segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Estilos e leitura musical - Lissa Faker (revisto)

Ano novo que começa, é o momento para alimentar a nossa alma e nos encher de ideias para o ano que está começando!

Esse post deve ser curtinho, mas tem material para estudar por um bom tempo! Venho mostrar a vocês dois vídeos de duas bailarinas maravilhosas dançando a mesma música para que possamos estudar dois estilos diferentes fazendo uma belíssima leitura musical!

A música é Lissa Faker, da maior cantora árabe de todos os tempos, a egípcia Oum Kalthoum, de quem pretendo falar ainda esse ano no blog. Vale a pena reparar nas diferenças de arranjo entre as duas versões.

A primeira bailarina é a "diva-mór" Fifi Abdo, que eu tive o privilégio de ver ao vivo em Porto Alegre. Fifi não é conhecida por ser uma bailarina de muitos passos e variações, pelo contrário, mas a sua genialidade está na forma como ela consegue fazer o mesmo passo parecer sempre novo, espontâneo, na sua incrível presença e carisma. E, claro, no seu quadril bizarramente soltinho. A sua versão de Lissa Faker é um solo de alaúde, instrumento que combina demais com o seu tipo de movimento de quadril mais característico. Vale notar também o público cantando a letra no fundo no final!



Em termos de leitura musical da Fifi, repare que durante a primeira parte (até 2:38) a melodia se repete algumas vezes, e se você prestar atenção você vai ver que ela repete o que ela faz nas repetições. Repare que ela alonga os movimentos no momento em que a melodia dá uma "arrastada", às vezes ignorando o som vibratório do alaúde (fazendo movimentos sinuosos), às vezes acompanhando a vibração com shimmie. Em especial, a última frase dessa primeira parte aparece novamente no final do vídeo, e ela repete os movimentos, linda. Pessoalmente acho lindas as pausas que ela faz em 4:20 e 4:47.

A segunda bailarina é Lucy, outra diva dos anos 90 do Egito, que anda meio sumida ultimamente. Sua versão de Lissa Faker também tem um taksim, mas de qanoun, o que também pede shimmies, mas de outra qualidade, menorzinhos, como ela mostra tão lindamente na sua dança. Mas sua versão da música também tem momentos orquestrados e um curto taksim de flauta, e a sua leitura musical é absolutamente perfeita. É um vídeo para se rever e rever e rever muitas vezes.



 Lucy começa lendo o solo do qanoun com um shimmie bem pequininho, perfeito para o instrumento, depois cresce o movimento na entrada do violino, fazendo mudanças de direção. Quando começa a orquestra, ela cresce junto, marcando com os "alongamentos" da melodia, dando ênfase em 0:49, e continua lendo a melodia com o quadril até o início do acordeon em 0:59. Aí ela faz apenas básicos egípcios, numa leitura bem baladi do instrumento, voltando a leitura da melodia quando volta a orquestra em 1:08. Repare que ela volta com leves deslocamentos, marcando a diferença de tamanho entre os solos e a orquestra, e que no final, em 1:27, ela desloca a leitura pelo corpo, terminando na mão, fechando a frase. Perfeito. Até porque a música segue com o qanoun, que ela lê marcando suas pausas, e quando a orquestra responde em 1:35 ela faz giros, terminando no exato momento em que retorna o qanoun, outra resposta da orquestra ocorre em 1:46, e ela lê perfeitamente a melodia até novo retorno do qanoun em 1:53. Em 2:04 ela repete o que houve em 1:35. Depois durante o solo do qanoun, o violino aparece e ela responde também. Deusa. O fechamento em 2:30 é particularmente bonito. Quando a orquestra retorna ela volta a leitura com leve deslocamento, pegando a melodia todinha. Em 3:02 vem o taksim de flauta, e ela capricha, muda posicionamento e coloca tudo em movimentos de braços, mudando de direção quando o violino surge. A orquestra retorna em 3:10, e a diva pega tudo, finalizando em 3:21. Retorna o qanoun e ela parece que lê ainda mais a melodia do solo, fazendo um deslocamento com a resposta da orquestra em 3:35, e voltando ao qanoun em 3:40. A orquestra volta em 3:54, e ela marca com mudanças de direção, e o qanoun marca de novo presença em 4:01. Em 4:13 a orquestra responde de novo, e ela pega toda a melodia. Fico emocionada quando vejo essas coisas. E aí o qanoun volta, com pequenas marcações da orquestra, que ela pega com variações do quadril ou dos braços. Em 5:00 vem um taksim do qanoun, e ela pega tudo, a danada, o público a anima em 5:21 (yalla!) e a música retoma com o qanoun e a orquestra no fundo, indo para o final da apresentação, e ela termina igual a Fifi!

Aliás, esses dois vídeos, com essas duas versões da mesma música, são maravilhosos para ilustrar a diferença entre esses dois instrumentos musicais e suas leituras. Nada como aprender com grandes mestras!

Para quem quiser, segue também a versão "completa e original" da música! Mas prepare-se, são 46 minutos de divação! Repare que a parte que Lucy e Fifi dançam é apenas o início da música, que aqui não é um taksim, tem uma entrada com a orquestra e só depois Oum Kalthoum começa a cantar.


E que 2016 seja assim, com muito shimmie, muita dança, muito lililili e muita inspiração!

Nota de revisão: Primeiramente eu descrevi a versão que a Fifi dança como um taksim, mas como foi bem apontado pela Rebeca Bayeh, taksim não é só um solo, envolve também improviso. Dentro da versão da Fifi tem taksim, assim como na versão da Lucy, mas a peça em si não é um taksim :-) Aproveitei a revisão para fazer descrições mais detalhadas dos vídeos.

Um comentário:

  1. Obrigada por presentear a nação bellydance com sua sensibilidade e pesquisa!
    Feliz 2016!!
    Abraço forte!
    Rebeca

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