Segunda-feira, 4 de
junho de 2012
Por Luna do Cairo
Nas palavras do agitador nova-iorquino Al Sharpton, “sem
justiça, sem paz”. Foi isso que me veio à cabeça quando ouvi o veredicto do
julgamento de Mubarak há dois dias. Nunca tinha ouvido nada de útil do
Reverendo Al, mas as suas palavras reverberaram na minha cabeça enquanto
milhares de egípcios tomavam as ruas, enraivecidos com o fato de julgamento de
Mubarak e Cia ter terminado em pizza. Mubarak foi sentenciado à prisão perpétua
por não ter impedido que se atirassem nos protestantes. O mesmo aconteceu com o
Ministro do Interior, Habib Al-Adly. Seus filhos, Gamal e Ala, saíram ilesos do
processo. Assim como 6 oficiais acusados de realmente terem puxado o gatilho na
direção dos protestantes no início da revolução.
Se isso não é terminar em pizza, eu não sei o que é. Você
pensaria que depois de 30 anos roubando o país, eles conseguiram uma quantidade
de acusações suficiente para colocá-lo na cadeira elétrica. Ou então, enrolar
uma corda no seu pescoço e fazer justiça em plena Praça Tahrir ,
no estilo iraquiano. O que é basicamente o que muitos egípcios queriam.
Especialmente os parentes daqueles que morreram durante a revolução. Ao invés
disso, Mubarak foi declarado culpado de apenas uma acusação e completamente
inocente (!) de diversas acusações de corrupção...
...Como se fosse realmente necessário um julgamento para
provar que Mubarak era um dos ditadores mais corruptos do mundo. Basta dar uma
olhada na casa dele para ver a extensão do estrago. Os sistemas de saúde e
educação estão em
frangalhos. A economia deixou de existir. As taxas de
desemprego e analfabetismo são vergonhosamente altas. O tráfego é um pesadelo.
A poluição está fora de controle. Essas são todas as provas de que se precisa.
Mas não. Os egípcios decidiram fazer um julgamento,
sabendo muito bem de todas as fraudes judiciárias que aconteceriam. Ai de nós,
pessoas modernas, e nossa obsessão pelo progresso. :/
O que eu acho mais intrigante é a reação dos egípcios. Claro
que eles têm todo o direito de ficarem horrorizados, mas isso implica que
ficaram surpresos. Pelo amor de Deus, eu não consigo entender o que tem de
surpreendente nisso. Desde o início do julgamento, estava claro que as coisas
estavam armadas a favor de Mubarak. Quer dizer, em primeiro lugar, Mubarak
nomeou todos os generais, procuradores e juízes! Mesmo sem essas nomeações,
ainda assim nós teríamos a sensação de que as coisas foram armadas. É assim que
as coisas funcionam aqui. Na verdade, é como as coisas funcionam na maior parte
do mundo, mas especialmente no Egito. Ou talvez seja um pouco mais óbvio por
aqui, e por consequência mais insultante à inteligência das pessoas.
Sim. É isso mesmo. Insultante. Os egípcios estão se sentindo
insultados, não surpresos. Eles se sentem insultados que as autoridades os
julguem tão estúpidos a ponto de acreditar que Mubarak fez apenas UMA coisa
errada nos seus 30 anos de poder. Eles se sentem insultados que mesmo depois da
revolução, os negócios continuam sendo levados da forma conspiratória usual do
Egito.
E é por isso que não haverá paz. Porque não há justiça. Até
que os culpados e inocentes troquem de lado das barras da prisão, os egípcios
não vão parar de protestar na Praça Tahrir. Não me entenda mal. Eu entendo
muito bem que nessa parte do mundo, nessa época, é necessário manipular eventos
políticos para garantir resultados mais satisfatórios. Pode não ser “certo”,
mas é melhor do que deixar a natureza seguir sozinha o seu curso. Deixar que a
natureza siga o seu curso, isto é, eleições livres e limpas, resultaria nos islamitas
chegando ao controle total do país. O que teria efeitos desastrosos para todas
as pessoas – inclusive aquelas que votaram neles. E é por isso que eu apoio
completamente a manipulação das eleições presidenciais para garantir que um
candidato secular vença. Isso é, provavelmente, muito antiamericano da minha
parte. Mas, novamente, eu não sou exatamente uma democrata hoje em dia.
Dito isso, o julgamento de Mubarak era uma das coisas que os
egípcios podiam se dar o luxo de conduzir de forma mais justa. Eles não
precisavam manipular o julgamento da forma como fizeram. Condenar Mubarak por
diversas acusações de assassinato e corrupção não teria colocado o futuro do
país em risco da mesma forma como eleições justas fariam. No mínimo, conduzir
um julgamento limpo teria sido uma postura simpática – um símbolo de boa
vontade para com as pessoas do Egito. Teria feito milagres pela dignidade
deles, e teria dado a sensação de que a revolução não foi uma luta em vão. Pelo menos não
completamente.
Sem falar que o momento foi mal calculado. O veredicto saiu
bem entre os dois turnos das eleições presidenciais, os quais já são vistos
(corretamente) como manipulados. Se os egípcios já ficaram enraivecidos com os
resultados da semana passada das eleições, esse veredicto os deixou com ainda
mais raiva. Pode ter certeza que dessa vez os egípcios irão às urnas com sede
de vingança. E os islamitas vão se beneficiar disso.
E esse é o porquê. Os resultados das eleições da semana
passada colocaram os liberais egípcios na situação desconfortável de ter de
escolher entre os dois males que eles estavam tentando extinguir – Mubarak e os
militares numa mão, e os Islamitas na outra. Agora eles precisam eleger ou
Mohamed Morsi da Irmandade Muçulmana, ou o ex primeiro ministro de Mubarak,
Ahmed Shafiq.
Ou eles podem começar uma nova revolução...
Estou disposta a dizer que antes de ouvir o veredicto, os
liberais teriam votado em massa em Ahmed
Shafiq. Não por convicção, mas para evitar
que o país caísse nas garras dos Islamitas. E porque é mais fácil do que
começar outra revolução... e porque eles já admitiram tacitamente a derrota. A
revolução não seguiu o rumo que eles queriam, e é tarde demais para salvá-la. A
única coisa que eles podem fazer é impedir que o Egito fique como o Irã. E se
isso significa eleger um homem do Mubarak, que assim seja.
Entretanto, depois de ouvir o veredicto, muitos liberais
enfurecidos vão passar a votar no Morsi. E novamente sem convicção. Mas porque
eles estão enojados com tudo relacionado à Mubarak (e por consequência,
Shafiq). Apesar de Morsi usar barba e querer impor a Lei da Sharia, todos sabem
que ele é o maior opositor do antigo regime. E neste momento, isso é o mais
importante para os liberais desiludidos com o veredicto dessa semana.
Um
dos liberais mais influentes que a partir de agora vai endossar Morsi é Ayman
Nour. Ayman Nour é um secular leal que fez carreira ao se opor a Mubarak.
Ele acabou indo para a cadeia em 2005 por ser a primeira pessoa a concorrer com
Mubarak numa eleição presidencial. Depois de ouvir o veredicto do julgamento de
Mubarak, ele declarou as suas intenções de apoiar a campanha de Morsi.
Então chegamos a esse ponto. Basicamente, isso significa que
se o segundo turno das eleições não for burlado, Morsi vai ganhar. Agora, eu
estou disposta a acreditar (e sinceramente espero) que as eleições serão
manipuladas a favor de Shafiq ,
mas se não forem, podemos dizer adeus a esse país.
Verdade, se as eleições forem manipuladas e Shafiq ganhar,
as coisas vão ficar feias rapidamente. Nós podemos esperar muitos protestos e
até mesmo violência. Apesar de historicamente os egípcios terem uma grande
tolerância com corrupção, um veredicto fraudulento às vésperas de uma eleição
manipulada é demais, mesmo para o Egito.
Mas se Morsi ganhar, as coisas vão ficar feias devagar. Mulheres e coptas serão
despojados de suas dignidades, um direito de cada vez. A economia vai cair
ainda mais, e a vida vai ficar tão miserável quanto nos demais países
islamitas. Devagar. Wahda Wahda. Isso
é mais perigoso do que qualquer protesto ou, eu ouso dizer, massacre. Protestos
podem ser reprimidos, e massacres esquecidos. Mas a islamização gradual se
prolonga por décadas, destruindo a vida das pessoas e seus modos de vida.
Sem justiça, sem paz.
Posso ouvir um Amém?
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