Acordamos às 5 horas da manhã, pois precisávamos fechar as
malas, tomar banho e um belo café da manhã, pois passaríamos praticamente todo
o dia dentro do ônibus, que saía às 7h da manhã, na maior “perna” da nossa
viagem.
Infelizmente o café da manhã não foi ao ar livre (como eu
gostaria, afinal o jantar havia sido maravilhoso), e a comida era muito simples
mesmo, o que era de se esperar pela estrutura do hotel. Mas o que eles tinham
era gostosinho. Como fui antes do Caike para o salão, me sentei perto do
Buffet, para garantir que ele me acharia com facilidade, e confesso que fiquei
me divertindo enquanto esperava vendo as pessoas tentarem usar a máquina de
café/chá/chocolate quente. A máquina tinha uma quantidade realmente grande de
botões e duas saídas para os líquidos, então invariavelmente as pessoas erravam
e perdiam parte da sua bebida ou faziam lambança.
Terminando o café fui para o ônibus, só para descobrir que
tinha tanta gente indo embora no mesmo dia e na mesma hora que parte das malas
do nosso grupo (incluindo as nossas) simplesmente ainda não havia chegado.
Algumas pessoas ficaram muito preocupadas, achando que elas poderiam ter ido
parar em outro ônibus, mas no final deu tudo certo, elas só demoraram mais a
chegar mesmo.
A previsão era de ficarmos pelo menos 4 horas e meia dentro
do ônibus (sem contar as duas paradas técnicas programadas) até chegar a Konya,
a capital espiritual da Turquia. Na primeira parada técnica aproveitamos apenas
para ir ao banheiro, pois dormimos direto, com direito a música sufi de fundo,
que a nossa guia colocou justamente para a galera poder descansar mais um
pouco. Na segunda parada técnica fizemos um lanche/almoço. Paramos num tipo de
restaurante, mas que só serve lanchinho, e comemos um prato típico da região:
bidê (se fala bidê mesmo!), conhecido também como pizza turca, mas que também
lembra uma esfirra aberta. O prato tinha 3 sabores disponíveis: carne, queijo
ou misto, e sem saber que a carne era apimentada pedimos o misto, o que foi um
erro, pois foi difícil de comer e como eu pedi um chá que veio muito doce, a
bebida não ajudou a aliviar o ardido da pimenta.
Vista do Castelo de Algodão ao caminho de Konya... |
Aproveitamos novamente para ir ao banheiro, só que o lugar
era tão grande que eu me perdi. O inglês tosco dos funcionários também não
ajudou em nada. A
única vantagem é que eu não paguei para entrar no banheiro, pois entrei pelo
lado errado (desconfio que era a entrada dos funcionários) e não passei pelo
controle.
Saindo do restaurante e voltando para o ônibus, nossa guia
começou a nossa aula sobre o interior da Turquia e o Sufismo, tão presente e
importante nessa região. O Sufismo é o lado místico do islamismo e durante
muitos anos (e em alguns países até hoje) ele foi proibido por ser considerado
uma heresia (no caso da Turquia acredito que ele tenha sido banido pelo Ataturk
porque era considerado uma ameaça à laicidade do estado). O Sufismo tem
diversas vertentes diferentes, mas na Turquia é muito associado ao poeta e
mestre Rumi, que apesar de ser persa e ter nascido numa região que hoje
pertence ao Tadjiquistão, ele morou a maior parte da sua vida em Konya, e foi
lá que ele escreveu todas as suas obras de importância. Mevlana Jalal ad-Adin
Rumi, viveu no século XIII e sua obra influenciou o mundo todo. A maior parte
dos grandes pensadores que vieram depois dele leu sua obra e foi influenciado
por ela de alguma forma.
Outro personagem importante no folclore dessa região é o
famoso Nasrudin, que apesar de ter histórias absolutamente folclóricas, foi um
personagem real. Suas anedotas são mundialmente conhecidas e ele encarna o
papel do sábio tolo, que assim como o bobo da corte medieval, se utiliza de sua
própria tolice para dizer a verdade que ninguém tem coragem de dizer. Mestre
Nasrudin também é utilizado no sufismo, onde através de suas anedotas e
histórias engraçadas são passados diversos ensinamentos (a tradição oriental
sempre foi muito baseada em histórias, e os ensinamentos são passados diversas
vezes de forma oral, através de histórias curtas e anedotas).
Para amenizar a chatice do ônibus, nossa guia, Tina, passou
as horas depois do almoço contando histórias dele, o que tornou a viagem até
Konya muito mais interessante e divertida. Mas chegando a Konya, nós fomos
visitar o a escola criada por Rumi, que é mais conhecido por suas poesias,
especialmente as de amor.
A escola de Rumi hoje é um museu, e peregrinos sufis e
muçulmanos do mundo inteiro vão até lá para rezar no seu túmulo. Com um
ambiente agradável e um lindo jardim em torno das construções, hoje se visita o
seu túmulo como se fosse mesmo um museu. Seu imenso caixão de pedra, coberto
por um tecido verde, fica numa grande sala, juntamente com os caixões de outros
mestres e sufis proeminentes, e todos têm turbantes em cima, e o tamanho do
turbante indica a importância do morto. Por ser um local de peregrinação,
apesar da quantidade imensa de pessoas visitando o museu, a sala permanece em
silêncio. É proibido tirar fotos (apesar de algumas pessoas tirarem mesmo
assim, especialmente os chineses e japoneses), e muitos aproveitam para orar o
mais perto possível de Rumi, e outros aproveitam para orar para as diversas
relíquias que também estão dispostas no local.
Museu Rumi |
Nos antigos quartos destinados aos sufis que viviam ou
visitavam a escola, hoje há uma exposição sobre a cultura sufi, suas
vestimentas, hábitos e instrumentos musicais. Ah, sim, os sufis são muito
conhecidos pela sua música, e Rumi fundou uma das ordens sufis mais conhecidas
do mundo: a ordem dos dervixes rodopiantes. Rumi criou um ritual onde alguns
sufis tocavam música, enquanto outros entravam em estado meditativo e em êxtase
rodopiando sem parar, tudo sob a tutela de um mestre, que conduz a cerimônia,
chamada de Sema na Turquia. Aliás, é dessa cerimônia que deriva a dança egípcia
Tanoura.
Nays - flautas de madeira muito usadas na música sufi |
Rababas - uma espécie de violino antigo, também muito presentes na música Sufi |
Kudum - um dos instrumentos de percussão usados pelos sufis |
O jardim do museu |
Um exemplo da sua poesia:
Seja como o sol pela graça e misericórdia
Seja como a noite para cobrir as faltas dos outros
Seja como a água corrente pela generosidade
Seja como a morte para a raiva e o ódio
Seja como a terra pela modéstia
Pareça ser aquilo que você é
Seja aquilo que você parece ser
É ou não é apaixonante?
Aproveitando o clima do museu, nossa guia, Tina, aproveitou
para ler alguns dos seus poemas durante o resto da viagem para a Capadócia.
Dessa vez, fizemos apenas uma parada técnica antes de ir para o nosso hotel.
Nessa parada aproveitamos para lanchar, eu e o Caike pedimos uma tost (um tipo
de sanduíche na chapa), e eu pedi minha bebida turca favorita: o ayran. O
serviço do lugar era muito confuso, e foi complicado conseguir o nosso lanche.
Quando a Tina me viu com aquele copo de iogurte na mão ela comentou que eu
estava realmente parecendo uma turca, visto que a maioria dos turistas não
gosta dessa bebida salgada.
Chegando na Capadócia, pela primeira vez o grupo se dividiu,
pois parte do grupo havia pago o adicional para ficar no hotel da caverna,
enquanto os outros ficariam num hotel comum. Por isso aqueles que ficariam nos
hotéis das cavernas (um grupo de paulistas escolheu um hotel diferente daquele
sugerido pela agência de viagens, apesar dos hotéis serem um do lado do outro)
seguiram viagem numa van, enquanto o resto seguiu no ônibus junto com a guia e
Selim, nosso motorista.
A Capadócia vista do nosso hotel |
Agora vou dizer uma coisa: valeu cada centavo o extra que
pagamos pelo hotel na caverna. É o hotel mais chique que já fiquei ou vi ao
vivo. Era tão chique que fomos recebidos com uma linda bebida gelada feita com
especiariais! O hotel em si era uma atração! Encravado numa montanha, com absolutamente
todos os cômodos feitos de pedra, o hotel era um luxo só! E não só na
construção e na vista simplesmente divina, mas também nos detalhes, tudo dentro
do hotel era lindo. Ele era bem decorado, o serviço impecável, e o quarto...
nossa! O que era aquilo! O banheiro era gigantesco e tinha uma jacuzzi imensa
para duas pessoas e um chuveiro daqueles bem modernos, com jatos de água saindo
das paredes.
A recepção do nosso hotel |
Fomos recebidos com uma bebida gelada a base de especiarias que era uma delícia! |
A decoração do hotel era uma atração à parte, e atrás do hotel vemos as antigas cavernas usadas por séculos pelos moradores da região |
Apesar de termos combinado com outras pessoas que estavam na
nossa excursão para jantarmos juntos, quando chegamos no local combinado não
havia ninguém, e como na espécie de barzinho aberto estava muito quente e
ventava muito, resolvemos jantar no restaurante do hotel. O cardápio era
extremamente variado e não era proibitivo, apesar do restaurante ser
absurdamente chique. Eu pedi um kebab (todo prato com carne se chama kebab na
Turquia) ao molho de iogurte com ervas e purê de berinjela, que estava tão
divino que nem dá para descrever. O Caike pediu um prato típico turco: o kebab
de pote. Esse prato tem uma apresentação realmente única: o kebab é cozido
dentro de um pote de barro, que precisa ser quebrado para se servir da carne
feita no molho de tomate e especiarias. É realmente algo bonito se ver, apesar
de eu ter preferido o sabor do meu prato.
Nosso jantar super chique! Repare no pote de barro no prato do Caike |
Terminando o jantar, encontramos os demais turistas para
pegar o nosso transfer para o show de danças típicas no Harmandali. O transfer
era uma van muito modernosa, cheia de luzes coloridas por dentro e o interior
imitava madeira. A idéia era ser chique, mas o resultado não era bem esse.
Euzinha na entrada do Harmandali |
Eu fiquei super feliz por ter conseguido ir nesse show, pois
a estrela da noite não é ninguém menos do que a nossa carioquíssima Clara
Sussekind! Eu já conhecia o trabalho da Clara há muitos anos e sempre fui fã,
mas desde que ela foi para a Turquia eu só pude vê-la uma vez, e para variar
ela havia arrasado no show. Como eu poderia ir à Capadócia e não ver a mais famosa
bailarina de dança do ventre atualmente na Turquia??? Até a nossa guia (que a
conhece pessoalmente) contou que os turcos vão à Capadócia só para assisti-la.
E agora ela vai fazer o maior sucesso por aqui também por conta da nova novela
da Globo, onde ela aparece dançando...
Enfim, chegamos ao Harmandali, que é na verdade um
restaurante com show de danças. O salão onde acontece o show é uma grande arena
que lembra um ouriço, pois ao redor da arena tem corredores amplos com níveis
onde eles colocam as mesas para as pessoas assistirem o espetáculo. Nesse
restaurante se apresentam a Clara e uma companhia de danças folclóricas turcas.
E nós ficamos bem de frente para a entrada! O lugar perfeito para ver o show!
Durante o show, os espectadores são servidos com pratos de
frutas e alguns petiscos, para serem consumidos à vontade, além de bebidas de
todo tipo, tudo à vontade também (incluindo bebidas alcoólicas), eu aproveitei
para tomar Raki, um tipo de cachaça feita de anis, conhecida no mundo árabe
como arak e na Grécia como uzo.
A nossa mesa ainda desfalcada do pessoal que não ficou no hotel da caverna |
A primeira dança foi uma dança da companhia de
danças folclóricas, e era uma dança típica de casamento (ou assim pareceu rsrsrsrs), teve
muito interação com o público, pois foi escolhida uma mulher da platéia para
ser a “noiva” e então ela precisava escolher entre homens (também da platéia)
qual seria o “noivo”. A brincadeira teve direito a fazer o público dançar em
roda e tudo o mais, os turcos sabem fazer um show!
A dança de casamento |
Antes da interação com o público rolou algo parecido com dabke, mas era mais suave... |
Depois veio uma apresentação de uma dança de roda, de homens
e mulheres, que eu classificaria como dabke turco, pois é feita em linha e a
pessoa que está na ponta vai puxando os passos para os demais
seguirem segurando um lenço. No final novamente o público foi chamado a participar da roda, e eu
fui dançar cheia de raki nas idéia... e a dança turca, assim como o dabke
árabe, exige muito das pernas, com muitos agachamentos... novamente foi muito
divertido. Em seguida entrou a nossa querida Clara numa tanoura... ah, que
coisa linda que é vê-la dançando e rodopiando... fiz questão de filmar!
Esse sim seria o dabke turco, com muito trabalho de pernas e marcação de ritmo! |
Logo depois entraram novamente as mulheres do grupo de dança
folclórica, interpretando a dança cigana turca! Gente, eu não curto dança
cigana, mas amo a dança cigana turca de paixão! Que coisa linda e forte! Adoro
os seus movimentos de força pélvicos, a forma como elas batem no próprio corpo
e suas expressões! E essa apresentação foi longa, pois depois entraram os
homens, fazendo uma dança cigana mista, seguida da representação de um duelo
entre ciganos! Eu mencionei que os turcos sabem fazer um bom espetáculo?
Dança cigana turca |
Adorei o chapéu cigano dos bailarinos |
Depois do intervalo, o show recomeçou com uma apresentação do
grupo de dança folclórica, uma apresentação muito feia e ruinzinha de dança do
ventre (as bailarinas desse grupo não eram muito boas... sabe bailarina que
“não entra em cena”? Fica repetindo mecanicamente a coreografia pensando em
outra coisa? Agora acrescente uma técnica visivelmente ruim). E logo depois
delas entra novamente a Clara! Não teve para ninguém! Nossa brasileira arrasou
com uma linda dança dos 7 véus, seguida de espada, solo de derbake e dança
cigana! Clarinha ficou 20 minutos em cena, e saiu com o público pedindo mais!
Uma das coisas mais estranhas que eu já vi... o shimmie delas era de pé! Sério, ao invés de usar os joelhos ou quadril elas usavam mini saltinho para fazer shimmie... algo bem africano na verdade... |
Em seguida voltaram as mulheres do grupo de dança folclórica com uma dança muito diferente, todas vestidas de branco e algo que parecia taças e pratos com velas nas mãos. Depois vieram os homens do grupo, para fazer o fechamento do show, e que despedida sensacional que eles fizeram! Foi o momento em que cada bailarino desafiava o outro a fazer algo ainda mais complicado! Esses homens têm pernas, meu deus! Em seguida abriu-se uma espécie de pista de dança, e adivinha o que tocou? Michel Telo!!!! E Conga!!! Eu não sabia se ria, chorava ou dançava.
Dança esquisita... |
Eu e Clara Sussekind! Não é uma fofa? |
O impressionante é que sím, isso tudo foi feito em um dia só! Tour de ônibus com guia e grupo tem algumas desvantagens, mas jamais teríamos conhecido tanta coisa se o esquema não fosse esse.
ResponderExcluirAchei esse o dia mais divertido!
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