sexta-feira, 20 de julho de 2012

Kisses from Kairo - A Feminista Frustrada



Domingo, 2 de outubro de 2011

A Feminista Frustrada
Por Luna do Cairo
Traduzido por Lalitha

Eu sou uma feminista frustrada. Eu sempre fui feminista, de um jeito ou de outro, mas a parte “frustrada” é bem recente. Isso tem muito a ver com o lugar onde vivo e com o que eu faço. Por sorte ainda não atingi o ponto de não voltar mais atrás. Eu ainda depilo minhas pernas e axilas e uso maquiagem :-) E eu ainda sou hétero (seja lá o que isso realmente significa). Mesmo assim odeio os homens. Bom, a maior parte deles. Não é que eu odeie os indivíduos que por acaso são homens. Eu só odeio a “macheza” deles – o seu “machismo” – ou o que quer que faça com que eles subjuguem as mulheres.

Correndo o risco de dizer o óbvio, eu vivo numa sociedade ultra-patriarcal. Isso significa que os homens têm a última palavra em quase todos os aspectos da vida aqui. Eles são os líderes, os que fazem as leis, os que as mantêm e os que as quebram. Na verdade, é assim na maior parte do mundo, mas é um pouco mais exagerado em lugares como o Egito do que nos EUA ou na Europa Ocidental. Isso não quer dizer que o Egito está no mesmo nível que a Arábia Saudita, Irã ou Afeganistão. Mesmo assim a misoginia tem o seu lugar cativo aqui. E ela toma diversas formas: mutilação genital feminina (extremamente comum); violência doméstica (muito comum); assédio sexual (sem comentários); crimes de honra (bem mais raros, mas acontecem de vez em quando); leis que regem o divórcio, adultério e outros status sociais (que evidentemente favorecem os homens); e a sempre presente escola de pensamento do “lugar da mulher é em casa” que tanto os homens E as mulheres seguem. Novamente, todas essas coisas existem em outros países, mesmo no Ocidente – é só que elas acontecem muito mais frequentemente e com muito menos estigma nesse pedacinho do mundo.

(Muitos justificam esse fenômeno dizendo que isso é feito para “proteger” e “dar poder” às mulheres. As pessoas que usam esses argumentos são chamadas de apologistas. Eles são mestres em fazer o pior dos males parecer benigno.)

A misoginia também aparece nas duas categorias nas quais a misoginia mais comum divide as mulheres. Elas são “santas” ou “putas”. Funciona assim. Usa o véu. Santa. Não usa véu. Puta. Só tem amigos do mesmo sexo. Santa. Tem amigos de diversos gêneros. Puta. É uma mãe que só fica em casa. Santa. É bailarina. Puta. Não fez sexo antes do casamento. Santa. Fez sexo antes, durante e depois do casamento. Puta. Não se casou antes dos 30. Senhora velha com problemas sérios. Entendeu? Bom. :-) Então. Em qual categoria eu me encaixo? Vou te dar uma dica. Não é “santa”. :)

Você provavelmente deve estar pensando no que isso tem a ver com dança do ventre. A resposta é tudo. A dança do ventre supostamente é para ser uma dança de mulheres. Feita por mulheres para mulheres. Essa foi uma das coisas que mais me atraíram nessa dança. Mas aqui no Egito, são os homens que controlam e ganham dinheiro com a dança. Eles são os agentes, e os gerentes de hotéis e de talentos. Eles são os músicos e a maior parte dos consumidores.

A parte econômica da dança do ventre parece ser um pouco diferente no resto do mundo. Nos EUA, Europa, Rússia e Ásia, são as próprias bailarinas que estão no comando de todos os aspectos da dança. Elas não fazem apenas as performances.  Elas organizam os eventos, são agentes, e em muitos casos, são a maioria dos consumidores. São mulheres ajudando outras mulheres, e elas lucram com a sua dedicação a essa arte.

Por favor, não me entendam mal. Eu não tenho nada contra os homens cooperarem com as mulheres para ajudá-las a serem bem sucedidas. Entretanto, a palavra-chave aqui é “cooperar”. Infelizmente, a cooperação às vezes dá lugar à exploração – tanto financeira quanto de outras formas. Para nós, bailarinas que insistimos em trabalhar aqui, esse problema vem com o lugar. Não acontece sempre, e existem vários homens de respeito no ramo, mas estamos fadadas a encontrar esse problema em algum ponto ou outro das nossas carreiras. Nesse ponto, é uma questão de qual tipo de exploração nós decidimos tolerar. E isso é uma coisa individual. Pessoalmente, eu prefiro ser roubada a ser passada a mão, seduzida a ir para a cama com alguém, ou mesmo ficar ouvindo algum pervertido falar sobre assuntos inapropriados. Então eu escolho as pessoas com quem eu lido de acordo com isso.

Mesmo assim, eu frequentemente me pego desejando que mais mulheres pegassem as rédeas do lado comercial da dança do ventre. Algo me diz que se elas fizessem isso, as coisas seriam melhores. Só outra mulher pode entender realmente o valor dos nossos shimmies. Só outra mulher pode apreciar de verdade a coragem que é necessária para subir no palco “seminua” e se balançar, especialmente numa sociedade que faz cara feia para isso. Só outra mulher pode apreciar de verdade todo o dinheiro, tempo e energia que consumimos para aprender e se apresentar nessa dança.

Para aqueles sociólogos que sugeririam que não existe algo como uma “arte feminina” porque não existe gênero, eu sugeriria que eles olhassem os fatos. Está muito bem estabelecido que os movimentos da dança do ventre são derivados dos movimentos naturais que as MULHERES fazem quando as MULHERES estão GRÁVIDAS. As ondulações abdominais, os shimmies, os shimmies de abdômen, os impulsos pélvicos etc. E da última vez que chequei homens não ficam grávidos. Alguém gostaria de provar que estou errada? ;-)

Outra evidência de que essa é uma dança de mulheres é que não há papel específico para o homem na dança do ventre. Diferentemente do balé, da salsa, e das milhares de danças folclóricas que existem ao redor do mundo, não existem “movimentos masculinos” na dança do ventre. Então, quando homens fazem dança do ventre, eles incorporam uma persona feminina. Eles se transformam em mulheres (nem que seja pela duração do show). E não há necessariamente nada de errado nisso. Só estou dizendo.

E o mais interessante é que um relativamente famoso professor de dança do ventre egípcio uma vez me disse que não há como um homem realmente dançar dança do ventre. Segundo ele, um homem pode apenas “imitar” a dança porque ele não tem um útero, que é a fonte de inspiração artística da mulher. (Eu pessoalmente “vejo” a dança na minha cabeça quando escuto a música, não sinto no meu útero, mas isso é só eu :D). O que quer que você pense sobre a relação entre inspiração artística e o útero, eu acho que o que ele queria dizer é que a dança do ventre é essencialmente feminina. Só as mulheres podem entendê-la direito, porque isso requer aquela essência feminina que os homens não têm (a maioria deles pelo menos). Se é ou não o útero a fonte dessa essência aí é outra discussão.

Dadas todas as evidências de que a dança do ventre é uma dança de mulheres, me parece muito esquisito que sejam os homens a controlar todos os seus aspectos. Mas esse é um mundo de homens no final das contas, e quase tudo é controlado por eles (até mesmo a esmagadora maioria dos ginecologistas egípcios são homens!).

Um dos resultados dessa indústria da dança do ventre ser controlada por homens é que as mulheres acabam por brigar entre si (e não estou falando daquelas briguinhas que acontecem na nossa comunidade de dança do ventre dos EUA). Estou falando de uma chamar a polícia para denunciar a outra, de destruir e roubar as roupas da outra, de espalhar boatos para destruir a carreira da outra, e fazer coisas (e “pegar” pessoas :O ) que elas não deveriam fazer para evitar que outra bailarina “roube” o seu trabalho.

Por mais feminista que eu seja, é difícil não ser arrastada por essa onda de ódio feminino em algum momento. Eu percebi isso quando outro dia me peguei me referindo a outra bailarina como uma “sharmoota”. Isso significa “prostituta” em árabe egípcio. Eu me horrorizei quando ouvi essa palavra saindo tão facilmente da minha boca. Não porque ela não seja de fato uma prostituta, mas porque a palavra é tão carregada de culpa. Ainda mais em árabe do que em inglês (N.T.: ou português). E no fundo, essa sharmoota pode não merecer a condenação que a palavra implica. Ela, assim como milhares de outras mulheres, é analfabeta e destituída de talento. Portanto ela não tem outro meio de sobreviver que não seja usando do seu corpo das mais variadas formas. Isso faz dela uma vítima e uma sobrevivente, não uma sharmoota.

Eu não vou continuar falando sobre as diversas revoluções que precisam acontecer nessa parte do mundo, mas tudo o que vou dizer é que só a realidade que eu observo todo o dia no meu ramo de trabalho é uma razão mais que suficiente para que eu me transforme numa “feminazi”. Infelizmente, eu não vejo que as coisas vão mudar tão cedo. Parece que ficarei frustrada por um bom tempo.

2 comentários:

  1. Amei o post! realmente, nós mulheres às vezes demoramos pra nos tocar que a famosa competição feminina tem muito do machismo arraigado da sociedade em que vivemos. É pior no mundo oriental? certamente!
    Mas também ocorre por aqui.

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  2. Fiquei bem surpresa com esse post, pois é um fio de esperança, aqui temos a sensação de que mulheres que vivem em sociedades ultra patriarcais como vc vive, acabam totalmente embotadas do machismo em que estão imersas, sem vontades ou esperanças, e vc apesar das difilculdades que passa, não se parece nada com esse estereótipo que eu tenho em minha imaginação.
    Gostaria de ve-la dançar pois acho maravilhosa essa arte que vc pratica, gostaria tambem que vc nunca desistisse do feminismo, vc melhor do que muitas de nós aqui no ocidente sabe o quanto ele é necessário, te desejo muita força para que o machismo nunca consiga destruir sua essencia.

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