sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Kisses from Kairo - Dos males o menor


Sexta-feira, 1° de junho de 2012

Por Luna do Cairo
Traduzido por Lalitha   


“El-Tet” TV 24h de dança do ventre

Desculpem, mas será um texto longo. Eu tenho muito a dizer.

Se existe alguma coisa positiva vindo do Egito pós-revolucionário, é o novo canal de TV de dança do ventre “El-Tet”. El-Tet, que é sediado no Bahrain e tem um escritório no Cairo, tem uma programação de apresentações de dança do ventre de bailarinas egípcias e estrangeiras 24 horas por dia. É isso mesmo. Shimmies e ondulações o dia inteiro na TV nacional egípcia. O canal, que tem um pouco mais de um ano, tira o seu nome da palavra árabe que denomina a parte com acordeão/tabla de uma música baladi. Na verdade se pronuncia “tit”, que obviamente traz à mente uma imagem equivocada para os falantes da língua inglesa (N.T.: em inglês a palavra “tit” pode significar seios). É por isso que você verá quase sempre transliterado como “El-Tet”. Com “e”, não “i”. :)

A primeira vez que ouvi falar sobre o novo canal foi em dezembro, quando alguns dos meus músicos insistiram que tinham me visto na TV. Eu nunca tinha ouvido falar do canal, e não tinha a menor idéia do porquê que eles estavam dizendo isso, apesar de achar muito engraçada a idéia de haver um canal chamado “The Tit” (N.T.: em inglês, “O Seio”). Então presumi que eles provavelmente haviam visto outra bailarina que se parecia comigo. E eu estava certa. Meu derbakista me mostrou o clipe no seu telefone celular da bailarina em questão, e com certeza não era eu. Não sei como me confundiram com ela, mas, novamente, os egípcios tendem a achar que nós, estrangeiras, somos todas iguais. :)

Dançando ao som de “Ya Helwa Sabah” no El-Tet

Naquela noite, cheguei em casa e sintonizei no El-Tet. Achei estranho ver tantas bailarinas não-egípcias, muitas das quais eu conheço, dançando na TV egípcia. Dos EUA eu reconheci a Sadie, Sabah e Virginia. Eu vi a Saida da Argentina. Do leste europeu, eu vi Maria Shashkova, Dariya, e um monte de outras bailarinas russas e ucranianas das quais eu nunca tinha ouvido falar. Hum. Como isso funciona, me perguntei. Seriam vídeos do YouTube? As bailarinas de fora do Egito sabiam do canal e mandavam os seus vídeos? Por que não apareciam as bailarinas estrangeiras que trabalham no Egito? E mais importante, onde estavam as bailarinas egípcias?

E então, como que para responder a minha última pergunta, o canal passou um monte de performances de bailarinas egípcias. Nenhum nome importante, nem nada. Apenas bailarinas medianas do mercado. De 5 egípcias, eu conhecia 1 e gostava de 2. Suas danças nada tinham de extraordinário, mas fiquei feliz de vê-las no canal. Diferentemente das estrangeiras, elas foram filmadas em cenários, pela equipe de produção do canal. Pela primeira vez, eles alugaram um espaço e contrataram uma banda. Só que a banda não tocava. Eles apenas ficavam nos seus lugares atrás das bailarinas, fazendo parte do cenário, enquanto as bailarinas dançavam ao som de CD. Cada uma tinha 3 ou 4 clipes – 1 ou 2 junto com um cantor, e 2 ou 3 sozinhas. A maioria das músicas que elas dançavam eram canções shaabi mais novas, daquelas que você escuta nos cabarés ou nos took-tooks – você sabe, aqueles carros pretos pequenininhos que andam pelas ruas do Cairo? E a dança era mais do tipo Cabaré Haram do que raqs sharqi, mas tudo bem. (N.T.: Haram em árabe quer dizer “pecado”, “proibido”, e raqs sharqi é o nome da dança do ventre em árabe). Esse é o estado da arte.

Controvérsia Comercial
Depois de passar dois dias assistindo exclusivamente ao canal, eu comecei a reparar nos comerciais, que foram o pretexto para a prisão do dono do El-Tet na semana passada (por sinal, ele já foi libertado). Eles eram comerciais caseiros descarados, nojentos, que anunciavam quase que exclusivamente todos os tipos de produto para melhorar o desempenho sexual, para aumento dos seios e do pênis, e poções mágicas para esse ou aquele problema. O comercial para disfunção erétil é o meu favorito. Ele mostra as fotos de antes e depois de um homem com um grande bigode caído e cheio de gel. Na foto do depois aparece o bigode mudando de direção e em progressão constante para cima. Sutil, né? Também têm anúncios de detectores de mentiras e câmeras com raio-x, coisas que estou morrendo de vontade de comprar. :)

Brincadeiras à parte, os anúncios são de mau gosto. Quer dizer, se eles fossem um pouco mais sutis e profissionais, daria para passar. Mas combinados com os anúncios pessoais (N.T.: tipos de anúncio de pessoas procurando alguém para um encontro) que vão passando na parte de baixo da tela durante os vídeos das danças das bailarinas, eles passam a ser revoltantes. Sem mencionar que eles dão uma má reputação imerecida ao canal e à dança.

Dando uma olhada no resultado da filmagem com o produtor
Ótimo. Então eu já disse o que tinha a dizer. Já dei vazão ao sentimento de muitas bailarinas de dança do ventre ao redor do globo que acham que o canal é humilhante, e que ficaram satisfeitas com a prisão do dono por conta dos anúncios que foram ao ar. Agora escutem o que tenho a dizer sobre porque eu apoio o canal, ou melhor, porque estou disposta a fazer vista grossa com a existência desses comerciais.

Colocando de forma direta, de um lado, o El-Tet tem como opção aceitar esses anúncios de produtos sexuais, ou do outro, fechar as portas. E na minha nem tão humilde opinião, manter o canal funcionando com comerciais desleixados é dos males o menor. Esse canal não só devolve a dança às pessoas, mas é um avanço para as mulheres, para a arte, a cultura, e para a razão. Além disso, é um tapa na cara dos fanáticos religiosos, da misoginia, do irracional, da ignorância e do ódio. Assim, eu os saúdo a resistir à maré de fanatismo religioso que tem tomado o país de assalto.

Como qualquer um da área de comunicação sabe, comerciais são uma fonte indispensável de recursos. Sem comerciais, não há dinheiro. Sem dinheiro, não há meio de comunicação. No momento, esses anúncios são a única fonte de renda disponível para esse jovem canal de dança do ventre. E como dança do ventre no Egito é equivalente à prostituição, nenhuma companhia respeitável está disposta a anunciar num canal que mostra dança do ventre. Nenhuma companhia de celular ou de móveis, em seu perfeito juízo, iria pagar para ter os seus produtos associados à prostituição. Para piorar as coisas, o El-Tet não recebe dinheiro de nenhum artista. E mesmo que recebesse, não seria suficiente para sustentar o canal. Então, ele é forçado a aceitar esses anúncios para sobreviver. Eu estou disposta a perdoar isso. Como o canal faz mais bem do que mal, nós podemos considerar em aceitar que, nesse momento da história, o canal precisa funcionar em circunstâncias não ideais.

Guerra à cultura?
Mais importante, entretanto, é que eu vejo esse incidente com o El-Tet como o último numa guerra de larga escala contra cultura que tem acontecido no Egito. Desde a queda de Mubarak, forças religiosas têm atacado a cultura de forma nunca vista no Egito. Eles estão se opondo a tudo, desde dança do ventre ao cinema e à cultura faraônica. Nem mesmo a esfinge ficou imune! De fato, antes da prisão do dono do El-Tet, o famoso ator egípcio, Adel Imam, corria o risco de ser sentenciado à prisão por “blasfêmia”. A máfia barbuda agrediu fisicamente estudantes de cinema na Universidade Ain Shems por fazer uma reconstituição da época de Sadat. Muitos cabarés ou foram queimados ou comprados por grupos religiosos, ou fechados por falta de clientes. E hotéis como o Grand Hyatt e o Mena House cancelaram todos os seus shows de dança do ventre. Você pode ler mais sobre esse tipo de coisa aqui

De forma similar, a prisão feita semana passada foi um ataque à dança e às mulheres. Apesar do dono ter sido preso sob acusação de “facilitação à prostituição” por mostrar anúncios durante os clipes de dança, o problema “real” é que tem mulheres semi-nuas rodopiando pela rede nacional de TV. E todos nós sabemos o que as pessoas religiosas acham disso. Os espectadores reclamaram dos comerciais, sim, mas isso apenas deu às autoridades uma desculpa para atacar o canal. Isso fica claro à luz do fato de que o Egito já tem um canal de TV que mostra anúncios pessoais 24h por dia, e que a polícia da moral não fez nenhum barulho com relação a isso – por mais visuais que esses anúncios possam ser, são apenas palavras. Lembrem-se que nem todos conseguem ler. Mas quase todo o mundo pode ver. E eu aposto que a maioria dos espectadores está muito ocupado prestando atenção nas bailarinas para notar os comerciais na parte de baixo do vídeo.

Eu não estou defendendo o canal porque fiz alguns vídeos com eles, diga-se de passagem. Não há nenhum interesse pessoal aqui. Mesmo antes de eles me pedirem para me filmar, eu já havia percebido o grande avanço que esse canal representa para a dança, e mais importante, para o Egito. Se posso dizer alguma coisa, minha colaboração com o canal me deu a rara oportunidade de conhecê-los pessoalmente e ver suas verdadeiras intenções. E eu posso dizer que são as melhores.

Minha experiência com o El-Tet
Ao contrário do que eu esperava inicialmente, todas as pessoas que trabalham no canal são decentes e respeitáveis. Não há nenhum cafajeste, como se espera encontrar no mundo da dança do Egito. Desde o próprio dono do canal, até os produtores e maquiadores, cada um tem como compromisso promover a dança do ventre como arte. E mais, eles gastam milhares de dólares para garantir que os clipes que eles filmam serão agradáveis e respeitáveis. Se você der uma olhada nos vídeos, você verá que eles são gravados em lindas casas de campo com lareiras, móveis bacanas, relógios de parede e confete (!) etc. É óbvio que eles estão dando o máximo de si para criar uma imagem positiva.

Trabalhar com eles tem sido um grande prazer. Nas duas vezes em que fui filmada, eu iria aparecer na locação com os meus figurinos. A equipe de produção iria dar uma olhada neles e escolher aqueles de que gostava mais. Eles ficaram especialmente intrigados com a minha roupa da bandeira americana, e me pediriam para usá-la, mas em ambas as vezes eu recusei. O clima político atual me deixa um pouco desconfortável. Então, ao invés dele concordamos na minha roupa de recortes de jornal. :)

Sendo montada pelo maquiador do “El-Tet” antes da filmagem
A primeira filmagem que eu fiz foi muito interessante. Eu não sabia bem o que esperar. Cheguei à casa de campo às 10h da manhã, cansada e com fome, e bebi copos de café além da conta enquanto esperava para ser arrumada. Havia mais 4 bailarinas egípcias passeando pelo complexo da casa. Algumas estavam sendo filmadas. Outras estavam fazendo ou o cabelo ou a maquiagem. Depois de algum tempo de espera, chegou a minha vez de ser embonecada. Os maquiadores e cabeleireiros estavam sob ordens restritas de me manter com um jeito “estrangeiro”. Isso significa uma base branca, sem delineador preto, sem sombras escuras, batom de tom nude e o cabelo preso e liso. A única coisa “egípcia” em mim eram as sobrancelhas. Você sabe, aquelas sobrancelhas zangadas em forma de V que são a marca registrada da maquiagem egípcia? :)

Quando eu sugeri que usassem um pouco de delineador preto em mim eles responderam brincando que delineador preto é coisa de prostituta! :) E quando eu sugeri que eles me fizessem parecer mais exótica eles responderam que eu já era exótica. Bom, para eles eu era. Para mim, eu apenas não conseguia me reconhecer. E nem me sentia como uma bailarina de dança do ventre. Mas deixei pra lá. Talvez eles vissem algo que eu não conseguia ver.

Pouco depois, um jovem se aproximou com uma bandeja cheia de glitter numa mão, e um batom vermelho na outra. Ele encheu todo o meu corpo de glitter – braços, pernas, barriga, colo e tudo o mais – com as próprias mãos. Então ele esfregou o batom nos meus joelhos, decote e axilas! Essa foi a primeira vez que eu deixei um egípcio desconhecido colocar as mãos em mim. Eu não pensaria duas vezes se fosse nos EUA, mas aqui as coisas são diferentes. Entretanto, estranhamente ele foi rápido e profissional, e não havia nada de estranho naquilo.

Depois era hora da filmagem. A equipe de produção queria que eu dançasse num corredor estreito, insistindo que ficaria lindo no vídeo. E ficou, exceto que eu não tinha espaço para me mexer e esticar os braços. Eu me senti como a Jeanie dançando dentro da garrafa. E eu usei um véu para a minha entrada de “Set el hosen”. Fora que os meus braços pareciam amassados e que tinha alguns cortes feios na edição, fiquei satisfeita com o produto final.

O próximo clipe que filmei foi com o cantor Ahmed Salah. Ahmed é um cantor popular de shaabi do circuito noturno, e meio que se parece com o Baha Sultan (N.T.: cantor egípcio famoso). :) Ele cantou uma música fofinha chamada “Salamtak ya Dimaghi” que podemos traduzir livremente como “tchau tchau meu cérebro”. A ideia é que ele perde a cabeça toda a vez que vê uma garota que ele gosta. Eu usei a minha roupa de recortes de jornal para esse clipe, e me diverti muito na filmagem. Principalmente porque houve muitos erros. O melhor deles foi quando uma parede de isopor caiu na cabeça do Ahmed enquanto ele estava cantando. Nós dois começamos a rir e não conseguimos mais parar até o final da filmagem. :D

Com Ahmed Salah, “Salamtak ya Dimaghi

O último clipe que fiz foi com a famosa música da Warda, “Esmaooni”, com arranjo e voz da orquestra Safa Farid. Eu usei uma roupa com uma impressão de pele de leopardo azul com lantejoulas para essa filmagem. Nesse momento eu já estava cansada, morrendo de fome, irritada, e não queria fazer mais nada além de ir para casa. E eu teria ido. Exceto que eu não queria ser grossa e ir embora depois de ter prometido filmar 3 clipes. Então continuei em frente e fiz uma execução corrida de Esmaooni, plenamente consciente de que não estava dando o meu melhor, e não dando a mínima pra isso. De alguma forma, entretanto, os planetas se alinharam ao meu favor. Esmaooni se tornou o clipe mais famoso de todo o canal, recebendo mais telefonemas e votos on-line do que qualquer outro clipe desde que o canal começou. Desde então, tive platéias egípcias cantando “Esmaooni” até eu ceder e dançar para eles. :)

O segundo round da minha experiência com o El-Tet foi muito melhor. Pelo menos eu sabia o que esperar, e eu sabia que devia trazer comida e minha própria maquiagem! Dessa vez, eu filmei 4 clipes. O primeiro foi uma versão da Safa Farid de “Ye Helwa Sabah”. O segundo foi um improviso para uma música de entrada moderna, e o terceiro foi um improviso de solo de derbake. Eu filmei o quarto clipe com outro cantor popular de shaabi, Ragab El-Prince. Eu ainda não sei o nome da música, e ainda não consegui uma cópia do vídeo, mas era sobre uma garota fazendo de tudo para ficar com o seu amor. Trabalhar com Ragab foi tão divertido quanto trabalhar com Ahmed. Apesar dos dois terem estilos completamente diferentes. E é claro, que não pudemos terminar a filmagem sem um erro ou outro, o mais notável foi o meu bustiê abrindo na frente das câmeras! Graças a Deus que eles não passaram nenhum dos erros no ar!

No set com o cantor shaabi Ragab :)
Críticas
El-Tet recebeu muitas críticas. A maioria de egípcios conservadores, e daqueles que odeiam as mulheres e a dança. Entretanto, algumas das críticas vieram de bailarinas de dança do ventre, surpreendentemente. Porém, eu acho que isso era esperado. Tudo que é novo e “revolucionário” está destinado a encontrar resistência. Qualquer coisa. Direitos civis, direito das mulheres, direitos dos gays, dança do ventre na TV egípcia etc. É apenas a trajetória natural do progresso.

Forças conservadores no Egito amaldiçoaram o canal por supostamente “corromper a sociedade”. Você sabe, toda aquela coisa das mulheres seminuas se balançando? Isso era esperado. O que eu não esperava foi o criticismo alastrado por toda a comunidade internacional da dança.

Como eu mencionei anteriormente, muitas bailarinas ficaram chateadas pelo canal transmitir anúncios de mau gosto e anúncios pessoais. Mas as críticas não se restringiram a isso. Muitas, incluindo algumas estrelas aposentadas, criticaram o canal por apresentar a dança pela dança. Elas alegaram que a forma “correta” de apresentar a dança era num contexto de um filme, com uma história, um pano de fundo, e eventos dramáticos. Apesar disso ser legal, eu não vejo nada de errado em assistir a velha e boa dança do ventre. Sem mencionar que muitos desses filmes antigos são muito orientalistas em se tratando das cenas de dança do ventre. E as bailarinas sempre fazem algum papel indesejável, como uma prostituta, uma criminosa ou espiã. Isso sem dúvida reforçou a imagem negativa das bailarinas de dança do ventre ao longo dos anos. E aqui é ao contrário, ninguém faz esses papéis no El-Tet. As bailarinas só dançam.

Outra bailarina famosa criticou o canal por surgir no “momento errado”. Ela disse que um canal como esse não tem lugar num momento de revolução... que a mídia deveria estar educando as pessoas, e ensinando como elas devem respeitar umas às outras. Enquanto eu definitivamente concordo que a mídia poderia fazer mais para educar as pessoas (ao invés de doutrinar), a idéia de que estamos numa revolução e de que não precisamos da dança para nos distrair é perigosa para a dança. Alguns lugares estão num estado constante de revolução. Devemos esperar sairmos desse estado antes de darmos à dança a atenção que ela merece? Ela não terá morrido até lá? Dos milhares de canais de TV disponíveis para os egípcios nem UM pode ser dedicado à dança? Todos eles têm de mostrar programas “educacionais” que ensinam religião aos egípcios, ou tolerância, ou respeito etc.? Certamente que tem lugar para 1 ou 2 canais de dança do ventre! Além disso, quem disse que eles não são educacionais à sua própria maneira?!?

A última crítica que ouvi, e provavelmente a mais válida, foi sobre a prática do canal de passar vídeos do YouTube de bailarinas sem a permissão delas. Eu sei que isso enfureceu muita gente. E eu entendo isso. Entretanto, eu gostaria de apontar que todo o conceito de direito autoral é novo no Egito. Isso não os exime de usar filmagens de outras pessoas, mas explica porque está acontecendo. Pelas minhas conversas com o pessoal do canal sobre o assunto, parece que eles estão começando a pensar sobre isso.

No set com Ahmed Salah
Benefícios
Apesar de todos os pontos negativos que as pessoas já apontaram, na verdade eu acho que o El-Tet faz mais bem do mal. E esses são os motivos:

Primeiro e mais importante, ele está levando de volta a dança para as pessoas. Graças ao El-Tet, qualquer um pode ligar a sua televisão e se deleitar com uma apresentação de dança do ventre. Esse não era o caso antes do canal aparecer. Isso porque os preços para ir num show de dança do ventre são tão caros que a maioria dos egípcios não pode pagar. A dança do ventre, então, se tornou um entretenimento exclusivo dos ricos e de outras bailarinas estrangeiras. O El-Tet mudou isso da noite para o dia. Ele devolveu uma grande parte da cultura para o povo egípcio. Por sua vez, os egípcios estão levando isso muito a sério. Eles estão tendo todo tipo de conversa inteligente sobre a dança. Eles discutem quais são as suas bailarinas favoritas e porque, o quê eles acham das roupas, das músicas, etc. Em resumo, eles estão ficando animados com a dança, o que é uma coisa boa de qualquer ângulo que você olhe.

Segundo, e eu nem precisava dizer isso, o El-Tet é um passo na direção certa para as mulheres, o secularismo e as artes. E eu acho que não preciso dizer mais nada sobre isso.

Terceiro, a dança do ventre televisionada está gerando uma competição saudável entre as bailarinas. Vou explicar o que quero dizer. Geralmente existem duas formas de lidar com a competição. Uma forma é prejudicando a sua competição ao acabar com a sua reputação, vandalizar seus pertences pessoais, ou se envolvendo em outras ações destrutivas. É isso que normalmente acontece por aqui. A segunda forma é superando a sua competição. Observar o trabalho delas e tentar fazer melhor. É isso que o El-Tet está encorajando, mesmo sem saber. O que está acontecendo é que agora as bailarinas estão sendo vistas umas pelas outras através da televisão. Elas estão observando os movimentos das outras, suas roupas, visual, seleção musical, e estão se empenhando em superar umas às outras nos vídeos seguintes. Isso é algo positivo. Confiem em mim. Está motivando as bailarinas a melhorarem a sua dança ao observar as outras e a criar coisas novas. No final das contas isso vai trazer uma melhora geral no nível da dança por aqui.

Além disso, o El-Tet está disponibilizando exposição para toda uma nova geração de bailarinas. Antes desse canal os egípcios só conheciam a Dina. Agora eles estão contratando outras bailarinas, incluindo eu mesma, para as suas festas. O que é ótimo. Tem muitas bailarinas por aí que precisam do trabalho e dessa exposição, e algumas delas são realmente muito talentosas. Desde que os barbudos não destruam a dança, esse canal está preparando uma nova geração de estrelas que serão conhecidas pelo público egípcio da mesma forma que Samia, Fifi, Souheir e Nagwa já foram.

Pessoalmente falando, eu já me beneficiei de ter aparecido no canal. Publicidade é sempre uma coisa boa. Eu também gosto de ouvir e ler os comentários dos egípcios sobre a minha dança. Mas não me entendam mal. Só de pensar de aparecer em rede nacional da televisão egípcia é de deixar os nervos à flor da pele. Isso quer dizer que todos estão me vendo. Todos. Homens, mulheres, jovens, idosos, fanáticos religiosos, outras bailarinas, agentes, produtores, e a lista não termina. É muita pressão. Eu não fico muito feliz que donos de apartamentos e meus vizinhos assistam o canal, já que eu poderia e já fui expulsa de um apartamento por ser bailarina de dança do ventre. E eu não tenho muita certeza de como me sinto quando pessoas desconhecidas cantam as músicas que eu dancei quando elas me vêem na rua. Quer dizer, estou acostumada a andar “disfarçada”, e essas pessoas estão acabando com o meu disfarce! Mas é legal ver que as pessoas me reconhecem. :)

Dançando “Set El-Hosen” no corredor estreito :)
Eu também já fui pessoalmente criticada por ter aparecido no canal. Alguns disseram que pelo nível da dança que aparece é muito baixo (e de classe baixa), eu me arruinaria se aparecesse lá. Outros disseram que as pessoas se cansariam de ver a minha cara. Outros ainda sugeriram que eu seria exposta a muito assédio e criticismo desnecessário. Eu considerei isso tudo antes de concordar em ser filmada, e no final eu decidi que, diabos, só se vive uma vez. Eu sou viciada em novas experiências, mesmo que elas não sejam sempre positivas. Essa experiência, entretanto, acabou se revelando mais do que boa, e eu estou muito feliz de ter aceitado a oferta deles de ser filmada. No mínimo, me inspirou a escrever o maior post da história!

5 comentários:

  1. Adorei! Sim, já havia ouvido falar do canal mas não sabia como isto estava se dando, e Luna, colocou todos os detalhes da questão, obrigada, Lalitha!

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  2. É possível acessar este canal via on line?

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    1. Oi Saly!
      Não sei se esse canal é acessível ao vivo on-line, mas tem muitos vídeos deles no youtube :-)
      Beijos!

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  3. Nossa, isso é uma novidade boa, não? Pelo menos, pareceu! O pontapé inicial foi dado então!

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  4. só vi agora o post, e achei bastante informativo, sucesso para vc!

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