles que têm uma carreira de verdade no Cairo.
Tanto egípcios quanto não-egípcios. Existem algumas coisas que você não tem
como aprender ou ensinar se você não tem experiência de dançar com música
egípcia ao vivo com alguma regularidade. O palco, a música, o público e a
experiência são os melhores professores. Então alguém que tenha tudo isso é,
para mim, máster.
foto por Tracey Gibbs |
IZ – Quem você considera uma lenda eterna? Por que?
LC – Fifi Abdou. Ela é a minha bailarina egípcia favorita, e
é conhecida apropriadamente aqui no Egito como A Rainha da Raqs Sharqi. A sua
dança é transformadora, poderosa, ousada, linda e feminina. E ela influenciou
gerações de bailarinas.
IZ – O que você acredita que é o futuro da dança do ventre
egípcia nos próximos anos?
LC – Eu acho que com a crise econômica e social pela qual o
Egito está passando, a dança do ventre vai passar por maus bocados. A nova onda
de conservadorismo religioso já teve um impacto negativo no cenário da dança, e
eu acho que isso só vai piorar com o tempo. Eu gostaria de poder ser mais
otimista, mas a realidade não me deixa. Entretanto, haverá um tempo em que os
egípcios irão reivindicar a sua dança e cultura, e talvez inaugurar uma nova “Época
de Ouro” da dança do ventre. Só uma fantasia.
Luna no Nile Memphis |
IZ – Como você vê o seu futuro como bailarina no Egito?
LC – Se a situação no país permitir, eu gostaria de pensar
que tenho um futuro brilhante como bailarina de dança do ventre no Egito. Eu trabalhei
muito duro desde que fui contratada no ano passado, e fiz numerosas
apresentações em eventos para a nata corporativa, assim como na TV egípcia.
Então estou otimista com relação a isso. Eu sou grata por tudo o que Deus me
proporcionou até agora, e estou pronta para o que quer ele coloque no meu
caminho.
Você pode ler a entrevista original (em inglês), assim como
outras entrevistas com outras bailarinas aqui.
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